Dilma Rousseff anunciou, no discurso de dia 10 de junho, tratar-se de um “falso dilema” a questão de estarem a ser desviados para o Mundial recursos que seriam melhor aplicados em setores prioritários, como a educação e a saúde.
A presidente procurou fazer frente às críticas e reivindicações dos manifestantes, comparando o investimento nos estádios – número que não engloba todos os custos do Campeonato Mundial – com o dinheiro investido em saúde e educação, entre 2010 e 2013, período de preparação da “copa”.
«Os investimentos nos estádios (…) somaram oito biliões de reais. Desde 2010, quando começaram as obras dos estádios, até 2013, o governo federal, os estados e municípios investiram cerca de um trilião e 700 biliões de reais em educação e saúde» Dilma Rousseff
Os oito mil milhões de reais gastos na construção de estádios confirmam-se, na Matriz de Responsabilidades Consolidada, disponível no site do Governo Federal Brasileiro sobre a Copa do Mundo 2014.
Contudo, o valor apontado pela Chefe de Estado como investimento na educação e na saúde – um bilião e 700 mil milhões de reais – tem sido alvo de interrogações, uma vez que agrega as esferas federal, estadual e municipal e, como tal, impossibilita a sua confirmação com base na informação disponibilizada.
Torna o número mais dúbio o discurso a 20 de maio do titular da Secretaria Nacional de Relações Político-Sociais da Secretaria Geral da Presidência, Wagner Caetano, no debate “A copa será um bom negócio para o Brasil?”. Segundo o secretário, “desde 2010, quando o governo começou a discutir os preparativos para a copa, já foram investidos 850 bilhões de reais em saúde e educação”.
O debate, promovido pelo Sindicato dos Bancários de Brasília, decorreu nem um mês antes do discurso de Dilma a 10 de junho. Será possível, no período decorrido entre as duas exposições, terem sido investidos mais 850 mil milhões de reais em educação e saúde? Ou terão sido feitas as contas de formas diferentes?
Educação
No que diz respeito ao investimento da educação, o Brasil tem procurado atingir muitas das metas a que se auto propôs. Em 1998/1999, o Brasil investia 4,3% do PIB na educação – sendo que 58% desse investimento era destinado para o ensino fundamental. Se analisarmos o investimento na educação, percebemos que ao longo do tempo, os valores aumentaram, no geral, mas de forma muito inconstante.
Taxa de analfabetismo diminuiu
De acordo com o Censo de 2010, existiam, nesse ano, no Brasil, 13,9 milhões de pessoas com mais de 15 anos que não sabiam ler ou escrever. Em janeiro de 2014, esse número foi reduzido num milhão. Atualmente, a taxa de analfabetismo ronda os 8,6%, totalizando 12,9 milhões de brasileiros.
Por exemplo, se em 2001, o investimento era de 4,8%, em 2005, regista-se uma quebra para os 4,5% – com o maior investimento no ensino básico. No ano de 2011, o investimento ficava nos 6,1%. Mesmo assim, esse valor estava ainda abaixo do recomendado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que assenta ,23%. Nesse ano, o Plano Nacional da Educação (PNE) previa investir 10% na educação.
Se se comparar os valores investidos pelo Brasil em 2010 (5,8% do PIB), com outros países europeus, pode concluir-se que, nesse ano, o país ultrapassou a Hungria (4,6% do PIB), a Itália (4,7%do PIB) e a Suíça (5,6% do PIB). Contudo, existem outro valor a ser considerado para que a ideia do investimento seja a mais correta. Esse valor é o investimento por aluno.
Se nesse ano a Suíça investiu 28,5 mil reais, o Brasil investiu 6,6 mil reais. É esse o indicador real que mostra a desigualdade e as más condições na escolas brasileiras, que continuam a variar de região para região, como se fossem formados cidadão de primeira e segunda classe. Esta situação já se arrasta há muito tempo, e não parece que vá mudar. Por exemplo, em 1998, um aluno de ensino fundamental no Rio de Janeiro custava cerca de 877 reais, por ano. Esse mesmo aluno no Maranhão já custava 401 reais por ano.
Saúde
Saúde com menor investimento que os Transportes
Se em 2013 foram investidos 3,89 mil milhões de reais no Ministério da Saúde (quando estavam previstos 9,4 mil milhões), o Ministério dos Transportes recebeu um investimento de 11,02 mil milhões de reais, sendo o ministério que mais recebeu, a par do da Defesa que recebeu 8,84 mil milhões de reais.
No que toca à saúde, o Brasil tem vindo, nos últimos treze anos, a queres investir mais no setor. Contudo, os desejos do Governo Federal não correspondem à realidade. Segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2001, o governo afirmou que até 2013 iriam ser disponibilizados e autorizados 80,5 mil milhões de reais para a saúde. Porém, a realidade foi outra.
Apenas 33 mil milhões de reais foram investidos, ou seja, 47,5 mil milhões ficaram por gastar. Em fevereiro de 2014, o presidente do CFM prestou declarações onde referia algumas das possíveis aplicações desses 47,5 mil milhões de reais.
«Desfrutamos da mais absoluta liberdade e convivemos com manifestações populares e reivindicações que nos ajudam a aperfeiçoar, cada vez mais, as nossas instituições democráticas», Dilma Rousseff
Segundo Roberto Luiz d’Avila, esse dinheiro fantasma daria para adquirir 386 mil ambulâncias (69 para cada município brasileiro); construir 237 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS) de porte I (43 por cidade); edificar 34 mil Unidades de Pronto Atendimento (UPA) de porte I (seis por cidade) ou, ainda, aumentar em 936 o número de hospitais públicos de médio porte.
Dilma afirmou que jamais permitiria que fossem prejudicados “setores prioritários, como a saúde e a educação” devido aos gastos com o Campeonato Mundial de Futebol. Contudo, a melhoria na educação pública continua a ser uma das grandes batalhas a travar no país, enquanto o setor da saúde é alvo de promessas governamentais que não são, de todo, cumpridas.