Mil novecentos e sessenta e seis é uma data inconfundível para os portugueses apaixonados por futebol. Mesmo quem não assistiu ao Mundial de futebol daquele ano conhece o peso do evento para um país até à época inexistente nestas andanças desportivas e que se orgulhava de uma história de conquistas, mas sempre no contexto extra-futebol.
“Os Magriços”, como ficou conhecida a Seleção portuguesa de 66, edificou um novo reino, como diria Camões no início da epopeia que eternizou o seu nome. Um novo reino que é agora feito de presenças habituais em Mundiais e Europeus.
A afirmação de Eusébio
Eusébio da Silva Ferreira era o nome do momento a nível mundial, aquando do inicío da competição. Com a conquista de duas Taças dos Campeões Europeus pelo SL Benfica, com um contributo muito forte do “rei” no segundo troféu, e após vencer a Bola de Ouro de 1965, o “Pantera Negra” chega ao Mundial como um dos jogadores a ter mais em atenção.
Nove golos em seis jogos, quatro dos quais no épico encontro com a Coreia do Norte, essenciais para a “remontada” (5-3), fizeram de Eusébio o melhor marcador do torneio. Foi crucial na chegada de Portugal às meias-finais da competição, fase em que a seleção lusa caiu, frente à anfitriã e futura vencedora do Mundial, a Inglaterra (2-1), com um bis de outra das vedetas da época, Sir Bobby Charlton.
Nas seis partidas só não conheceu o sabor do golo numa delas: a primeira, frente à Hungria. Seguiu-se um golo frente à Bulgária, um bis frente ao Brasil, um espetacular poker frente à Coreia, um golo nas meias-finais frente à Inglaterra, e um golo no jogo de definição do 3.º e 4.º lugares, frente À URSS, que Portugal venceu por 1-2.
O Mundial de 66 foi a estreia de Portugal no torneio. E que estreia. Um terceiro lugar – a melhor classificação de sempre num Mundial -, com uma vitória histórica sobre o Brasil e uma “remontada” épica sobre a Coreia do Norte tornaram esta edição a mais marcante da história do futebol das quinas.
Num grupo de exigência acrescida, com as conceituadas equipas da Hungria e do Brasil, o de Pelé, e uma menos favorita Bulgária, Portugal seguiu em frente com distinção. Em seis pontos possíveis – na altura a vitória valia dois pontos -, conquistou os seis e terminou com nove golos marcados e apenas dois sofridos.
Portugal bateu a Hungria no jogo de estreia por 3-1, a Bulgária no segundo jogo por 3-0 e, na última partida, alcançou uma histórica vitória sobre o Brasil, por 3-1. Nos quartos de final eliminou a Coreia do Norte, por 3-5, depois de ter estado a perder por 3-0, com um inédito poker de Eusébio e caiu nas meias-finais frente à anfitriã Inglaterra, com uma derrota por 2-1. No jogo de 3.º e 4.º lugares, venceu a URSS por 1-2 e alcançou o histórico terceiro lugar na competição.
Os quadros da Seleção contavam, na altura, com nomes inconfundíveis como Torres, Coluna, José Augusto, Simões e, como é impossível esquecer, o “Pantera Negra”, Eusébio da Silva Ferreira.
O formato do Mundial e a opção Inglaterra
A escolha da FIFA para a organização do Mundial de 1966, como forma de celebração do centenário da mais antiga associação de futebol do mundo, a The Football Association, recaiu na Inglaterra. Para trás ficaram as candidaturas de Espanha, que desistiu ainda antes da votação, e da Alemanha Ocidental. Como anfitriões, os ingleses ficaram automaticamente qualificados para o torneio, juntamente com o Brasil que era o detentor do troféu. De fora ficaram as seleções africanas, que boicotaram a competição em protesto contra a necessidade de terem de disputar um playoff, com o vencedor da zona asiática, para estarem presentes na fase final. Checoslováquia e Jugoslávia, respetivamente finalista e semi-finalista do Mundial anterior, foram os outros grandes ausentes. A Portugal e Coreia do Norte couberam as estreias.
O formato da competição manteve-se inalterável. As 16 seleções finalistas foram dispostas em quatro grupos de quatro equipas e avançavam os dois primeiros classificados de cada grupo, cruzando-se primeiros contra segundos nos quartos-de-final. Daí em diante seriam jogos a eliminar.
