Os ataques na República Centro-Africana (RCA) começaram no início de 2012, quando o grupo muçulmano “Séléka” se apoderou das regiões do norte do país e acusou François Bozizé, presidente do país eleito em 2003, de não cumprir os acordos de paz assinados em 2007, após a Guerra Civil que teve início em 2004.

Os rebeldes muçulmanos “Seleka” subiram então ao poder na RCA, altura em que despoletaram vários ataques contra a maioria cristã. A resposta dos cristãos levou a confrontos que provocaram centenas de mortes e dezenas de milhares de refugiados. Em janeiro de 2014, este grupo abandonou o Governo, ao ceder o poder a um Governo civil interino.

Apesar de todo o apoio internacional, o novo poder não consegue pôr fim aos ataques e confrontos étnicos no país que já provocaram o abandono de mais de um milhão de pessoas para os territórios vizinhos. A ONU estima que mais de 160 mil pessoas façam o mesmo ao longo deste ano.

José Maria Pereira de Sousa, cônsul honorário português na República Centro-Africana disse, em entrevista ao JPN, que “é muito difícil descrever a situação. A única coisa que abunda é a desorganização, o medo, o pânico e a falta de tudo, desde medicamentos a produtos alimentares”. Situação agravada pelo golpe de Estado no país, em março de 2013.

O risco do trabalho no terreno

A 26 de abril, um ataque a um hospital em Nanga Boguila fez 22 mortos. Três deles eram voluntários da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) – a única organização humanitária internacional a atuar na região. Desde o golpe de Estado, a situação no país tem afetado todos e missões e voluntários não têm sido poupados.

Camille Lepage, de 26 anos, documentava os conflitos no país há já alguns meses. A fotojornalista francesa foi encontrada morta num veículo conduzido por membros das milícias anti-balaka, com quem tinha viajado.

Nas últimas semanas, a UNICEF informou, em comunicado, que o número de crianças libertadas em 2014 pelas partes em conflito é já cinco vezes superior ao total de crianças libertadas no ano passado, alertando para o facto de a guerra não ter poupado os mais novos.

As crianças têm sido “usadas por todas as partes em conflito, não apenas como combatentes, mas também como cozinheiros, carregadores e guardas”, avança a organização, em comunicado. Quando são libertadas, é a UNICEF quem lhes assegura os cuidados de saúde e as orienta para que regressem à escola e encontrem as suas famílias, mas muitas não sobreviveram ou deixaram o país.

Grande parte das crianças “viram os seus irmãos, irmãs ou pais serem mortos à sua frente e estão a quilómetros de distância das suas aldeias e famílias”, recorda Souleymane Diabaté, representante da organização no país.

Para combater as violações dos direitos humanos que continuam a acontecer a cada momento na República Centro Africana, José Sousa defende que é necessária mais ajuda. No entanto, “toda a ajuda que chega não é bem aplicada, porque é o Governo que gere o dinheiro”, lamenta.

As perspetivas de resolução dos problemas são escassas. Para o representante de Portugal na RCA, “vai ser um processo lento e que depende da presença militar e das decisões das Nações Unidas para garantir a tranquilidade dos refugiados”.

De Portugal era esperada a chegada de 20 militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) em abril, mas “à última da hora” o cônsul português soube que a decisão tinha sido suspensa. “Pena que a GNR não tivesse apetite. O prestígio que obteve em missões que executou era excelente para o país e os portugueses. Com a sua presença ganhariam uma boa imagem”, acrescenta José Sousa.

Segundo dados fornecidos pelo cônsul, há cerca de duas dezenas de portugueses a viver na República Centro-Africana, mas sem certezas de que ainda lá estão, já que a maioria saiu para países mais próximos na esperança de voltar e reaver os bens que não foram roubados das casas.