No dia 22 de maio, o governador do Tennessee, Bill Haslam, promulgou uma medida que torna legal o recurso à cadeira elétrica para levar a cabo a execução de condenados à morte. O chamado “Estado voluntário” torna-se, assim, o primeiro Estado norte-americano a impor este tipo de final a quem aguarda nos corredores da morte (no caso de não ser possível proceder-se à injeção letal).

O que pode parecer um recuo na luta contra a pena de morte é, porém, sinal da sua força crescente. O regresso à execução por eletrocussão deve-se não ao desejo de tal, mas sim a uma necessidade imposta pela escassez de recursos químicos para proceder à injeção letal.

Luís Braga, membro da direção da Amnistia Internacional Portugal, diz que este regresso “a um tempo que já devia estar enterrado” se deve ao “facto de ter havido ações que levaram a que a disponibilidade de produtos químicos para aplicar as injeções tenha diminuído drasticamente. Há muitos Estados que não estão em condições de executar com químicos e há outros que têm reservas muito pequenas, que não permitem sequer executar todas as pessoas que têm já no corredor da morte”.

Pena de Morte

A cronologia
– Quando avanços resultam em recuos
As alternativas à sentença definitiva
Há um projeto que dá voz aos inocentes

O presidente do Centro de Informação da Pena de Morte (DPIC), Richard Dieter, disse, em entrevista à CNN, que a medida promulgada pode ser inconstitucional – “podemos estar a falar de castigo cruel e invulgar”. David Raybin, advogado que ajudou a redigir a lei sobre a pena de morte nos anos 70, partilha da mesma opinião. Fala-se aqui da possível violação da Emenda VIII da Constituição dos Estados Unidos da América, em que se pode ler: “não poderão ser exigidas fianças exageradas, nem impostas multas excessivas ou penas cruéis ou incomuns”.

Deborah W. Denno, professora de Direito na Universidade de Fordham, em Nova Iorque, descreve a questão do regresso à cadeira elétrica como “altamente problemática, por diversas razões. Primeiro, porque os Estados Unidos passaram da eletrocussão para a injeção letal por causa de todos os problemas com a eletrocussão. Depois, porque dois Estados, Georgia e Nebraska, concluíram que a eletrocussão é um método inconstitucional de execução nos respetivos Estados, o que faz com que pareça que o Tennessee está a andar para trás no que diz respeito à humanidade das execuções”.

A injeção letal

Este método, mais recente e dito mais “suave”, foi adotado em 1977, no Oklahoma, depois de uma moratória de dez anos, e tem sido o mais utilizado desde então. Até ao presente, foram executadas 1204 pessoas por injeção letal no país. Em muitos Estados, como no Colorado e no Oregon, é a única forma de execução existente e noutros, incluindo o Tennessee, faz parte das opções dos prisioneiros.

Nas palavras de Luís Braga, representante da Amnistia, “o problema é que existe uma situação de grande desespero das autoridades estaduais americanas, porque o bloqueio que foi criado a determinadas substâncias químicas que servem para aplicar a injeção letal leva a que tenham de procurar formas de execução alternativas. Até porque, nos últimos tempos, houve várias situações de execução, em que a aplicação de químicos que não davam garantias fez com que as pessoas morressem em condições absolutamente atrozes, totalmente desumanas, que violam todos os critérios possíveis em matéria de humanidade”.

Luís Braga refere-se a casos mediáticos, como o de Clayton Lockett, a 29 de abril, no Oklahoma. O condenado por assassinato morreu de ataque cardíaco, 43 minutos depois de lhe serem administrados fármacos não testados e de sofrer várias convulsões.

Na sequência destes episódios, Russell Bucklew, prisioneiro no corredor da morte em Kansas City, Missouri, apresentou um recurso para que a sua execução seja filmada. O recluso de 45 anos, acusado de ter violado a ex-namorada e morto o seu companheiro, tem um defeito congénito que a sua equipa legal diz poder vir a interferir com os efeitos do pentobarbital e a provocar, assim, uma morte lenta, dolorosa e inconstitucional. Caso haja autorização, Russell não será o primeiro recluso cuja execução é filmada, no entanto, esta é uma tentativa inequívoca de combate à pena capital, que vai para além do seu caso em particular.

A opinião pública começa a preferir alternativas

De acordo com uma pesquisa realizada pela ABC News e pelo Washington Post, apresentada a 5 de junho deste ano, a maioria dos americanos prefere a prisão perpétua sem liberdade condicional (52%) como castigo e só 42% apontam como preferência a pena de morte. Luís Braga e Deborah Denno disseram-no e estes números confirmam-no: “A pena de morte está em recuo”.

A questão dos fármacos

Em 2010, a única empresa americana que fabricava o sodium thiopental (fármaco utilizado nas injeções letais) deixou de ter acesso aos químicos necessários para a sua produção, pelo que se viu forçada a cessá-la. Existia, porém, uma janela: o distribuidor italiano da empresa – Hospira – tinha acesso aos químicos pretendidos para a produção do fármaco. Contudo, a janela rapidamente se fechou. Por receio de publicidade negativa, por preocupações legais ou, até, morais, a Hospira em Itália recusou-se a fornecer aos EUA os fármacos utilizados para aplicar o castigo derradeiro.

Os Estados com pena capital começaram, então, a usar outro anestesiante, desta feita produzido por uma empresa dinamarquesa – Lundbeck. Porém, a história repetiu-se. A pressão exercida para que cessasse a venda aos EUA do sedativo “Pentobarbital” era grande e também a Lundbeck se dissociou do negócio dos corredores da morte.

Na página da Reprieve, organização não lucrativa contra a pena de morte, com especial papel nesta luta, pode ler-se, com entrada a 6 de junho de 2011, “durante a reunião, o CEO da Lundbeck, Ulf Wiinberg, disse a Ms Foa [da Reprieve] que a empresa reconsiderou a sua posição. Wiinberg afirma que é possível restringir a distribuição do Pentobarbital, de forma a que não seja entregue às câmaras de execução nos EUA, mas consiga chegar até aos utentes legítimos”.

A 1 de julho do mesmo ano, a empresa lançou um press release no qual anunciava que havia procedido à “alteração da distribuição do medicamento Nembutal (ou Pentobarbital) de forma a restringir a sua aplicação enquanto parte da injeção letal nos EUA”. A Lundbeck cessou, portanto, a distribuição do fármaco às prisões americanas com pena capital e distanciou-se da questão. Tanto que, quando contactada pelo JPN, preferiu não comentar.