É às portas da cidade junto à ponte de D. Luís I que vive, há 15 anos, Maria Júlia e o marido Álvaro. Já em criança que a senhora, hoje com 60 anos, se dedicava às festas populares quando pedia uma “moedinha na rua para dar a Santo António”.

Quando se mudou para perto da muralha Fernandina, Maria Júlia teve a ideia de começar a fazer as cascatas sanjoaninas. E a tradição ficou. “Normalmente as pessoas que passam aqui todos os dias dizem-me: Então minha senhora já está a fazer os preparativos para o São João? E eu digo: Está quase!”, conta. Começou por fazer a homenagem aos santos populares, o Santo António, São Pedro e São João e ano após ano, a cascata cresce “mais um bocadinho”.

A cascata foi acompanhando as mudanças que a paisagem portuense foi sofrendo. É um misto do presente e do passado: mantiveram-se os túneis que ligavam a Alfândega a Campanhã, as típicas peixeiras e antigas linhas de caminhos-de-ferro e acrescentaram-se o metro, o funicular e os turistas de câmara fotográfica ao pescoço.

Este ano os preparativos começaram cedo. Foi já em maio que as primeiras peças começaram a ser colocadas no cantinho do quintal dedicado a esta obra. O trabalho é para três dias, mas sempre se vão fazendo uns ajustes aqui e ali. “Ainda não está bem como eu quero, mas vai aos pouquinhos”.

As primeiras cascatas sanjoaninas nasceram no século XIX. Maria Júlia afirma que o conceito é, obviamente, o da festa popular. “Como o presépio no Natal é dedicado ao Menino Jesus, as cascatas são dedicadas aos Santos”, explica. E, por isso não pode falta o manjerico, o alho porro, o martelo de São João e ainda as tradicionais vendedoras de cidreira.

Ainda assim, na cascata há de tudo um pouco, passando pelo ex-libris da cidade, a Torre dos Clérigos, ao emblemático rio Douro com os tradicionais barcos rabelos, os pescadores, os peixes e até as conchas. “O meu marido ajuda de vez em quando. Eu peço-lhe para fazer isto e aquilo. As pontes foi ele que fez, apesar de eu queres fazer outras mais bonitas”, graceja Maria Júlia.

A coleção de figuras do casal foi-se acumulando ao longo dos anos. Entre brinquedos que foi roubando às filhas e aos netos, juntam-se as peças que foi comprando com o dinheiro dado por turistas e outros admiradores. Quem espreita do cimo da ponte, tem a vista perfeita para o quintal e muitos são os que atiram moedas como dita a tradição.

Ainda assim, Maria Júlia admite que este costume está a desaparecer aos poucos. “Muita gente já não faz as cascatas. As minhas filhas já me disseram que quando eu morrer já não fazem. Porque isto dá muito trabalho e exige muita paciência. Mas é uma tradição muito bonita”, diz tristemente. “Se morre o São João morre tudo. Ainda há muita gente que dá valor, principalmente as pessoas mais antigas. Muitos jovens ainda dão, mas outros não. Uma vez passou cá um e disse: ‘olha mas que fantochada!'”.

Por agora, Maria Júlia e Álvaro já têm tudo preparado para a noite de São João. As sardinhas, os pimentos e o entrecosto estão prontos para ir ao lume. “As filhas, os genros e os netinhos” estão a caminho. A festa faz-se à mesa e com vista privilegiada para o espetáculo de fogo de artifício sobre o Douro.