Na sessão desta quinta-feira do Clube dos Pensadores, Henrique Neto, o convidado a inaugurar o mês de junho da iniciativa, afirmou que o grande problema do país e da Europa reside no frágil período político que se faz sentir. “Ainda que toda a gente fale de economia e finanças, no meu ponto de vista, é uma crise política. A crise política tem como base o facto de as democracias europeias terem perdido qualidade nos últimos 25 anos. Desapareceram os homens de Estado, não há estratégia e os erros políticos em Portugal e na Europa sucedem-se”.

“O caso português é particularmente notável neste domínio. A classe política, penso eu, não está ao nível dos problemas do nosso tempo”, referiu o ex-deputado do Partido Socialista, salientando ainda a falta de experiência que os políticos têm vindo a demonstrar na execução de cargos oficiais.

Henrique Neto atacou também o sistema político nacional e europeu e confessou que estes são comandados por “interesses particulares e de grupo”. O empresário diz ainda que a “burocracia e o poder político foram capturados pelos poderes financeiros sem controlo”. “Os sistemas financeiros são o único poder global. Durante os últimos 25 anos, o mundo assistiu a uma acumulação financeira completamente anormal em termos históricos”, declarou.

A culpa do Tratado de Lisboa

Para além da monopolização do poder, para o histórico do PS, “a União Europeia deixou de funcionar democraticamente”, culpabilizando o Tratado de Lisboa pela “eliminação do direito de veto, que se tornou um mero diretório dos países mais poderosos”. “Neste contexto, sempre pensei que um país pequeno como Portugal, apenas com dez milhões de habitantes, pudesse funcionar e desenvolver-se por si próprio”, afirmou.

Ser “bom aluno europeu” não compensou

Segundo Henrique Neto, “os Governos portugueses cometeram demasiados erros, particularmente a partir do Governo de Cavaco Silva”. Para o socialista, esses erros começaram a partir do momento em que Portugal se converteu no “bom aluno europeu”. “O facto de termos seguido à risca aquilo que a burocracia de Bruxelas nos ia ditando e que era contrário à nossa estratégia de país euro-atlântico, foi um erro grave que teve, depois, consequências práticas. Éramos um país geograficamente europeu, mas cujos interesses transcendiam, em muito, a Europa”, acredita.

Para o empresário, o alargamento a Leste da União Europeia, a entrada da China na Organização Mundial do Comércio – sem denúncia, por parte de Portugal, relativamente ao prejuízo que poderia resultar para o país – e a corrupção foram alguns dos erros cometidos pelas várias administrações políticas. Além dos pontos referidos anteriormente, sublinharam-se ainda as cedências na agricultura, pescas e indústrias tradicionais impostas pela política europeia, que tem vindo a ser “minada pelos interesses da Alemanha”.

Quem paga?

No final, Henrique Neto acrescentou: “A parte grave do endividamento do Estado é que não foram as pessoas que contribuíram para o mesmo que estão a pagar a despesa, ‘somos nós’. Temos de explicar aos governantes que foram eles que criaram a situação da dívida que nós estamos a pagar”.

Soluções para os problemas

Apesar da insatisfação clara, Henrique Neto apresentou igualmente soluções. No seu ponto de vista “é preciso democratizar os partidos, definir uma estratégia e uma visão para o país”. “É urgente ‘ameaçar’ a União Europeia no campo político e ter uma opinião própria. É preciso mudar o modelo económico, dando previlégio às exportações. Atacar os privilégios dos setores não transacionáveis, fazer da pedagogia e do exemplo o motor das mudanças, colocando a seridade e a verdade na linha das preocupações nacionais. É necessário reformar a administração pública, promover a racionalidade e disciplina no ensino e na sociedade”.

Quando questionado relativamente à possivel demissão do Governo, Henrique Neto admitiu um certo “conservadorismo” e explicou-o. “Podemos mudar as regras, a constituição e as leis, é para isso que existe a Assembleia da República, mas uma vez feitas as leis, devemos cumpri- las”. “Eu sou defensor das leis democráticas, porque as leis defendem sempre os mais fracos. Quando nao há lei, acaba por favorecer os mais poderosos, quando esta é a defesa dos fracos. Se eu dissesse que o Governo devia ir embora antes do fim da legislatura, não tinha condições, do meu ponto de vista, para dizer que o primeiro-ministo está a cometer uma ilegalidade ao colocar-se fora da lei e ao dizer que os os juízes do Tribunal Constitucional não são competentes”.