Francisco Assis, um dos lemas da sua campanha é “Se quer mudar, mude agora”. Acredita, por isso, que estas eleições europeias são o primeiro passo para uma mudança de ciclo à Esquerda?

Julgo que sim, até pela importância das eleições no plano europeu. Se há coisa que constatamos, nos últimos anos, é que uma mudança a nível nacional carece de ser associada a uma mudança a nível europeu. Sem mudanças a nível europeu, as próprias mudanças a nível nacional ficam um pouco prejudicadas e o caso francês, a meu ver, é um caso paradigmático a esse nível. Agora, a mudança de fundo que temos de operar é uma mudança no sentido de romper com uma determinada linha de orientação política, predominantemente neoliberal, que tem ocorrido no espaço europeu, nos últimos anos, e em Portugal, com este Governo, desde há três anos; e a sua substituição por uma nova maioria política de Esquerda democrática no Parlamento Europeu, que, desde logo, garantiria a eleição de um presidente para a Comissão Europeia social-democrata, alemão, neste caso Martin Schultz. Estou convencido de que só isso induz mudanças significativas na Europa, que tem que ter como preocupação central a criação de condições que permitam a retoma de um crescimento económico significativo que conduza à criação de emprego, porque esse é o maior problema com o qual o espaço político europeu se defronta.

Disse, numa entrevista, que procurava acabar com esta Europa a “duas velocidades”, onde os países do Sul têm saído prejudicados. Acredita que este ato eleitoral equilibrará as forças no velho continente?

Eu acredito que uma vitória da Esquerda democrática conduz exatamente a isso. A acontecer isso, e havendo uma inversão da linha política dominante, nós poderíamos constatar que o problema europeu não tem que ver com uma questão sociogeográfica, mas é sim um confronto político entre visões distintas: uma visão que acaba por acentuar essas divergências de desenvolvimento e uma outra visão que irá corrigir essas diferenças. Se nós dotarmos, como preocupação central da Europa, o crescimento da economia, e se adotarmos políticas monetárias e orçamentais que vão justamente nesse sentido, isso, só por si, vai levar a que as pessoas percebam que não há uma dicotomia entre o Norte e o Sul, mas sim uma dicotomia de orientação política com consequências distintas: termos uma política mais empenhada no crescimento da economia favorece, naturalmente, os países que mais carecem desse crescimento da economia, como é o caso dos países do Sul, que, atualmente, se deparam com os maiores problemas, porque também foram os países mais expostos à globalização, na medida em que tinham um tipo de especialização produtiva que os tornava mais expostos à concorrência dos países emergentes; enquanto os países do Norte tinham uma exposição produtiva mais sofisticada, que lhes permite ganhar muito com o fenómeno da abertura dos mercados internacionais.

“O problema europeu não tem que ver com uma questão sociogeográfica, mas é, sim, um confronto político entre visões distintas”

O PS tem defendido uma política que equilibre os cortes na despesa com crescimento económico. Foi por isso que o PS assinou o Pacto Orçamental Europeu. Como é que se consegue, então, que este défice de 0,5 %, estabelecido neste Pacto, possa ter resultados em Portugal sem continuar com a política atual?

Esse défice é um défice estrutural, não é um défice nominal. Isso significa que nós temos que impor, no espaço europeu, uma interpretação do Tratado Orçamental que permita apontar para esse valor de deficit, tendo em consideração o ciclo económico em que cada país se encontra. E, portanto, no caso português, nós temos que alertar para a necessidade de continuar a promover o crescimento da economia e do investimento, nomeadamente investimento público na área da proteção social, como condição para que a nossa economia possa suportar défices de 0,5% estruturais e nominais a prazo. O que temos que assumir é que há aqui um compromisso de que há uma grande preocupação com o equilíbrio das finanças públicas e esse compromisso tem que ter resultados práticos, mas não pode pôr em causa a libertação de recursos para promovermos investimentos que são necessários à qualificação do país para a retoma do crescimento económico e, também, para a consolidação do estado social.

“Temos que alertar para a necessidade de continuar a promover o crescimento da economia e do investimento”

Mas, nesta campanha, a deputada Marisa Matias, candidata do Bloco de Esquerda (BE) às Europeias, refere que este tratado condena Portugal à estagnação.

O BE faz o jogo daqueles que defendem, à Direita, uma interpretação rígida do tratado. Se nós saíssemos do tratado orçamental acabaríamos por sair da zona Euro e, do nosso ponto de vista, isso seria trágico para o país e, portanto, tem que haver tratado, porque essa é a condição necessária para haver solidariedade e integração na zona Euro. Agora, o que temos que impor é uma leitura inteligente do tratado que salvaguarde os nossos interesses. No nosso ponto de vista, e tendo em conta como o tratado está redigido, significa que nós temos condições para impor uma leitura do tratado que não prejudique o crescimento económico do país.

Um dos aspetos que tem vindo a defender é a mutualização da dívida portuguesa. Coloco em discussão este ponto, porque o candidato do PSD às Europeias, Paulo Rangel, tem defendido que essa é a única proposta do PS, nestas eleições.

