No regresso de uma viagem à Terra Santa, o Papa Francisco falou aos jornalistas e não se inibiu de comentar temas polémicos entre a população católica – e não só. Depois de defender um regime de “tolerância zero” para os sacerdotes pedófilos, Bergoglio declarou que o celibato dos padres “não é um dogma da fé” e acrescentou que “não sendo um dogma da fé, está sempre em aberto”.

Estas declarações surgem dias depois de se conhecer uma carta escrita por 26 mulheres que vivem ou viveram uma relação com um sacerdote. A carta, que não tinha sido comentada pela Santa Sé, reacendeu a discussão acerca do tema fraturante na Igreja e mereceu a atenção do Papa Francisco. Muitos defensores do voto opcional do celibato reagiram às afirmações do Papa, vendo nelas uma possibilidade de mudança.

“Isto não é um negócio”

Artur Oliveira, de 89 anos, foi padre por mais de três décadas, mas abandonou o sacerdócio para casar com Antonieta. Artur acredita que o celibato é um entrave à evolução da Igreja e à aproximação da comunidade. Denuncia a existência de “hierarquias eclesiásticas que fazem mais caso das normas do direito canónico, que são normas criadas pelos homens, do que das normas do Evangelho”.

O antigo sacerdote defende que “ser cristão é mais o compromisso de servir do que outra coisa qualquer” e, por isso, não contesta a opção de uma vida celibatária para quem assim o desejar. O que está em causa é a possibilidade de escolha e, neste ponto, Artur acredita que na evolução natural das coisas.

“A tendência vai ser para se voltar àquilo que foi no princípio da Igreja: a vida celibatária para quem assim o desejar e a vida casada para quem assim o desejar”, diz, lembrando que “só no século XVI se tornou obrigatório o celibato eclesiástico”.

Jorge Manuel Gonçalves, de 23 anos, está há três no Seminário Maior de Lisboa. Discorda da opinião de Artur quando diz que o celibato deveria ser opcional. “Isto não é nenhum negócio. Eu não vou dizer «vou ser padre, se vocês mudarem esta regra». Nós propomo-nos a fazer este caminho entregando-nos como um todo, não só uma parte de nós”, defende Jorge. Em reação às declarações do Papa Francisco, o jovem concorda que “realmente [o celibato] não é um dogma, é um dom”, e acredita que “o Espírito Santo concede esse dom, essa graça”.

Ao JPN, Jorge negou qualquer tabu em torno do tema e conta mesmo que no seminário existem discussões abertas sobre celibato. O jovem diz não ter nenhum colega que se mostre contra a vida celibatária mas, ainda assim, afirma que todos estão “atentos às notícias”, falam e refletem em conjunto.

Índice de abandono do sacerdócio é “muito baixo”

D. António Couto, Bispo de Lamego, considera que o celibato já é opcional uma vez que é “objeto de uma escolha livre e responsável” e que, por isso, não deve ser encarado como “um fardo que tem de se carregar automaticamente”. O Bispo nega ainda a ideia de que o celibato esteja a afastar futuros sacerdotes da Igreja e dá como exemplo “a queda do número de sacerdotes que afeta igualmente as Igrejas Orientais, que admitem também no sacerdócio homens que tenham livremente escolhido o matrimónio”.

D. António Couto desmistifica aliás a ideia que haja cada vez mais sacerdotes a abandonar os deveres religiosos para casar. “Não é verdade que, nos tempos que correm, haja um abandono crescente de padres por causa do matrimónio. É mesmo muito baixo o número de padres que hoje abandonam o sacerdócio. Essa leva crescente de abandonos verificou-se nos anos 70 e 80 do século passado. Esse índice, hoje, é muito baixo”.

“A vida matrimonial é bela, e a vida celibatária é igualmente bela, sendo ambas dons de Deus. E acrescento que quer uma quer a outra pedem a quem livremente as escolhe a máxima dedicação de tempo e coração. Se for para viver assim-assim, ambas redundarão em fracasso”, conclui o Bispo.