Capicua é natural do Porto, fez a licenciatura em Sociologia no ISCTE e o doutoramento em Geografia Humana em Barcelona. Com o final dos estudos, aos 23 anos, não queria arranjar emprego: “O que eu queria era fazer música”, diz.

A partir de 2012 chegou a um público mais alargado, o trabalho aumentou e a receção do público e meios de comunicação foi muito positiva, o que a surpreendeu. No espaço de dois anos a sua vida mudou completamente e a notoriedade aumentou com o lançamento do último trabalho, “Sereia Louca”.

Ana conseguiu, assim, profissionalizar-se no mundo da música, algo que nunca considerou ser possível. “Acabamos por criar angústias em algo que deveria dar prazer”, afirma.

“Desde os 15 anos que me identifico com o hip-hop, é metade da minha vida”

Sempre se interessou pela escrita e percebeu que a música poderia ser o veículo ideal para fazer com que as suas histórias ganhem vida, para além de ser uma forma de intervenção muito forte.

Ser engenhoso com a língua e saber brincar com as palavras são algumas das ferramentas que Capicua considera fundamentais para singrar neste meio. No caso dela, o facto de ter estudado fora do país, de ouvir música constantemente e de consumir vários tipos de cultura levaram-na a tornar-se no que é e faz hoje. Paralelamente, a sua família sempre ouviu músicas de intervenção e esse capital cultural contribuiu para que muitas das suas músicas tenham uma mensagem e posicionamento político.

No entanto, a sua maior preocupação não é essa, mas sim transmitir positivismo em tudo o que diz, mesmo que o assunto não o proporcione. O objetivo de Capicua é inspirar e trazer um estímulo positivo para aqueles que a ouvem.

“Estamos todos à procura de uma identidade”

Quando questionada pelo porquê de escolher Sociologia como formação académica, a artista justifica que sempre teve um interesse específico em Ciência Política e que via neste curso uma corrente prática que lhe despertava interesse. Além disso, achava ser possível adquirir ferramentas para fazer crescer o seu espírito crítico.

A formação sociológica teve um impacto real no seu trabalho musical e confessa que consegue transmitir melhor as suas preocupações sociais através da música do que se fosse investigadora na área da Sociologia, pois a música chega a um público mais alargado.

Diz ainda que lhe moldou a atitude e fez com que olhasse para o mundo de outra forma. No entanto, acha que “o rap não é muito sociológico”, na medida que “os rappers são mais desbocados, acusatórios, sem salvaguardas”. Já a artista consegue perceber que “entre o preto e o branco há várias gamas de cinzento”, o que não se torna comum no seu meio artístico, devido à assertividade característica nesta cultura musical.

“O rap não pede mais nada a não ser que sejamos nós próprios”

Tendo em conta que a cultura do hip-hop nasceu na margem sem qualquer tipo de apoio institucional, a artista vê este movimento artístico como uma forma de “tentar mudar o mundo com as nossas ferramentas” e não deixa de olhar para o rap como uma forma de emancipação. Diz mesmo que “o rap é uma afirmação, um discurso direto que fala no ouvido das pessoas” e pensa que “nenhum estilo de música eleva tanto a palavra como o rap”.

Para a artista, o rap é capaz de pegar na linguagem de rua como matéria para a criação artística e elevar o conteúdo de histórias de rua que não conseguem ter cobertura mediática. Além disso, o facto de qualquer pessoa, independentemente da sua condição, conseguir conquistar espaço público através das suas palavras é uma atitude revolucionária proporcionada por este meio musical. Fascina-a “essa coisa tão emancipatória de dizer ‘eu estou aqui, vou fazer os meus discos, dar os meus concertos'”.

“Os media descobriram-me e acharam-me piada, era exótica”

A artista considera que os media são injustos com os rappers e defende que não se podem fazer generalizações pois “não são todos putos que querem comprar sapatilhas”.

Ana quer que mais rappers portugueses sejam reconhecidos pelo público e pelos meios de comunicação e salienta que as conquistas das mulheres neste meio “fazem parecer com que esteja tudo bem e não está”. O objetivo da artista é abrir horizontes e mostrar que o rap é uma cultura abrangente: “Ficamos facilmente moldados a achar que o hip hop é isto ou aquilo”.

Capicua esteve presente na passada terça-feira, 27 de maio, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto para falar da sua música, do estado do rap em Portugal e da Sociologia. Um encontro inserido na disciplina de Correntes atuais da Sociologia II.