A adolescência é um período muito importante para fixar as bases de uma boa saúde na vida adulta. Alguns estudos demonstram que as pessoas com problemas mentais apresentam os primeiros sintomas a partir dos 14 anos, e que, se fossem tratadas a tempo, poder-se-iam prevenir mortes e “evitar sofrimentos uma vida inteira”, diz a Organização Mundial de Saúde (OMS).
O primeiro diagnóstico pode ser feito, por exemplo, na escola. Hoje em dia, muitos agrupamentos em Portugal têm um gabinete de Psicologia ao qual os alunos podem recorrer por vontade própria ou até por sugestão dos professores. No entanto, “a nível europeu, temos dos piores rácios de alunos por psicólogo”, afirma João Moreira, psicólogo. “Um caso de depressão pode ter algumas melhorias significativas, mas não é tratado assim”, diz.
Ainda que, nos casos mais graves, seja dada uma atenção completa ao aluno, ainda são poucas as escolas que tenham uma linha de apoio direta para a qual os estudantes possam ligar, o que dificulta a intervenção positiva da Psicologia. “Se não interviermos no início da adolescência, depois é muito difícil. Até irreversível”, garante João Moreira.
Embora a depressão não escolha idades, os seus sintomas apresentam outra forma nos primeiros anos da adolescência, o que a torna mais irreconhecível aos olhos do senso comum: a irritabilidade ou o comportamento violento, o que leva, muitas vezes, a diagnósticos errados. “O importante, acima de tudo, é o diagnóstico”, diz João Moreira, que é o primeiro passo para um acompanhamento clínico adequado.
A partir daí, há várias técnicas que podem ser utilizadas e o que o psicólogo Tiago Pimenta, a trabalhar atualmente num agrupamento, defende é encontrar actividades prazerosas para o aluno reconstruir a sua auto-imagem ou desconstruir as suas ideias negativas.
Nestas idades, apesar da confidencialidade inerente à psicologia, é essencial que o trabalho feito entre psicoterapeuta e paciente passe pelos pais, pois o ambiente em casa é um aspecto fulcral no universo de um jovem. Essa confidencialidade é, no entanto, quebrada em casos de parassuicídio, já que a recuperação deverá passar por todas as áreas da vida do paciente.
Nestas situações, a divergência entre géneros é muito grande, já que “os rapazes tendem a externalizar a sua depressão, virando a sua agressividade para fora, e as raparigas tendem a interiorizá-la, dirigindo essa agressão para elas próprias”, afirma João Moreira. Aliás, apesar de apontar o suicídio como a terceira principal causa de morte entre os jovens, o relatório da Organização Mundial de Saúde destaca também essa diferença e refere que o suicídio é a primeira causa de morte nas raparigas.
“Suicídio era o plano B da minha vida”
Laura Gonçalves foi uma das vítimas de um estado que pode ser tão silencioso quanto mortal. Cedo sentiu que algo não estava bem e refugiou-se de um mundo que não a conseguia entender. Por volta dos 16 anos teve consciência de que o problema tinha um nome: depressão. E enfrentou-a.
“Quando tinha 5 ou 6 anos, ficava num canto, encolhida, desesperada, porque me sentia mal e não queria existir. Desejava morrer e nem sabia o que era a morte. Não é normal as crianças não quererem existir. Mas tive sorte, pois sempre fui bastante curiosa e até um pouco otimista. O que muitas vezes me agarrava era a curiosidade pelo dia seguinte. Eu pensava: ‘será que amanhã é melhor?’ E ficava mais um dia para ver se as coisas mudavam…”, conta.
O estigma associado às idas ao psicólogo impediu que o tratamento se iniciasse mais cedo. À dificuldade em lidar com um estado vulnerável, juntava-se a dificuldade em encontrar ajuda. Só o fez com 21 anos. “Só fui ao médico quando saí de casa dos meus pais. Como estava longe, poderia fazer o que quisesse sem ser julgada. Pensava que, se eles soubessem, me iriam achar fraca, menor, ou gozar comigo. Então aproveitei essa independência e o facto de a Universidade oferecer esse tipo de apoio”.
Acompanhamento médico I
Para Laura, a ida a um especialista apenas pecou por tardia. Com a depressão veio a ansiedade e o isolamento foi gradual. “Evitava muitas vezes sair de casa, não conseguia ir às aulas, por isso o apoio que tive nessa altura foi mais direcionado para o tratamento da ansiedade. Senti-me bem pela parte em que havia alguém que entendia aquilo que eu estava a passar e que dava valor à dor que eu sentia”.
