Em outubro de 2013, a Walk Free Foundation, organização de direitos humanos sediada na Austrália, revelou que Portugal ainda tem 1368 escravos. Têm sido raros os julgamentos de casos de escravatura e a punição ainda mais. Segundo o Ministério da Justiça, os dados disponíveis dos últimos dez anos sobre crimes por escravidão estão protegidos por segredo estatístico, pelo facto de as ocorrências (condenações) serem inferiores a três.

Na Polícia Judiciária (PJ) deram entrada, até final de novembro de 2013, dez processos relativos ao crime específico de escravatura. Eram 14 em 2012, 15 em 2011 e 13 em 2008. Os números sobem quando se fala de tráfico de seres humanos – um crime ao qual o de escravidão está, muitas vezes, associado, quando se trata de tráfico para exploração laboral: em 2013, deram entrada, na PJ, 31 casos, e a média dos 30 foi constante nos anos anteriores, sendo mais alta em 2008, quando se registaram 39. Os números escondem, no entanto, uma realidade que não é totalmente descoberta, por ser difícil de provar e, às vezes, por dificuldade da vítima em denunciar.

Nove anos depois, a saída da “rede”

“Fernando” (nome fictício) foi vítima de tráfico de seres humanos para exploração laboral. Atualmente, tem 26 anos, mas foi a partir dos 17 que enfrentou a situação e, durante nove anos, não foi capaz de a denunciar. Em entrevista ao JPN, diz que foi a promessa de pagamento que o levou a aceitar o trabalho na área do calçado e que, depois, as promessas foram em vão. Hoje está no Centro de Acolhimento e Proteção da Associação Saúde (CAP) e diz que não lhe falta nada, já que, agora, tem “liberdade e antes não tinha”.

“O tráfico de seres humanos ultrapassou o tráfico de drogas”

Hernâni Caniço foi o fundador da associação Saúde em Português, que gere um Centro de Acolhimento e Proteção a vítimas de tráfico de seres humanos do sexo masculino. Em entrevista ao JPN, Caniço refere que este tipo de casos tem acontecido cada vez mais: “Se virmos, os números oficiais relativamente a vítimas de tráfico de seres humanos do sexo feminino, no único centro que existia até março deste ano, porque agora já há dois, indicam que, em cinco anos, houve 22 casos”.

Alimentação e higiene garantidas

Apesar de o objetivo da associação passar por integrar a vítima na sociedade, durante o tempo em que aquela está com associação, nada é deixado ao acaso e Hernâni Caniço descreve os principais cuidados que são dados aos traficados: “As necessidades de alimentação e higiene são garantidas e promovemos também a aquisição de competências deles. No caso dos estrangeiros também relativamente à língua portuguesa”.

O responsável pela Associação Saúde em Português refere que as vítimas do sexo feminino estão muito relacionadas com a prostituição, enquanto nos homens tem a ver com a questão de tráfico laboral. Hernâni Caniço dá o exemplo dos casos de tráfico internacional, “onde os traficados têm promessas relativamente a um país que não conhecem, que lhes dizem que é o ‘el dorado’ e quando chegam veem que não é um trabalho remunerado, que não é estável e torna-se uma situação de ilegalidade, quer em termos documental, quer em termos das funções que pretendem para os traficados”, aponta.

Apesar de reconhecer os avanços feitos na sensibilização deste tipo de problemas, Caniço espera que a população e as entidades governamentais continuem em alerta para a prevenção deste tipo de problemas sociais: “Vários passos foram dados relativamente a este combate, mas com os números nacionais e internacionais achamos que na sensibilização e intervenção/ação é importante que a população e os Governos continuem a apostar no combate a este crime que tem esta dimensão”, refere.