Não vive na aldeia gaulesa das histórias de Astérix mas também caiu no “caldeirão”. Ulisses Pereira é administrador de um dos fóruns da área financeira mais visitados no país, com quatro milhões de páginas vistas por mês. Alojado no Jornal de Negócios, Caldeirão de Bolsa é um espaço onde não há “poções mágicas”, mas ideias e conselhos para ser um melhor investidor.

Ulisses, também autor do livro “Amo-te Bolsa“, confessa que este amor tem os seus altos e baixos. “É um amor platónico mas temos que tentar ter alguma frieza para conseguir que as emoções não traiam a razão”, algo que também acontece nos “amores de carne e osso”, comenta.

A relação com o sobe e desce dos mercados começou quando era criança. Aos 11, chegava a casa com o Jornal de Notícias debaixo do braço e parava para ler as cotações todas. Aos 17, comprava as primeiras ações com o dinheiro da semanada.

“Tinha aulas nos intervalos da Bolsa”

Licenciado em Gestão pela Faculdade de Economia do Porto (FEP), os professores só o viam entrar na sala depois das 16h30, altura em que o toque o do sino da Bolsa de Lisboa assinala o encerramento de mais uma sessão. Uma rotina que acabou por interferir no seu percurso académico. “Tinha aulas nos intervalos da Bolsa”, diz a brincar.

“Há pessoas que gostam de apanhar as facas a cair”

Ulisses não conhece melhor truque do que muito trabalho e autocontrolo. É preciso “domar as emoções. Ninguém pode ter a pretensão de controlar o mercado. Agora nós podemos controlar-nos a nós próprios”, explica. Com os erros poderia fazer uma lista de supermercado. Entre todos, destaca os que gostam de ser “mais espertos do que o mercado”, os que vão atrás dos rumores e os que insistem em afundar-se, isto é, mantém ações que estão a descer. “As pessoas gostam de apanhar facas a cair”, diz.

Ulisses atrasou cadeiras para estar dedicado às variações dos títulos “em tempo real”. Quem o quisesse encontrar podia procurar na biblioteca. Passava lá muito tempo a estudar sem pegar num único livro.

Hoje, para além de analista técnico numa empresa de corretagem, é professor de uma matéria que aprendeu fora da faculdade. Tirou cursos, estudou muito e teve a ajuda da internet para saber como chegar a bom porto através das flutuações dos mercados. As formações que dá a principiantes na Bolsa são feitas com base em gráficos, um sistema do qual “os académicos fogem como diabo da cruz”, afirma.

Apesar de serem muitos os que entram na Bolsa, uma grande parte foge a correr depois de alguns fracassos. “Quem investe na Bolsa tem de estar preparado para perder dinheiro”, mas também há casos em que os erros se sucedem por falta de estratégia. “A maior parte dos investidores andam nos mercados à deriva e quando falham não entendem porquê”, conta.

Bolsa para todos, até para os “totós”

Mas desengane-se quem achar que é preciso perceber muito de números para ser um accionista bem-sucedido. “Não é um mundo só para economistas”, uma ideia que se aplica a quem ganha e a quem demonstra interesse em investir pela primeira vez. “Dos últimos 27 formandos, quatro tinham formação em economia”, afirma.

Gaspar d’Orey é um exemplo disso. O engenheiro está longe dos andaimes mas vive do risco. Investidor desde os tempos da faculdade, já trabalhava na área financeira e dava conselhos a amigos quando construiu a Zercatto.

A plataforma online permite que até os “totós” façam investimentos à especialista. Como? Seguindo os movimentos dos maiores experts mundiais. Desta feita, quem desempenha outras funções profissionais durante o dia têm “o trabalho de casa” feito.

Pagar para seguir o que os melhores estão a fazer

Os experts assumem o papel de mentores ao “reduzir as 30 mil ações que andam por aí para cinco ou dez”, o que facilita a decisão dos “investidores nos tempos livres”. No fundo, são 150 carteiras de investimentos com mais de 70% de rentabilidade ao ano.

“40 e poucos” destes peritos são portugueses, dispostos a acompanhar “os marinheiros de primeira viagem” que procuram ter alguém ao lado para desvendar a travessia. Os clientes estão distribuídos pelo mundo e sabem em menos de dois segundos a jogada seguinte do mentor.

Agora pedem-lhe dicas, mas no início Gaspar chegou mesmo a perder dinheiro. O truque é muito estudo e disciplina, mas a frieza pode escapar facilmente. “Quando se está com dinheiro nos mercados não é a cabeça que pensa, é o estômago”, explica.

“Neste jogo tem que haver regras”

As emoções até podem desvalorizar depois de alguns anos de experiência, mas na Bolsa “há muitas outras coisas que não se controla”. Quem é o diz é Gil d’Orey. Ganha a vida a fazer os outros ganhar e perder a brincar, mas deste jogo “sabia pouco, muito pouco”.

É um jogo?

Ulisses não tem medo de usar a palavra jogo, mas só a aplica no curto prazo. “No longo prazo é um investimento”, assegura. Trabalhar com as probabilidades, adivinhar o que vai acontecer no mercado e antecipar o que os outros vão fazer não é suficiente para quem já é veterano no “jogo”.

O convite para levar a Bolsa para cima do tabuleiro foi feito à MesaBoardGames, empresa da qual é sócio. Durante oito meses falou com pessoas ligadas ao universo bolsista para perceber e descomplicar os conceitos mais básicos. O objetivo era criar uma simulação divertida do que se passa nos mercados todos os dias.

O principal desafio, conta, foi perceber como regular um universo fora-da-lei. “Neste jogo tem que haver regras. A Bolsa em si não tem regras. Se houvesse era fácil. Toda a gente ganhava dinheiro. É um jogo de alto risco”.

Nesta “Bolsa” não pode haver mais de seis acionistas a jogar ao mesmo tempo e os media são um sétimo elemento que vai provocando mexidas nas carteiras de investimento.

Para ganhar não é preciso avançar casas mas fazer subir o valor das ações. A estratégia não é muito diferente da aconselhada no “jogo a sério”. Segundo Gil, é importante distribuir bem os investimentos, calcular bem os riscos e estar atento ao que se passa.

O designer já conhece as manhas do “jogo”, mas prefere continuar a ganhar com a sua “Bolsa” e afasta a ideia de investir em ações de empresas no futuro. “Deus me livre. Não é mesmo para mim. A Bolsa tem muitas exigências em termos de conhecimento do mercado. Não quero ter nem tenho tempo para isso”, conclui.