Os microfones da Rádio Universitária do Porto foram desligados há 25 anos. Por lá passaram alunos de Jornalismo, Ciências, Engenharia, mas também entrevistados conceituados, que mostraram como de amadores também pode sair uma rádio profissional. Hoje, os microfones e os palcos são outros mas as recordações ainda vão para o ar.

Em 1986, os clássicos dos Queen eram ainda novidade na rádio, algumas músicas da Cindy Lauper faziam parte das baladas do momento e os álbuns dos Bon Jovi não saíam do top das mais ouvidas. A Rádio Universitária do Porto nasceu nesse ano, ao som destes e outros cantores, que tiveram o seu repertório sintonizado na frequência 99.4. Por detrás dessas emissões, estavam locutores inexperientes, estudantes com espírito aventureiro, com vontade de criar mais do que uma rádio, uma escola. Hoje, 26 anos depois, encontram na ingenuidade da altura, experiências únicas, capazes de preencher um programa inteiro.

Mudam-se os tempos, mudam-se as técnicas, mas mantêm-se as recordações

Hélder Bastos é um dos que ainda alimenta essas recordações. Para o professor de jornalismo, a rádio levou uma “cambalhota de 180 graus” e hoje quando sintoniza alguma emissão, não encontra a “mística” de outros tempos: “Era tudo muito mais complicado, muito mais lento… Eu creio que as gerações mais novas não têm noção da dificuldade tecnológica para fazer as tarefas mais simples, como contactar fontes de informação. Enfim, mas isso de certa maneira tinha o seu encanto. Hoje, pelo menos, olhando a esta distância de quase três décadas, tem o seu charme”.

Quase três décadas depois, os jingles feitos na hora foram trocados por genéricos pré-formatados, os programas em direto substituídos por emissões já gravadas e os entrevistados encontrados através das páginas amarelas, são hoje contactados através de assessores: “Eu era mais pelo sistema das páginas amarelas porque não havia de facto a web, não havia telemóveis…, às vezes era por contactos que tínhamos com outras pessoas que eram mais próximas das fontes a que queríamos chegar mas era tudo feito de uma forma muito analógica, à maneira antiga”, acrescenta.

Mudam-se os tempos, mudam-se as técnicas, mas mantêm-se as recordações. João Bonucci fez parte do projeto da Rádio Universitária “desde o primeiro minuto” e ainda lembra com entusiasmo o projeto que viu e fez nascer na década de 80. Apesar de já não fazer parte do meio, também reconhece uma alteração brutal na forma de fazer rádio: “Hoje em dia os sistemas técnicos permitem que haja um atraso de segundos relativamente às coisas que são colocadas no ar e portanto permite cortar algum tipo de comentários. Na altura não tínhamos nada disso e no fundo tínhamos de confiar em quem nos estava a ouvir do outro lado”.

“Sistema páginas amarelas” para conseguir entrevistas de ouro

Durante três anos, a Rádio Universitária do Porto confiou nos espectadores e os espectadores confiaram na RUP. Apesar de se afirmarem como amadores no meio radiofónico, conseguiram ser sempre “uma empresa saudável, com um cashflow positivo e que nunca teve o risco de entrar em falência”. O “sistema páginas amarelas” também nunca esteve falido e permitiu entrar em contacto com vários entrevistados. António Pinho Vargas é o primeiro nome que vem à cabeça de Hélder Bastos: “É um tipo interessantíssimo. Hoje é um dos pianistas mais conceituados do país mas lembro-me que na altura ficamos fascinados com a cultura que ele tinha, pela capacidade de dialogar, ter uma boa conversa”.

O “sistema páginas amarelas” também deu a Mário Florido algumas entrevistas de ouro. Graças à lista telefónica, conseguiu falar com o músico Rui Reininho – uma abordagem difícil mas que valeu a pena. Com Rui Veloso, a música foi outra: “Na altura eu não tinha o contacto dele, falei com a família dele daqui do Porto, que me deu o número dele de Lisboa. Falei com ele pessoalmente e ele alinhou”.

“O bichinho da rádio: era um fascínio muito próprio daquele mundo”

Ocupavam um espaço pequeno no espectro radiofónico português mas conseguiram levar para o ar grandes nomes. Não eram jornalistas, muitos deles nem aspirantes, mas quando chegavam à RUP, “o bichinho da rádio” crescia e acompanhava todas as emissões. Hélder Bastos, não ficou sintonizado neste mundo mas reconhece a importância que teve na sua vida: “Quem trabalhava em rádio, ficava com o bichinho da rádio, era um fascínio muito próprio daquele mundo.Numa determinada altura da minha carreira, conciliei imprensa com rádio profissional e cheguei a ponderar seguir rádio, mas pronto, a imprensa falou mais alto e fui ficando por lá”.

Luís António Santos, também é professor de jornalismo e confessa que para ensinar hoje, foi preciso aprender muito à custa da RUP: “A rádio universitária a par de outras experiências que eu tive enquanto ainda era estudante determinaram a minha vida, determinaram a minha escolha de vida, determinaram a minha escolha pelo jornalismo e a minha entrada no jornalismo”.

Apesar de ter existido apenas durante quatro anos e de já fazer parte de um passado longínquo, a Rádio Universitária do Porto preparou para o futuro e proporcionou uma experiência que ficou para a vida: “Também serviu imenso para nos preparar um pouco para aquilo que seria o nosso futuro na vida profissional e acho que todos nós acabamos por aprender um bocadinho nesses quatro anos que estivemos na rádio e seguramente muitos de nós hoje em dia, para o início da nossa vida profissional demos os primeiros passos na Rádio Universitária do Porto”, acrescenta João Bonucci.

O bichinho da rádio não contagiou todos mas a Rádio Universitária do Porto influenciou uma geração. Hoje são jornalistas, professores, engenheiros mas todos têm em comum as memórias da antena da RUP.