José Alberto Carvalho, Júlio Magalhães, João Fernando Ramos, João Paulo Meneses, Carlos Rico e mais e mais e mais. Todos estes jornalistas – e ainda outros – têm um número em comum: 98.9. Foi nesta frequência radiofónica que deram os primeiros passos “a sério” na profissão, há 25 anos. Na verdade, tudo isto é uma forma mais extensa de dizer que, nesta quinta-feira, a Rádio Nova (RN) comemora um quarto de século de existência e que se trata de um órgão de comunicação que ficará sempre conhecido como uma escola de jornalismo.

“Escrever a história da radiodifusão e do jornalismo radiofónico em Portugal, omitindo a Rádio Nova, das duas uma: ou é um ato de centralismo lisboeta ou de mesquinhez e ignorância”, afirma Francisco José Oliveira, primeiro diretor da estação. Curiosamente, na altura, Francisco José Oliveira fazia a sua vida por Lisboa e não lhe passava pela cabeça vir para o Porto caso a RN ganhasse o concurso público ao qual a Sonae (empresa detentora) candidatara o órgão.

Pergunta-resposta com João Paulo Meneses

João Paulo Meneses foi o primeiro chefe de redação da Rádio Nova e um dos principais protagonistas no funcionamento da “máquina”. O atual editor online da TSF respondeu a algumas perguntas do JPN sobre o período em que esteve sintonizado em 98.9:

Qual era o tipo de cobertura jornalística que, na altura, pretendia que a redação tivesse?
Inspirados pela TSF, queríamos dar ao Porto uma rádio de cariz informativo e urbana, com dinâmica e agressividade, mas com proximidade.

Qual era a importância da Rádio Nova no período em que foi inaugurada, tendo em conta o contexo político do Porto, na altura?
Segundo o candidato do PSD Carlos Brito, que perdeu as eleições autárquicas de 1989 para Fernando Gomes, foi a Rádio Nova que elegeu o presidente Gomes, depois de um estudo de opinião que fizemos imediatamente após o debate que tiveram na RTP. Penso que este exemplo diz muito do impacto que nessa altura tivemos (mesmo que esta opinião e o fator [Carlos] Brito estejam naturalmente inflacionados…).

Qual foi a importância da Rádio Nova para a sua carreira?
Enorme, pessoal e profissionalmente. Onde aprendi a cometer erros para não os repetir depois.

Qual foi a situação que o marcou mais, durante o período em que lá trabalhou?
A primeira transmissão em direto, do exterior: um jogo de futebol, que não conseguimos fazer por problemas técnicos e alguma inabilidade/inexperiência geral. E logo no primeiro dia…

A verdade é que a RN ganhou e logo a seguir tocava o telefone de Francisco. Era Belmiro de Azevedo. “Bom, ganhamos. Agora precisamos de si para vir dirigir não apenas a rádio, mas a empresa”, ouviu do outro lado da linha. “Deu-me um prazo de uma semana para eu fazer as malas e vir de Lisboa para o Porto. E eu vim”, conta ao JPN. Antes disso foi “desaconselhado por toda a gente, porque achavam que no Porto não havia massa crítica em termos de profissionais jovens para se fazer uma rádio”. Enganaram-se. Ou será melhor dizer: “Francisco José Oliveira enganou-os”?

“Ele [Francisco José Oliveira] teve uma importância decisiva neste projeto. Esta gente toda nunca teria tido o percurso que teve se não fosse ele tê-los visto, ter pressentido o potencial desses profissionais e tê-los escolhido, porque era uma equipa toda ela muito nova e acabadinha de sair das faculdades”, revela Aurélio Gomes, do Canal Q, que esteve nos primórdios da RN e que também fez parte dessa mesma equipa que menciona. Eram 22, ao todo – “mais o pessoal de background, de igual forma muito importante” -, aqueles que ainda hoje justificam a aposta de Francisco José Oliveira, dando cartas nas televisões, rádios e até em projetos de animação mediática nacionais.

“Polivalência”: a palavra-chave

Mas em que medida é que a fama de “escola” da RN se manifestou nestas pessoas para as preparar de forma que, hoje, sejam elas os principais profissionais de media do país? “Todos fazíamos tudo. Não havia uma pessoa que fizesse só edição, ou produção, ou reportagem, ou só animação. E essa polivalência é que eu considero ser a marca mais importante de formação da Rádio Nova”, explica Anabela Mota Ribeiro, jornalista que foi uma das vozes femininas da RN, entre outras, como Cândida Colaço Monteiro, Ana Isabel Reis ou Magda Rocha.

“Toda a gente cobria todos os acontecimentos. Ali não havia bons e maus. Havia uma escala alfabética, dos 22, que lhes permitia saber quem ia cobrir a próxima grande ocorrência, desde a queda do Muro de Berlim a outro qualquer grande acontecimento em Portugal. Para toda a gente poder ter no currículo algo dessa dimensão. Todos faziam tudo”, esclarece Francisco José Oliveira, evidenciando a tarimba ganha por qualquer profissional na RN.

