Como começou a correr, Diogo?

Eu sempre fui uma pessoa activa, sempre pratiquei desporto, principalmente BTT. A corrida apareceu na minha vida quando estive um ano como voluntário no exército a cumprir serviço militar. Comecei com os exercícios e a partir daí nunca mais parei. Já corro a cerca de oito anos e de três anos pra cá comecei a dedicar-me ao trail. Desde então foi sempre a correr.

Porquê este interesse pelo trail?

Para começar, as paisagens que vemos na média montanha – alta montanha não existe em Portugal – são fantásticas e conhecemos sítios lindíssimos. A minha praia é mesmo a montanhaPara além disso, o clima de entreajuda entre os colegas é fantástico. Enquanto no trail existe um espírito de camaradagem, onde sempre tem alguém pronto a ajudar, nas outras competições é cada um por si, ninguém puxa uns pelos outros. Isto também era uma prática comum no BTT há alguns anos atrás, mas depois degradou-se porque, quanto maior a competição e o dinheiro em jogo, mais competitivo e individualista o desporto se torna.

Falando em competitividade, já venceu alguma corrida?
Ainda este ano vou com onze provas nas quais sete fiquei em primeiro lugar, mas tudo em nível amador. O trail em Portugal é todo amador. Existem atletas quase profissionais que, tal como eu, estão num nível muito avançado, mas nunca dá para ser profissional. Treinar a tempo inteiro é impossível, ainda mais com o trabalho, o que torna mais complicada a rotina de preparação para as provas.

Então como consegue conciliar o trabalho com as provas?

É muito exigente porque exige uma alteração no horário biológico. Tenho de fazer refeições regulares, alimentar-me no mínimo de três em três horas e depois, claro, conciliar os treinos com os meus horários. Se tiver a trabalhar de noite ou de manhã, treino a tarde, mas se trabalhar de tarde tenho de treinar de manhã.

E faz estes treinos todos os dias?

Não, o meu plano é cinco vezes por semana. Tenho dois dias de descanso. A base do meu treino é a corrida, como é óbvio, mas também faço treino de ginásio, para o fortalecimento muscular e para evitar lesões. E bicicleta, para evitar a monotonia da corrida. Mas estes treinos não são diários, como muitos atletas do meu nível fazem, porque o meu trabalho não me permite o fazer. Para além disso, preciso de descansar.

Ainda se lembra da primeira maratona que fez?

Foi uma prova na ilha da Madeira, o Madeira Island Ultra Trail, no ano passado. Foi a minha primeira experiência a nível de 42 quilómetros. Consegui um segundo lugar numa prova bastante exigente, o que é excelente. Depois, em Novembro, fiz a minha primeira e última maratona de estrada, a Maratona do Porto, também com um tempo espetacular para a primeira vez (2h44). Para uma pessoa que não tem treino específico de corrida de estrada foi muito bom. E, claro, há uma prova de estrada que nunca falho: a São Silvestre do Porto, onde bati meu recorde de 10.000 metros com um tempo brutal de 32 minutos.

E nunca pensou em se dedicar de corpo e alma à corrida de estrada?

Tenho amigos do trabalho que dizem a mesma coisa. Para tentar arriscar sair do trabalho e dedicar-me à corrida, já que tenho tanto jeito. Mas é a tal coisa, eu não me sinto bem a correr na estrada e, se alguém não tem prazer no que está a fazer, acho que não vale a pena. Se recebesse um convite de uma grande marca para trail seria fantástico, mas não é fácil. Portugal é um país muito pequeno e, claro, não tem grande importância a nível europeu, já que as grandes marcas apostam normalmente em atletas onde existem os grandes mercados. É o caso da Espanha, da França, da Inglaterra e da Alemanha. Por vezes os atletas não são melhores que os portugueses, mas pertencem a grandes mercados, e o que movimenta a modalidade é a economia.

O que é mais importante no trail: o factor físico ou psicológico?

Posso dizer que no trail, principalmente nas distâncias ultra – acima de 42 quilómetros – o factor mental é mais importante do que o físico. As vezes estamos com dificuldades, com cãibras e, se tivermos força psicológica, conseguimos ultrapassar estas pequenas adversidades, estes pequenos obstáculos, com a maior facilidade. Até lhe digo que, nisto do trail, é 40% físico e 60% mental.

Quantas ultras já fez?

Só fiz uma. O meu forte nas distâncias é até 42 quilómetros, a distância da maratona. Apesar de que há três, quatro semanas fiz o Ultra Trail do Marão, uma prova que tinha a designação de maratona, mas acabou com 54 quilómetros, o que já é considerado uma ultra. Consegui ser vencedor com um tempo de seis horas, e esta levou-me mesmo ao limite em termos de capacidade física e mental. Não há palavras para descrever o sentimento de chegar em primeiro numa meta tão difícil.

A nível de alimentação, existe algum segredo?

Não, faço uma alimentação normal. Claro que tomo alguns suplementos a nível de magnésio, por causa do desgaste muscular e para evitar as cãibras, mas de resto a alimentação é completamente normal, mas sempre com uma dieta equilibrada. Quando em recuperação, o pessoal costuma tomar as substâncias de proteína que compram nas lojas de nutrição, mas eu não tomo nada disso. Prefiro simplesmente leite achocolatado, às vezes uma banana, um bocado de hidratos no final dos treinos e fico como novo no dia seguinte. De resto, existem alguns cuidados que é preciso ter antes das provas.

Ainda pretende continuar a correr durante muitos anos?

Claro, enquanto puder, nem que não seja a nível competitivo, vou continuar a correr. Acho que já não consigo largar a corrida, ela vai estar sempre presente na minha vida. Se houver uma oportunidade de profissionalismo teria de ir para outros ambientes, para outros ares. E claro, depois iria entrar nas verdadeiras ultras de três dígitos, a partir de 100 quilómetros. Aqui em Portugal existem uma mão cheia delas, mas por hora não quero fazê-las. Sinto-me a vontade a fazer as de 40, e posso até chegar numa de 60 ou 70, agora para as de três dígitos ainda é muito cedo, sou bastante novo. Normalmente isto do ultra trail é na casa dos 30, eu tenho tempo. Convém ir devagar, dar um passo de cada vez, firme e seguro. Não adianta dar um passo em falso e depois desaparecer durante uns tempos.

E para quem está começar, alguma dica?

Quem está a começar a correr não pode desistir logo nos primeiros treinos. É normal que o corpo se sinta cansado, faz parte da vida, não é? Mas o corpo vai adaptando-se com o tempo, a pessoa vai se sentindo melhor e, depois, já com alguma preparação, já vai ser capaz de fazer um trail. Há provas muito acessíveis e bonitas para quem está a começar. Vale muito a pena pela liberdade, o escape ao quotidiano. Quando se está a correr não se pensa nos problemas. A montanha tem o ar puro, passa-se melhor o tempo, apesar de ser mais duro do que a estrada. A pessoa vai distraída, a paisagem está sempre a mudar. Todos os dias é uma coisa nova, as pessoas ficam muito surpreendidas e não querem outra coisa. Vira um autentico vício, mas um vício bastante saudável.