Vítor Nogueira mergulhou na Bolsa de Valores há cerca de dois anos. “Vi que era uma forma de rentabilizar o dinheiro, em vez de estar parado no banco”, diz o estudante da Faculdade de Economia do Porto (FEP). “Tudo começou no meu primeiro ano, a falar com os meus colegas. Nos primeiros seis meses, foi só acompanhar notícias e variações e, seis meses depois, comecei mesmo a investir”.

Desde então, Vítor, Ricardo Esteves e Miguel Carneiro, dedicam parte do tempo a comentar possíveis investimentos. Afinal, “três pessoas sempre captam um maior número de notícias do que uma só” e, desse modo, são capazes de “prever melhor as futuras variações das ações a controlar”, explica Vítor.

João Couto, professor de Cálculo e Instrumentos Financeiros da Faculdade de Economia, nunca jogou na Bolsa. A sua experiência resume-se a um jogo de simulação nos anos 80 do Expresso. Ainda assim, é o principal conselheiro dos jovens.

“Se vou vender e espero ganhar, porque é que o outro há-de comprar? Não faz sentido. Ou seja, se vendo e o outro quer comprar, é porque o outro pensa que vai ganhar”, começa por relembrar. “Não há Bolsa sem duas pessoas estarem interessadas na mesma coisa só que a pensarem ao contrário. Isto significa que só uma é que ganha: aquela que melhor expectar o futuro”.

Só uma pessoa jogou conhecendo o futuro

“A única pessoa que jogou na Bolsa com certezas foi um senhor que já conhecia o futuro. Esse senhor, uns dias antes, comprou ações de construtoras e vendeu ações de companhias de seguros. Passados dois dias, verificou-se que dois aviões foram contra o World Trade Center”. João Couto revela o mistério: “Estou a falar de Bin Laden. Ele já contava que as seguradoras baixassem e as construtoras subissem. Ganhou 41 mil milhões de euros, por alto”.

Os três estudantes constituem um grupo restrito entre os aspirantes a economistas da Universidade do Porto. “Este ano já surgiram mais quatro pessoas, talvez, mas somos no máximo sete”. Entre os jovens, a Bolsa de Valores “ainda não é uma área muito divulgada ao nível de licenciatura”. Em 2012, de visita ao Fórum de Bolsa, o trio percebeu isso mesmo: “Disseram-nos que tudo aquilo que aprendemos na faculdade quase não é aplicado quando formos trabalhar”, conta Vítor.

João Couto tem uma visão diferente. Para o docente, “sempre se aprendeu”, não o funcionamento da Bolsa propriamente dita, mas o de uma empresa. “Queremos que os nossos alunos saibam o que é uma empresa. Se tenho uma ação correspondente a uma empresa, tenho que saber o que é uma empresa para saber se a ação vale ou não a pena”, explica.

O número de jovens da Faculdade de Economia interessados em participar na Bolsa sempre existiu. “Houve uma altura aqui na FEP em que havia um terminal da Reuters e uns três rapazes, nos últimos anos do curso, passavam oito horas por dia ligados ao computador. Na altura em que se alterava alguma ação, eles transmitiam e faziam o que queriam. Mas esse era o trabalho deles: cada um tinha um turno de duas horas e iam rodando. A cada momento eles tomavam as decisões”, relembra João Couto.

A importância de um “pé de meia”

Quando começou a investir, Vítor admite que ainda “estava verde”: “Comecei com dois mil euros no BCP, na altura do aumento de capital, e depois fui injetando”. Hoje, o estudante tem tido “uma taxa de rentabilidade atual líquida de, mais ou menos, 50% anuais”.

Para João Couto, “aquilo que não se pode pensar em Portugal é que, qualquer dinheiro que se tenha, possa ser aplicado na Bolsa”. O capital com que Vítor, Ricardo ou Miguel vão jogando trata-se de um “pé de meia”, como explica: “Para as minhas necessidades básicas, esse pé de meia não pode nunca ser tocado. Se não, acontece a pior coisa que pode acontecer a alguém: para solucionar um problema, crias um mais complicado e tens que vender a qualquer preço”. Uma situação que acontece com relativa frequência. “Muitas pessoas vão para a Bolsa e vêm de lá depenadas. É pior do que o casino”, considera o docente.

“Muitas pessoas vão para a Bolsa e vêm de lá depenadas. É pior do que o casino”.

Como evitar isso? Para Vítor, o primeiro truque passa por não ser ganancioso. “Uma pessoa tem que saber quando limitar as perdas. Para mim, antes de pensar em ganhar dinheiro, tenho de pensar em não perder”, esclarece o estudante. Por fim, sem contar com os conhecimentos económicos necessários, é tudo uma questão de frieza.