Aos casos de depressão, vulgarmente está associada a ideia do suicídio. Laura pensou nisso várias vezes e chegou mesmo a ter um plano. Quando as coisas corriam mal, pairava sempre o espetro de um epílogo demasiado precoce. “Pensei muitas vezes no suicídio, mas nunca tive um plano concreto. Só o cheguei a formular por volta dos 19 anos, pois descobri que na internet há muita informação má sobre isso. Se quisermos pôr termo à vida há sempre alguém disposto a ajudar e a dizer como. Havia momentos em que não pensava nisso, mas acabava sempre por voltar. Era como se fosse o plano B da minha vida”, confessou Laura, atualmente com 25 anos.
“Chegamos a um ponto em que nem nos conhecemos”
Daniela Vieira, de 24 anos, também só percebeu que tinha um problema no final da adolescência. Foi internada no hospital com a desconfiança de princípios de AVC, mas na verdade enfrentava uma depressão profunda. As causas eram várias e o pesadelo ainda estava no início. Hoje recorda um “acumular de situações e sentimentos” que fizeram despoletar o período mais negro da sua vida. “Às vezes chegamos a um ponto em que nem nos conhecemos a nós mesmos e questionamos onde está aquela pessoa que fomos. Achava que não tinha mais nada para viver e que se morresse não faria falta”.
Durante essa fase, Daniela também se fechou em si mesma e enfrentou o problema em solitário. Longe dos olhares que não a viam realmente, até as mãos mais próximas lhe pareciam distantes. “Tinha chegado a um ponto em que olhava ao meu redor e sentia que não estava aqui a fazer nada. Sentia que a vida não tinha sentido e que a melhor solução era a morte. Mesmo com muitas pessoas ao meu redor sentia-me sozinha e por mais que alguém me quisesse apoiar ou dar atenção, refugiava-me sempre. Vivia isolada no meu canto e tive de passar por tudo sozinha”, afirmou, assegurando que “há pessoas de 50 anos que não passaram por tanto”.
Acompanhamento médico II
Depois do internamento, Daniela foi para casa medicada. Contudo, o tratamento acabou por ser ainda mais nocivo para a sua saúde. “Não queria aquilo para mim, pois achava que era muito forte. Tinha 19 anos e uma vida pela frente, portanto não podia estar assim, sempre dopada. Então fui a um psiquiatra, mas ele não me reduziu a dose; retirou-a a 100%. Entrei em anorexia nervosa, perdi muitas vezes os sentidos e não andava 10 segundos sem me sentir mal””
Tal como Laura, também Daniela chegou a pensar no suicídio. Deixou de lado a lógica dos planos e tentou mesmo pôr termo ao sofrimento. A dureza do cenário espelha a dureza de um estado que a levou a tentar deixar para trás não só passado, mas também o futuro. “Depois do internamento, pensei no suicídio. Há muitas pessoas que tentam com comprimidos, mas no meu caso foi algo mais drástico. Fui para um apeadeiro de comboios e fiquei lá à espera do comboio… Por sorte o meu pai chegou a tempo. Um vizinho viu-me sair para os lados do apeadeiro e conseguiu avisar o meu pai, que andava à minha procura”.
“O principal medicamento é o terapeuta”
Em casos mais graves, surge a hipótese de prescrever medicação ao paciente. No entanto, “a medicação diminui os sintomas mas não trata a doença”, já que, mais do que uma doença, “a depressão é uma sintoma de uma doença maior ainda e é isso que é bastante preocupante”, aponta João Moreira. O ideal, portanto, é que psicologia e psiquiatria caminhem lado a lado, conjugando a psicofarmacologia com a psicoterapia.
Carlos Braz Saraiva, psiquiatra no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, tem alguma relutância na prescrição de psicofármacos, pois, muitas vezes, há mais malefícios do que benefícios, e partilha da opinião de que “o principal medicamento é o terapeuta”. O que acontece frequentemente é haver “jovens sobrecarregados de medicação que, por isso, chegam a deixar de ser responsivos”, defende Tiago Pimenta. Há medicação que, ao afetar o rendimento escolar de certos alunos, influencia direta e negativamente a sua auto-estima, o que acaba por ser contraditório.
Outro problema no âmbito da medicação psiquiátrica, aponta Carlos Braz Saraiva, é a sua prescrição por médicos de família, que são, geralmente, os primeiros profissionais de saúde a quem as pessoas recorrem. O médico psiquiatra defende, por isso, “o aumento da capacitação dos médicos de família no que toca a cuidados primários em saúde mental, o que facilitaria imenso as respostas terapêuticas”.
Segundo o relatório da OMS, além da depressão, as principais doenças entre os adolescentes são os ferimentos resultantes de acidentes de estrada, a anemia, a SIDA, a auto-mutilação, os problemas de ossos, a diarreia, a asma e as doenças respiratórias. As principais causas de morte entre os jovens, para além do suicídio, são os acidentes de estrada, a SIDA, as doenças pulmonares, a violência, a diarreia, o afogamento, a epilepsia, os problemas de endocrinologia e as doenças do sangue.