Repórteres sem fronteiras

A Rádio Nova era, na verdade, um órgão de comunicação local, mas a ambição tornava-o nacional e, mais do que isso, destruía quaisquer fronteiras. Apesar da importância que teve para o Porto – Carlos Rico, atual jornalista da SIC e outrora um dos estreantes na RN, explica, por exemplo, o peso da estação na política da cidade -, alguns dos principais feitos jornalísticos da RN foram em matérias internacionais.

“Nós cobrimos grandes acontecimentos. Eu estive na guerra da Albânia, na guerra da Bósnia, estive em Angola várias vezes, estive na África do Sul, acompanhei viagens de presidentes… A Rádio Nova permitiu-me fazer reportagens que eu nunca tinha feito”, conta João Fernando Ramos, jornalista da RTP. No entanto, foram as coberturas de temas relacionados com Angola e com Timor que mais contribuíram para um acréscimo de estatuto da estação (ver caixa).

Os “trampolins” de Timor e de Angola

A determinada altura, a Rádio Nova passou a estar nas bocas do mundo por causa de dois “brilharetes” jornalísticos que mais nenhum órgão de comunicação alcançou. Em conversa com o JPN, José Manuel Rocha, atual jornalista do Público e, naquela época, profissional da RN, conta como é que a rádio conseguiu:

– “A primeira entrevista de Xanana Gusmão em anos”;
– Uma das raras entrevistas, no mundo, a Jonas Savimbi.

Fazer serviço público de mota e helicóptero

Um dos grandes trunfos da Rádio Nova, no início, era a informação de trânsito. Para isso, contava com um helicóptero e uma mota. “Na altura, um repórter de trânsito era quase uma vedeta. O nome dele era tantas vezes ouvido, que as pessoas conheciam logo. Viam-no lá no meio e abriam alas e buzinavam”, diz Paulo Ribeiro, jornalista d’A Bola e da Auto Foco, que desempenhava aquela função sobre duas rodas na RN.

Além de estar à frente no tempo nessa matéria, a 98.9 estava, muitas vezes, à frente da polícia, no que diz respeito à chegada aos locais mais problemáticos: “Como tinha uma mota muito ágil e, na altura, também era um bocado mais novo, conseguia chegar aos acidentes muito antes deles. Dava-me um gozo incrível, porque já os conhecia, e eles ficavam estupefactos”, recorda.

Programas para conversar e para divertir

A grelha da Rádio Nova de há 25 anos não era composta apenas por programas de informação. Também havia aqueles que se distinguiam de tudo aquilo que se fazia na altura, quer por abordarem temas como a sexualidade e por se falar “de tudo um pouco” – Aurélio Gomes explica -, quer por brincarem com a própria atividade jornalística – Carlos Rico recorda.

Memórias que um quarto de século não apaga

Também foi uma situação relacionada com Timor que, entre outras, mais marcou Anabela Mota Ribeiro durante o período em que trabalhou na RN. “Lembro-me de ver o Pedro Sousa Pereira a chorar como uma criança quando soube da prisão do Xanana Gusmão. O Pedro tinha uma relação muito próxima com a causa timorense. E ele, que é um rapaz grande e com gestos um pouco ‘abrutalhados’, de repente foi como uma criança que vê o seu herói ser preso, e foi uma coisa muito comovente”.

Também comovente, certamente, terá sido a primeira emissão da RN. “Nós preparámos a rádio durante, aproximadamente, dois meses, com várias reuniões e emissões zero, simulações, ensaios de estilo… Quando fomos para o ar sabíamos perfeitamente o que é que queríamos. Mas depois foi um dia de grande improviso. Lembro-me do estúdio cheio de pessoas logo de manhã e do nosso grande nervosismo”, recorda João Fernando Ramos.

Apontar às bodas de ouro

Desde então passaram-se 25 anos. O tipo de emissões que a Rádio Nova fazia nada tem a ver com aquele que hoje é feito, até porque “qualquer semelhança do órgão atual com aquele que existiu de 1989 a 1993 [data em que a Sonae desmantelou o projeto de aposta num jornalismo informativo forte, com grande pendor internacional] é pura coincidência”, considera Francisco José Oliveira.

Mário Jorge Maia, atual diretor da RN, que, ainda assim, foi um dos membros fundadores da rádio, concorda. “Hoje, por força das circunstâncias, somos uma rádio de cariz mais musical, mais focados na região metropolitana do Porto e do Grande Porto”. Metamorfoses à parte, a verdade é que a RN soube adaptar-se aos tempos difíceis que envolvem os media, permitindo ao diretor da estação afirmar que é possível assinalar mais 25 anos: “Nós temos tido a capacidade, ao longo destes anos, de nos refundarmos e adaptarmos ao mercado. E continuamos a ter ambições! Porque não uma emissão da Rádio Nova em Lisboa?”. É tempo de soprar as velas e de pedir um desejo.