Contudo, o jovem é o primeiro a admitir que não é fácil, por vezes, manter a calma. As ações nunca escolhem as melhores horas para cair e a Bolsa é um cenário difícil de acompanhar, ainda mais na faculdade. “É bastante complicado conciliar as duas coisas. Ainda em janeiro tinha uma ordem e, ao vir para as aulas, a ordem cumpriu-se: a ação caiu para o preço que eu queria. Depois, continuou a cair e não tinha acesso ao computador. Passei, mais ou menos, um mês bastante stressado mas depois lá tudo se resolveu”, recorda.

“O mercado tem que ser lido durante o dia. Quem é que tem disponibilidades para estar a ler o mercado ao longo do dia? Só um profissional”, justifica João Couto estes episódios, mais comuns entre estudantes universitários. “Quando uma pessoa vulgar quer ir à Bolsa e presume que sabe porque viu o passado, não está a ver o futuro”, alerta o professor. De modo a evitar estas pequenas tragédias, Vítor recorre a uma plataforma do Banco de Investimento que o alerta de qualquer variação significativa.

O jornalismo como “bola impulsionadora”

Para João Couto, “os jornalistas são a bola impulsionadora do jogo da Bolsa”. Num meio onde o desejável passa por investir prevendo o futuro, é normal o português “tomar a decisão mediante aquilo que se passa no dia anterior”. “Ou eu tenho um canal privilegiado de acesso ou, então, quem é “totó”, vai basear-se numa informação recolhida, trabalhada e traduzida por um jornalista”, explica, reforçando a importância da ética jornalística numa área sensível como a da Bolsa.

Para já, a maior vitória do estudante na Bolsa foi com a Pandora, “uma ação de grande capitalização que cresceu mais de 100% no último ano”, que registou um crescimento que “não é fácil para uma empresa de grande dimensão”. Atualmente, resta-lhe na carteira apenas uma média capitalização nos Estados Unidos duma empresa chamada Glyco. “Fiz umas análises e está perspetivado crescer quatro vezes o valor atual. Ocupa cerca de 5% da minha carteira”, afirma.

“Acho que qualquer pessoa pode investir na Bolsa”, acrescenta, mas desde que conhecendo as suas limitações. “Para pessoas com menos conhecimentos, aconselho investimentos a longo prazo, se não arriscam-se a perder dinheiro. Comecem aos poucos, tentem manter-se informados e não se esqueçam que começam com a desvantagem de não terem as bases económicas”.

Já João Couto é direto: para jogar e não perder, é preciso conhecer as regras e as empresas. “Normalmente, as pessoas gostam da Bolsa por ser “bonita” e não se preocupam com o que anda à volta desta. Se tivesse um manual de instruções, a primeira instrução seria trabalhar”, conclui.

À falta de capital, venham os jogos de simulação bolsista

Bastam os dedos das mãos para contar os estudantes jogadores na Bolsa da Faculdade de Economia do Porto. Vítor, Ricardo e Miguel falam num número à volta da meia dúzia, dos quais todos são rapazes.

Daniela Ferreira é a excepção à regra neste mundo de homens. Foi uma das vencedoras do “The Trading Game”, iniciativa da Júnior Empresa de Estudantes da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (JEEFEUC).

O jogo de simulação prolongou-se pelos meses de fevereiro e março, durante quatro semanas, e contou com mais de 400 participantes que permitiram “uma interação fictícia a um nível real, baseada na forma como mercado se comporta”, explica Ana Fidalgo, diretora de eventos do JEEFEUC e responsável da organização.

Sem qualquer experiência, Daniela confessa que o objetivo inicial era aprender e ver como funcionava uma Bolsa de Valores. O jogo não lhe ocupou muito tempo, mas, às vezes, levava a melhor sobre os professores. A estudante conta que manteve o “sangue frio” e que o principal fascínio foi pensar que “de um dia para o outro tudo podia mudar”: “É uma questão de sorte e de ter tempo para analisar as variáveis”.

Para a jovem, conciliar os estudos com uma carteira de investimentos seria possível, mas muito complicado ao nível financeiro. “É sempre um dinheiro com o qual não se pode contar”, justifica, acrescentando que “fazer apostas de dez euros ou de outros valores muito pequenos quase que não vale a pena por causa das comissões que se tem de dar ao banco”.

Ainda assim, a estudante acredita que o número de mulheres a participarem na Bolsa tenderá a aumentar. “Há cada vez mais mulheres como gestoras de topo e a comandar as empresas”.