Ainda que a paisagem sobre o Douro seduza quer portuenses, quer os turistas que por cá passam, a zona das Fontainhas acabou por ser esquecida no tempo. Ao longo dos anos foram inúmeros os problemas que afetaram esta zona da cidade. O que poderia ser um miradouro natural para o rio e os típicos barcos rebelos, tornou-se numa zona degradada e com bastantes fragilidades. Não há qualidade de vida, não há acessibilidade, não há segurança.

Ao longo dos anos têm surgido inúmeras iniciativas de reabilitação desta zona. O Laboratório de Habitação Básica e Social (LABH Social), através do I Seminário Internacional de Habitação Básica, realizado em abril, convidou quatro conceituados arquitetos a desenhar propostas para dar vida às Fontaínhas.

O projeto consistiu em dividir a zona da escarpa em quatro parcelas para serem avaliadas pelos arquitetos. E do trabalho de recolha e esquematização das equipas, constituídas pelos profissionais e pelos alunos, nasceram quatro ideias que pretendem dinamizar e tornar as Fontainhas num pólo atrativo e dinâmico para a cidade.

De acordo com o diretor do LABH Social, Fernando Matos Rodrigues, o objetivo é “reabilitar a zona para permitir que os que estão possam ficar e os que queiram vir possam chegar”. “Uma das preocupações do laboratório é com estas intervenções arquitetónicas de reabilitação ou de renovação dos núcleos abandonados ou marginalizados, as questões de reabilitação social e reabilitação física estejam em sintonia”, frisa o diretor.

O que é o LABH Social?

O trabalho desenvolvido no sentido de reabilitar a cidade do Porto não é de agora. Quem o garante é Fernando Matos Rodrigues, diretor do laboratório, que afirma que “há mais de 20 anos que é desenvolvido um trabalho na área da habitação e reabilitação dos bairros sociais”. De acordo com Fernando Rodrigues o laboratório é consequência desse trabalho e pretende criar uma cidade que prime pela “diversidade e pela complexidade, onde ricos e pobre possam usufruir dos mesmos espaços de igual forma”. O diretor frisa que o LABH é “totalmente contra a política de cidade periférica e inclinada” e pretende criar espaços comuns onde haja “uma contaminação positiva de interesses”.

Prolongar a atividade do cimo da encosta ao rio

André Fontes é professor na Escola de Arquitetura de Bergen, na Noruega e foi um dos arquitetos responsáveis por desenhar uma proposta de renovação desta área esquecida da cidade. “Em equipa tentamos discutir a razão de um espaço que aparentemente é fantástico, com qualidades impressionantes e que neste momento, dentro do Porto está abandonado”, conta André. Na opinião do arquiteto, o espaço das Fontainhas apresenta “qualidades naturais impressionantes”, mas vive grandes problemas de segurança uma vez que há “pouca atividade pedonal e habitacional”.

A proposta? Tornar o espaço mais acessível. E para isso, no entender de André Fontes, é preciso desenvolver atividades – de âmbito local e regional – que tornem as Fontaínhas uma zona segura, movimentada e em equilíbrio com o resto da cidade.

O arquiteto explica que para tornar o espaço atrativo é necessário “criar uma linha de deslocação suave”, com a colocação de pequenos caminhos e escadas, aproveitar os equipamentos abandonados e transformá-los em espaços lúdicos e culturais.

O turismo, a cultural e o lazer

Pensar numa ideia que traria benefícios quer aos residentes da zona, quer a todos os visitantes. Nuno Grande pensou numa proposta mais lúdica e cultural que aproveitasse recursos já existentes no espaço, dando especial destaque à Ponte D. Maria Pia. O objetivo primordial é revitalizar as Fontainhas fazendo um “passeio temático entre as pontes”, articulando os túneis já existentes, com pequenas passagens e elevadores.