O Paulo Rangel anda um pouco distraído relativamente às propostas do PS, porque nós temos várias propostas em termos europeus. Essa é uma proposta central, porque nós continuamos a acreditar que o problema da dívida existe e tem que ser encarado de frente. Nós somos a favor de uma reestruturação, de modo a que a dívida seja sustentável. Nós não queremos deixar de pagar a dívida, de honrar os compromissos, mas temos que ter condições para os honrar. O projeto de mutualização de uma parte da dívida europeia, que é aquela que está entre os 60% e o valor concreto de cada país, significa que nós vamos ter a possibilidade de lidar melhor, num médio e longo prazo, com a dívida que temos. Isso permite a estabilização, para que tenhamos uma outra política orçamental, porque haverá outra libertação de recursos em termos orçamentais e isso é vital para continuarmos no percurso de crescimento económico. O doutor Paulo Rangel não diz que é contra isso, mas diz que isso é impossível, mas a política é a capacidade de transformar coisas que parecem impossíveis em realidades concretas e essa é a grande função do Partido Socialista. E a nossa primeira vitória é que isso consta do programa eleitoral do Partido Socialista Europeu, sendo esse um dos compromissos pelos quais nós nos apresentamos por toda a Europa, nestas eleições.

“A política é a capacidade de transformar coisas que parecem impossíveis em realidades concretas e essa é a grande função do Partido Socialista”

Olhando para 2009, altura em que saiu para o Parlamento Europeu, e comparando com o período atual, o que acha que a Europa podia ter feito para diminuir os estragos desta crise?

Há coisas que, por vezes, não se conseguem antecipar e a Humanidade está habituada a confrontar-se com estas crises e, por isso, tem que encontrar forma de as resolver. No entanto, podia-se ter feito uma maior regulação do sistema financeiro internacional e houve muita gente que alertou para isso. Também uma maior regulação em termos de relações comerciais entre os países e não uma adesão a uma liberalização total do comércio internacional; uma luta pela projeção do modelo europeu em matéria laboral e isso pressuporia uma intervenção muito forte na Organização Mundial do Trabalho. Há matérias em que a Europa podia ter ido mais longe e eu espero que, como resultado da crise, a Europa vá mais longe nestes domínios.

Relativamente à questão da saída de Portugal do programa de ajustamento financeiro, acredita que, sendo eleito deputado para o Parlamento Europeu, no próximo dia 25 de maio, ainda terá influência no pós-Troika?

Espero ter e espero que os deputados europeus tenham influência em articulação com os deputados portugueses e com o futuro Governo português, que tenha uma linha de orientação distinta daquela que tem sido privilegiada até agora.

Qual é a visão do Francisco Assis relativamente ao pós-Troika: com ou sem programa cautelar?

Acho que essa não é a questão fundamental. A questão fundamental passa por analisar em que situação estaremos e que políticas iremos adotar a seguir. O estado em que estaremos é um estado muito pior do que o que tínhamos há três anos atrás e, por aí, decidir que políticas vamos ter: se vamos seguir por esta via de austeridade radical ou vamos adotar políticas que permitam o crescimento económico e permitam, de facto, a promoção do investimento público e privado. Essa é que é a questão fundamental, pois saber a forma como vamos sair é secundária comparativamente com as políticas que vamos adotar no pós-Troika.

Como é que reage ao facto de as televisões portuguesas não terem qualquer debate entre os candidatos às eleições europeias?

Lamento profundamente isso, porque acho que é muito mau e é um empobrecimento para a vida democrática que as televisões não façam debates. Compreendo que o não façam devido à legislação em vigor, mas acho que a interpretação que a Comissão Nacional de Eleições faz desta legislação é de uma rigidez excessiva e impede o esclarecimento da opinião pública.

“Lamento profundamente isso, porque acho que é muito mau e é um empobrecimento para a vida democrática que as televisões não façam debates”

Quais as consequências destas eleições para o futuro de Portugal?

Para o país pode trazer consequências positivas, que é a de perceber que há uma alternativa e há uma vontade dos portugueses de mudarem de orientação política e isso é muito vantajoso.

É tido como um moderado na ala socialista e um defensor da Esquerda democrática. O que o distingue, então, de Paulo Rangel, à partida para as Europeias?

São as diferenças entre um homem da Esquerda democrática e um homem da Direita conservadora e que me tem surpreendido por estar a alinhar com uma Direita muito extremista, que visa pôr em causa aspetos sociais fundamentais em Portugal e na Europa. E, infelizmente, hoje em dia, o Paulo Rangel é o porta-voz, em termos europeus, no nosso país, dessa Direita.

O Francisco Assis referiu que a lista de Paulo Rangel era uma “lista fraca”. Porquê?

Não quero entrar muito por aí, mas foi uma lista que me surpreendeu pela negativa, pois não me parece que seja uma lista especialmente forte sob ponto de vista nenhum.

Olhando para aquilo que tem sido a atuação do atual Governo, com as consequências e a tensão social que se conhecem, vai procurar, na sua campanha, debruçar-se sobre as questões europeias, ou pretende mostrar ao eleitorado que é preciso punir esta Direita?

As coisas estão interligadas em absoluto. Hoje é muito difícil separar uma coisa da outra, sendo até impossível fazê-lo. Aliás, nós próprios temos que perceber que somos europeus e somos tão europeus como os outros, porque, às vezes, falamos da Europa como uma entidade exterior a Portugal e não é. Hoje, as questões portuguesas e as questões europeias estão articuladas. Eu percebo que o Paulo Rangel queira fugir à discussão das questões portuguesas, mas não vai fugir, porque não é possível falar da Europa sem falar do nosso país.

“Eu percebo que o Paulo Rangel queira fugir à discussão das questões portuguesas, mas não vai fugir, porque não é possível falar da Europa sem falar do nosso país”

Por que é que o Francisco Assis é o melhor candidato ao Parlamento Europeu?

Eu não digo que seja o melhor candidato. O que digo é que o meu projeto, o projeto que nós apresentamos, é o melhor projeto. Não faço essa avaliação comparativamente com os outros candidatos, porque respeito-os os todos e acho que todos têm virtudes. Agora, a questão está no projeto político que cada um de nós preconiza e, do meu ponto de vista, o nosso projeto é o que melhor serve a Europa e o que melhor serve Portugal.