Para os jovens que querem ingressar no jornalismo, muitas vezes a dúvida é: Lisboa ou Porto? Qual é a diferença entre os dois cursos, uma vez que estudou a fundo os dois?

Só há uma situação em que estão os dois profundamente ligados: a média de entrada. São o primeiro e o segundo curso, quase sempre, todos os anos. De resto, não há quase pontos de contacto entre um e outro, o que é estranho, porque são os dois cursos públicos mais conceituados a nível nacional e é estranho não haver nenhuma relação em termos programáticos, em termos de matérias, de bibliografia, de estratégia de cada uma das coordenações/direções, não há nenhum ponto de contacto. Desde logo, o estágio: no Porto há estágio no último semestre. Na Universidade Nova, não há estágio curricular depois da adoção de Bolonha. Depois, o envolvimento das cadeiras de tronco comum, que são extraordinariamente teóricas na Nova. Há um conjunto de quadros conceptuais abstratos, pelo menos é dessa forma que os alunos os classificam. No Porto, têm um conjunto de unidades curriculares mais práticas que lá já vão existindo, mas não com a mesma proporção que existe aqui, onde fazem um investimento grande na multimédia, no online.

Qual o trabalho que mais gozo deu?

“Aquele que estou a fazer nesta altura. Quando eu disser outra coisa estarei a trair a minha própria consciência. Se nós vamos pensar apenas nos trabalhos que já fizemos vamos esquecer que aquele que estamos a fazer é o mais importante deles todos. É aquele em que eu estou a dar o litro para conseguir fazer um bom trabalho. E há-de ser sempre assim. Quando eu acabar este, de certeza que o melhor vai ser o próximo”.

Em Lisboa há uma única cadeira de ciberjornalismo e é uma cadeira isolada. Aliás, o jornalismo, lá, funciona isoladamente, todas as cadeiras de jornalismo funcionam isoladamente, em cadeiras separadas, em que o jornalismo fica refém das plataformas. Aqui, têm uma cadeira em vários semestres em que, dentro dessa cadeira, têm as várias plataformas. Parece-me que o propósito é o jornalismo e não as plataformas. Lá é exatamente o contrário, é o jornalismo a ficar refém de cada uma das plataformas. O que pode acontecer é que um aluno, lá, acabe o curso não tendo chegado a ter aulas de rádio, ou de televisão, ou de jornal, porque são cadeiras de opção. O aluno pode acabar o curso de jornalismo sem fazer uma única cadeira. Há uma única coisa em que os dois cursos estão próximos: não há nenhuma cadeira teórica de jornalismo em nenhum deles, o que é um erro, na minha perspetiva.

Ainda assim, quais acha que são as mais-valias de ambos os cursos?

A mais-valia é o prestígio. Um aluno que escolha um curso ou outro sabe que está a escolher o curso mais prestigiado a nível nacional. Isso é determinante. A maior aproximação ao mercado e as pontes mais claras entre o mundo académico e o mundo profissional estão mais clarificadas aqui no curso do Porto. Lá, temos uma competência profissional dos docentes das teóricas que é inquestionável, ou seja, com estudos académicos muito evoluídos. Ao nível das Ciências da Comunicação, a nata está lá. No fundo, a Nova forma professores de todas as faculdades do país, nesta área das Ciências da Comunicação. É uma incubadora de saber, o que é um ponto positivo a favor da Nova.

“A mais-valia é o prestígio. Um aluno que escolha um curso ou outro sabe que está a escolher o curso mais prestigiado a nível nacional”

O Pedro Coelho é professor e está também ligado ao mercado de trabalho. Acha que transformar a sala de aula numa redação é uma mais-valia, ou prejudica o ensino do jornalismo?

Eu acho que um dos maiores problemas do jornalismo é quando a academia se limita a recrutar profissionais que estão intimamente e exclusivamente ligados à profissão, sem nenhuma preocupação de compreender sequer a dinâmica académica. Isso é um erro da parte dos cursos. A articulação entre o mundo profissional e a academia é decisiva, e é sobretudo decisiva nas cadeiras práticas. Não faz para mim qualquer sentido que a sala de aula seja transformada numa redação, são figurinos completamente distintos, uma coisa não tem a ver com a outra.

Em relação às falhas maiores do curso, uma das grandes falhas da UNL é a falta de articulação das várias vertentes do jornalismo. Qual é a maior falha que vê no curso do Porto?

Eu acho que o maior problema do Porto é não ter um grau de reflexão suficiente para que o aluno, no final do primeiro ciclo, possa tomar a opção de ter uma componente mais prática num qualquer mestrado. Aqui, estão a fazer a coisa um bocado ao contrário. Acho que o aluno que ingressa num curso com estas características é um aluno que tem de ter uma dose de reflexão em relação à profissão que quer seguir. Há como que um divórcio, um distanciamento, entre um lado mais tecnológico, que é aquele em que vocês são realmente muito bons, e a prática jornalística quotidiana. Devia haver um maior casamento entre as duas coisas, porque o jornalismo não é uma profissão tecnológica, e quem quiser transformar o jornalismo numa profissão tecnológica, na minha perspetiva, está errado.

Pedro Coelho e o jornalismo de investigação

Como é que o jornalismo de investigação surgiu na sua vida?

Eu acho que o jornalismo de investigação é inerente ao próprio jornalismo. Idealmente, o jornalismo deveria ser de investigação. Claro que, com esta pressão do dia-a-dia e do próprio mercado, é muito difícil que o jornalista consiga ter tempo para investigar todos os lados da história. Muitas vezes, ficamos só pela espuma, e não mergulhamos no âmago das coisas. Eu tenho tido o privilégio de poder mergulhar no âmago das coisas, e poder trazer à luz zonas de sombra, que existem muitas.

Acha que o jornalismo de investigação está disponível para todos?

Eu vi há pouco tempo um trabalho de investigação extraordinariamente bem feito de um jovem jornalista da Al Jazeera. Uma coisa extraordinária, do melhor que eu vi até hoje. O jornalismo de investigação depende de uma ideia e, sobretudo, da persistência. Há muito pouca gente que eu conheça nesta profissão que tenha a vontade e o desejo de se agarrar a uma história durante muito tempo. Isto exige do jornalista um grau de persistência que não é normal. Quem quer pôr coisas no ar e aparecer na televisão todos os dias não pode ser um jornalista de investigação. Tem de ser persistente, ter vontade de investigar e ter o desejo profundo de ir ao fundo das coisas.

“O jornalismo de investigação depende de uma ideia e, sobretudo, da persistência”

O jornalismo de investigação ensina-se?

Sim. No plano de curso que eu criei, no final do meu doutoramento, defendo a existência de uma cadeira, no primeiro ciclo, de jornalismo de investigação. Investigar é, sobretudo, método. É pôr em prática no jornalismo aquilo que ele tem de mais extraordinário, de mais puro. É pôr em prática todos os valores do jornalismo e associar ao conhecimento desses valores a persistência. E tudo isto se ensina.