Curiosidades I
1. Antes de Eusébio, Bobby Charlton ou Pelé, uma nova estrela emergia para o Mundial de 1966. Pickles, um rafeiro de quatro anos de idade, tornou-se num herói ao encontrar a Taça Jules Rimet embrulhada em folhas de um jornal. O troféu havia sido roubado a três meses do início da competição e não havia rasto dos autores. Pickles foi a programas de televisão, participou num filme e recebeu convites para viajar até ao outro lado do mundo. Foi a primeira figura do Mundial de 1966.
2. A Seleção do Mundial de 66 ficou conhecida por “Os Magriços”. O nome é uma referência a Álvaro Gonçalves Coutinho, cavaleiro português do século XIV, que partiu para Inglaterra com mais 11 colegas para defender a honra de 12 damas. Ou pelo menos assim o conta Luís Vaz de Camões, em “Os Lusíadas”.
A queda dos campeões
As honras do jogo inaugural couberam à seleção anfitriã. A 11 de julho de 1966, perante uma multidão de 87.148 pessoas no estádio de Wembley, a Inglaterra estreou-se com um empate sem golos frente ao Uruguai. Não foi um início com o pé direito, mas, após a primeira partida, a seleção inglesa contou por vitórias todos os jogos disputados até à final. Com os ingleses, também a seleção do Uruguai viria a qualificar-se no grupo 1.
O Brasil, de Pelé e Garrincha, partia como o grande favorito a revalidar um título que havia conquistado nas duas últimas edições. No entanto, para a Seleção brasileira, a competição não passou de um pesadelo que manchou uma verdadeira equipa de sonho. O perfume do futebol canarinho ainda se fez sentir no jogo de estreia, com uma vitória por 2-0 sobre a Bulgária – golos dos inevitáveis Pelé e Garrincha -, mas duas derrotas por 3-1 frente a Hungria e Portugal deitaram por terra o sonho do “tri”. Brasil e Bulgária regressavam mais cedo a casa.
No grupo 3 o domínio foi partilhado por Alemanha Ocidental e Argentina, cada uma com duas vitórias e um empate entre si. Do lado dos alemães começava a emergir uma das grandes figuras da competição e uma referência do futebol mundial até aos dias de hoje: Franz Beckenbauer, melhor marcados da mannschaft na prova, com quatro golos, e um dos eleitos para o 11 ideal. Ambas as seleções seriam eliminadas pelos anfitriões no decorrer da prova, em jogos onde a polémica foi nota dominante.
Outra das desilusões foi a Itália. A squadra azurra chegou ao último jogo do grupo 4 no segundo lugar, que daria acesso à próxima fase da competição, mas foi derrotada pela surpreendente Coreia do Norte e ficou fora dos quartos-de-final. Foi a única vitória dos norte-coreanos em toda a prova, mas suficiente para garantir um apuramento histórico junto à poderosa seleção da União Soviética, liderada pelo mítico guarda redes Lev Yashin.
Curiosidades II
Foi na edição de 1966 que apareceu a primeira mascote em mundiais. Willie, um leão vestido com as cores do Reino Unido, tornou-se num marco popular e deu um importante contributo à promoção da competição. Criado pelo britânico Reg Hoye, que se inspirou no filho para criar a mascote, Willie ainda teve direito a uma canção.
Um campeão polémico
Ao longo da prova, várias foram as polémicas em torno dos jogos em que interveio a seleção de Inglaterra. O primeiro desses episódios aconteceu na partida frente à Argentina. Decorria o minuto 36 quando Rattín, o capitão celeste, protestou com o árbitro uma falta duvidosa, alegadamente, assinalada a favor da Inglaterra. Rattín não falava alemão ou inglês, nem o árbitro falava castelhano… O argentino foi expulso sem que o árbitro tenha percebido o que ele terá dito. A Inglaterra acabou por vencer o encontro por 1-0, mas na Argentina, ainda hoje, este é conhecido como “o roubo do século”.
Nas meias-finais, nova polémica; desta vez envolvendo a seleção portuguesa. A FIFA transferiu o jogo entre Portugal e Inglaterra de Liverpool para Wembley – onde estava sediada a formação anfitriã -, obrigando a seleção das quinas a percorrer uma longa distância de comboio. A Inglaterra viria a vencer o jogo por 2-1 e carimbava a presença na final, onde aconteceu o mais célebre dos casos.
O segundo golo inglês, no embate com a Alemanha Ocidental, eternizou a expressão “golo fantasma”. A bola rematada por Geoff Hurst não chegou a cruzar a linha de baliza, mas o lance veio a ser validado como golo pela equipa de arbitragem. A Inglaterra viria a vencer por 4-2 e conquistava o único título mundial da sua história.