Imagina-se a fotografar com uma lata de sardinhas? Acredite que é possível. Chama-se “Lá Tinha” e é um projeto da co-autoria de Bob Ferraz e Diego Cunha. Nasceu de uma conversa entre amigos e consiste em criar máquinas fotográficas com latas de sardinha usadas. O objetivo é mostrar a crianças de comunidades “mais esquecidas” o valor que a sua localidade tem. “Pensámos na fotografia com o intuito de levar as crianças a ter vontade de mostrar o seu lugar, o seu mundo, através da imagem”, explicou ao P3 Diego Cunha.

O funcionamento é simples e com base na técnica de pinhole: apoia-se a câmara em algo fixo, um tripé ou até mesmo um muro. Abre-se o “obturador” durante cerca de três segundos (dependendo da quantidade de luz e do ISO do filme), fecha-se e roda-se o filme para a próxima fotografia. Quando o rolo acabar basta recarregar a latinha com um novo.

A ideia de iniciar este projeto no bairro da Cova da Moura surgiu com o propósito de desmistificar a ideia que as pessoas têm acerca dos bairros sociais. Diego refere que “as pessoas não conhecem” e por isso “têm uma impressão um pouco diferente do que estes são na realidade, têm um pouco de receio até”.

Assim que chegaram à Cova da Moura, Diego e Bob perceberam que aquele era um “terreno muito fértil para este tipo de coisas”. Diego recorda que as crianças estavam muito à vontade, dançavam enquanto criavam os seus próprios “batuques”. Quando lhes foi apresentada a ideia “não acreditavam que se poderia fazer uma câmara fotográfica com coisas tão simples”. “Foi um desacreditar que se esvaneceu a partir do momento em que as crianças perceberam que as latinhas tiravam, mesmo, fotografias”.

Para Diego, “as crianças, hoje em dia, são cada vez mais cedo inseridas em ambientes competitivos” e o projeto “Lá Tinha” pretende desenvolver nas crianças uma “inteligência emocional”, isto é, “desenvolver as suas habilidades. As pessoas não se preocupam com o que a criança gosta e sabe fazer, querem apenas que conheçam a Geografia, a Matemática e a História, quando elas podem ser o que sonham ser e ter muito sucesso nisso”.

Evitar caminhos “menos bons”

Trabalhar este conceito, neste género de bairros, é uma oportunidade para os seus habitantes mais novos, que não têm muita opção de escolha. Na maior parte das vezes, “a vida deles é muito conturbada e não têm tempo de pensar no que querem ser, têm de trabalhar em qualquer coisa para poderem ganhar dinheiro”. O projeto “Lá Tinha” pretende mostrar que existem outros caminhos , amplia a visão destas crianças, fá-los ver que têm direito de escolha sobre o seu futuro e que não têm que estar sujeitos ao que a sociedade e o mundo lhes impõe. Diego confessa que desta forma pode, eventualmente, evitar-se que muitas destas crianças sigam por caminhos “menos bons” no futuro.

Segundo Diego a iniciativa não vai ficar por aqui: “A ideia é espalhar as latinhas por Portugal”. “Queremos ir para além dos bairros sociais, a lugares que não sejam considerados de alto risco ou de comunidades com menos recursos. Há muita gente interessada, muitas pessoas já nos procuram, que querem levar este conceito para as suas comunidades. Então o objetivo agora é conseguir fazer acontecer o que as pessoas tanto gostaram”, acrescenta.

O co-autor revela que existem crianças com talento para a fotografia na Cova da Moura. “A foto da latinha tem de ser muito cuidadosa”, descreve. “Se trememos um pouco, isso pode dar um ar abstrato à foto e há crianças que demonstram ter essa sensibilidade, têm um olhar diferente e fomentar isso é bastante interessante. Se nós conseguirmos transformar algumas crianças em fotógrafas realmente seria um resultado espetacular”.

Os objetivos futuros do “Lá Tinha” passam por “montar um photobook com todo o acervo do projeto, contando um pouco mais da história dos miúdos, tendo as imagens para análises sociais”, conclui Diego Cunha.