Durante dois anos, a Rádio Universitária do Porto fez parte do espectro da cidade. De portas fechadas há já 25 anos, os antigos estudantes recordam o ambiente e a organização de uma rádio que marcou várias vidas.
A Rádio Universitária do Porto foi local de aprendizagem, convívio e até uma segunda casa para dezenas de estudantes durante mais de dois anos. Com um horário de funcionamento das dez da manhã à meia-noite, os estudantes conciliavam os horários complicados da faculdade com a gestão dos programas que estavam responsáveis na rádio.
Ainda assim, era à direção que cabia gerir a programação e suportar algumas horas vagas: “Como fazíamos parte da direção também fizemos um pouco o suporte de algumas horas mais vazias criando temas que por ventura não tinham sido apresentados pelos próprios alunos e complementando um pouco a grelha de programação da rádio. Isto fazia com que tivéssemos alguma versatilidade na criação desses programas”, explica João Bonucci, antigo diretor da RUP.
Passado pouco tempo desde o seu início, a Rádio Universitária do Porto fez um protocolo com a Escola Superior de Jornalismo o que assegurou a secção informativa e deu a vários estudantes uma oportunidade para experimentar rádio. “Era uma maneira de não termos de pagar a jornalistas porque não havia dinheiro. E com este protocolo, «os putos» – chamemos-lhes assim, porque nós também éramos «putos» – da Escola Superior de jornalismo podiam ir para lá testar aquilo que estavam a aprender e fazer alguns noticiários”, diz Aurélio Gomes, antigo colaborador da RUP.
Com alguns programas diários, outros semanais, os estudantes organizavam-se segundo uma grelha de programação que todos procuravam cumprir. Hélder Bastos, antigo colaborador da rádio recorda-se que “muitas vezes os programas eram pré-gravados”: era feita a “pré-gravação que depois passava naquele espaço que lhe era atribuído e por isso não havia praticamente buracos na gravação, porque era tudo garantido pela grelha que mantinha um sistema de rotatividade entre os estudantes que participavam na rádio”, acrescenta.
Uma rádio artesanal
“Divertíamo-nos muito a trabalhar o som, à parte disso montávamos jingles com produção da própria Rádio Universitária, utilizando ainda os discos de vinil e as mesas um bocado arcaicas, mas divertíamo-nos muito. Passávamos lá horas a fio e perdíamos noção do tempo”, lembra Hélder Bastos.
Luís António Santos, ex-aluno da Escola Superior de Jornalismo lembra a RUP como um espaço de aprendizagem e de inovação. “As pessoas faziam a rádio que gostavam, ou melhor, se calhar faziam a rádio que gostavam de ouvir e não conseguiam. Tinha uma identidade muito vincada, tinha estilos de música mais alternativos do que as rádios piratas da cidade do Porto”. Sem grandes imposições por parte da direção editorial da rádio, “havia muito espaço para que se pudessem propor ideias diferentes e a pressão comercial e essas coisas que hoje as rádios gerem de forma tão eficiente não existia na altura”, explica Luís António Santos.
Entre programas de música que iam do Jazz à música Pop, programas de conversa e entrevista a programas informativos, a Rádio Universitária do Porto mantinha critérios distintivos que a tornaram não só numa rádio para os estudantes universitários mas também uma rádio para a cidade do Porto.
Para Aurélio Gomes, a seleção que fazia de “música menos óbvia” distinguia a RUP das outras rádios do Porto. “Havia uma linha que eu queria seguir e que nem sempre encontrava nos discos da RUP e por isso levava os meus discos”, explica. Também Mário Florido levava a discografia de casa: “Nós tínhamos o privilégio de ter uma discografia bastante grande e, tanto eu como um colega meu saíamos do país, que na altura era preciso porque não havia a Amazon, íamos a Londres, comprávamos música nova e passávamos na rádio”. Ainda assim, várias editoras faziam circular as suas novidades discográficas pela rádio universitária para que esta pudesse promover gratuitamente os seus músicos.
O grau de liberdade que a RUP oferecia aos alunos também acarretava responsabilidades, os alunos tinham autonomia para tomar decisões e também angariar patrocínios para poderem manter os seus programas no ar. “O dinheiro arrecadado era para equipamentos, era para o próprio programa para suportar alguns passatempos que às vezes tínhamos uma vez que dávamos prémios às pessoas que telefonavam para lá. Eram patrocínios relativamente pequenos mas que davam para manter o nível de funcionamento básico”, relembra Mário Florido.
Na RUP, segunda casa para muitos estudantes, vivia-se um ambiente de partilha e de muita cumplicidade. Isabel Reis, antiga colaboradora da Rádio relembra que o vidro que separava a cabine do programa para dos restantes espaços da rádio tinha “sempre imensa gente a assistir do lado de lá”. Mesmo com um espaço apertado para tantos colaboradores, os estudantes conseguiam organizar-se na confusão e com os poucos recursos a que tinham acesso para cumprir as 24 horas de emissão diária.
Benefícios de uma RUP pirata
“A rádio beneficiou do facto de ser pirata, de ser mais ou menos ilegal. Beneficiou com a vontade das pessoas de quererem ouvir, de quererem de facto saber o que se dizia do lado de lá, principalmente por ser diferente daquilo que era o padrão das rádios na altura”, afirma João Bonucci.
Para além dos conteúdos informativos e de entretenimento produzidos pela RUP que abrangiam o interesse da população da cidade do Porto, a rádio universitária era feita por estudantes e, muitas vezes, para os estudantes. Assim, tornou-se um importante meio de divulgação da vida académica. “Havia muito entusiasmo em volta da RUP e eu acho que as pessoas acabaram por se aperceber que o papel de uma rádio universitária em algumas situações era extremamente importante para defender alguns interesses dos estudantes”, lembra João Bonucci, antigo diretor da RUP.
A Rádio Universitária do Porto foi um espaço marcado pela originalidade e pelo entusiasmo de dezenas de estudantes. Durante dois anos, o Porto esteve sintonizado em 99.4 MHz, para ouvir horas de emissão com muita informação, conversa e música.