“Com a proposta de passeio na escarpa faz-se um passeio numa cidade autêntica, com pontes reais. Pode ser integrado nos mapas turísticos, mas é sobretudo aberto a todos”, explica Nuno Grande. Para tornar possível este passeio entre as pontes, bastava ligar a zona oriental à Alfândega possibilitando às pessoas um pista pedonal e ciclável.

O arquiteto propõe, na antiga linha que ligava a ponte Maria Pia a Campanhã, a abertura de um museu, com carruagens de várias épocas para funcionar como “um túnel do tempo, onde se ilustrasse a evolução do comboio e os costumes da época e como a ferrovia venho mudar os hábitos das pessoas”.

Nuno Grande lembra que a cidade do Porto tem vindo a ser reabilitada mas “apenas em duas frentes: atlântica e fluvial”. Da Ponte D. Luís à Ponte do Freixo vê-se “um abandono total por parte das autoridades que até hoje geriram aquele espaço”. “O futuro do Porto tem de passar pela regeneração da zona oriental da cidade, das Fontainhas até Campanhã. Se não o fizer estará sempre amputado de uma parte da população, da memória industrial e ferroviária”, reforça o arquiteto.

Como pensar nas Fontainhas como uma oportunidade

A António Fontes coube-lhe a parte mais próxima da Ponte do Infante. Após uma visita ao terreno, a equipa do arquiteto apercebeu-se que a degradação da zona impedia a cidade de olha para as Fontainhas e tirar partido das capacidades do espaço. Os muros altos, as casas devolutas, as dificuldades de acesso ao terreno, as ruínas são resultado do esquecimento da zona oriental da cidade.

“A cidade foi crescendo no sentido contrário da zona oriental da cidade. Foi crescendo do centro para o mar e virou costas a esta parte da cidade” descreve António. “O princípio foi aproveitar a herança que encontramos lá”. Assim, a proposta do arquiteto apoia-se no reaproveitamento de recursos.

A ponte do Infante, marcadamente rodoviária, trazia às Fontainhas um tráfego automóvel intenso “que rompia com a escala do lugar”. E porque não alargar o leque de utilizações da ponte? “A princípio, de uma forma provocatória, pensava-se que poderia ser a sede de um futuro eventual município Porto/Gaia, mas depois a ideia acabou por resvalar para um edifício que pudesse concentrar uma série de utilizações que servissem de ligação também aos dois municípios”, explica António Fontes.

Assim, a proposta assenta na utilização do aro da ponte para a colocação de auditórios, salas de teatro, cinema ao ar livre e ainda, à semelhança do que acontece na Ponte D. Luís, a criação de uma plataforma a uma cota mais baixa para atravessamento pedonal e utilização para desporto.

“O princípio foi não construir uma nova cidade, manter o rural, quase um parque aos socalcos sobre o rio Douro, mas intensificar o uso. Não na perspetiva de construir, mas aproveitar as construções que já existem de maneira a potenciar e a estender para novos usos”, acrescenta António.

Pensar numa população esquecida

Após uma análise ao espaço, a equipa de João Carreira verificou “a inexistência de um abastecimento infraestruturado das redes básicas, de águas, eletricidade, comunicações e saneamento” e, para isso, propõe um conjunto de mudanças que devolva à população as condições habitacionais mínimas a que têm direito.

Desde já, o arquiteto propõe às estruturas públicas – “as únicas com poder efetivo de mudança” –, projetos que criem condições para reduzir as deficiências habitacionais, bem como para unir as Fontainhas ao resto da cidade, criando tipologias construtivas “que permitam novas relações de vizinhança”.

No fundo, o arquiteto pretende unir a população ao Porto e devolver-lhe o sentido de pertença. A exclusão das Fontainhas dentro do Porto existe, também, pelos acessos existentes na zona. Assim, João Carreira propõe uma “rede organizada de percursos e acessos, que permitam circulações menos labirínticas” e ainda “a promoção de circulações entre cotas”.