Chegou de mansinho e ainda antes de muitos saberem quem era a nova diretora dos Serviços de Ação Social da Universidade do Porto (SASUP), Cristina Jacinto já estava a dar que falar. A 15 de setembro, a instauração da nova refeição social nas cantinas da Universidade do Porto (composta por pão e prato principal por apenas 1,95 euros) fez headlines e gerou burburinho, por bons e maus motivos.

O que muitos não sabem é que esta proposta surgiu diretamente dos estudantes, “num pedido reiterado” pelo Conselho de Ação Social, pelas Associações de Estudantes e pela Federação Académica do Porto (FAP), numa das primeiras reuniões que teve quando chegou aos SASUP.

Perfil

Ana Cristina Jacinto Silva é, desde 1 de setembro, a nova diretora dos Serviços de Ação Social da Universidade do Porto. Com “uma longa experiência nesta área”, foi subdiretora geral da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) e liderou os serviços de Ação Social da mesma instituição, onde apostou na “desburocratização” e esteve “na origem do projeto da plataforma de atribuição de bolsas” que hoje existe. É licenciada em História, mestre em Economia e Gestão de Ciência e Tecnologia e formada em Estudos Avançados em Estatística e Gestão da Informação. Quase sempre ligada ao Ensino Superior, passou ainda pelo Fundo de Apoio ao Estudante “na altura em que as pessoas entregavam 60 papéis para se candidatarem a uma bolsa”. “Uma loucura”, lembra. Sucede João Carvalho, que liderou os SASUP nos últimos 30 anos.

“Pão e prato porque é aquilo que é a base forte da refeição”, explica. “Os alunos que de facto tiverem algum problema a nível financeiro podem obter sempre pelo prato principal”, que é também “aquele que é nutricionalmente mais equilibrado”, garante, mas “se optarem por duas sopas e a fruta também ninguém os impede”. Para além disso, diz, “muitos estudantes levavam o tabuleiro inteiro mas efetivamente depois não o consumiam”, ou seja, “estavam a pagar uma coisa que não comiam”. “Aquilo que eu quis foi, em primeira linha, ouvir os estudantes”, afirma.

E é esta a premissa que parece regular grande parte dos objetivos do seu mandato, sempre com “proximidade como a palavra-chave destes serviços”. “Nada se faz sem proximidade com aqueles com quem trabalhamos”, diz. “[São os Serviços de Ação Social locais] que marcam a diferença, que distinguem o trigo do joio, que percebem se o aluno precisa de apoio psicológico ou de senhas para almoço…”.

“Por favor estejam atentos aos vossos colegas”, apela Cristina

De forma a “trabalhar este conceito”, quer investir no trabalho em rede” de toda a Universidade. “Há um apelo sistemático que tenho feito nas reuniões com as Associações [de Estudantes]: por favor estejam atentos aos vossos colegas. Mas este é um apelo que eu faço também às pessoas que trabalham nas cantinas, nas residências (…), aos diretores e a quem nas faculdades já trabalha nesta área; à equipa reitoral e às vice-reitorias, que de alguma forma podem e devem contribuir para esta área… porque é assim que vou obtendo informações”.

“Por exemplo, no período que estamos a viver, surge aqui um espetro de ‘pobreza envergonhada’. São pessoas que até tinham um nível de vida muitas vezes muito confortável, que de repente o pai ou a mãe ficou desempregado e que agora não sabem lidar com isso, porque não estão habituadas, e também não falam. Se não houver um funcionário ou um amigo que detete e chame a atenção, nós não vamos conseguir fazer o nosso trabalho a 100%”, explica.

Ainda na primeira semana em que ocupou o novo escritório na Rua dos Bragas, Cristina Jacinto, tomou uma resolução: “Colocar duas pessoas dos SASUP junto das pessoas que estão a fazer as matrículas. Não tinha mais pessoas disponíveis, por isso foram só duas. Uma em Letras outra em Ciências”, dois universos distintos. “O resultado foi extraordinário”, garante. “Logo nos primeiros dias conseguimos lotar o alojamento – e este ano temos listas de espera, o que já não acontecia há um ano ou dois – e temos mais 200 ou 300 candidaturas a bolsa que no ano passado”.

E que tal trabalhar para a universidade?

“A UP tem um Fundo de Apoio ao Estudante, pago única e exclusivamente com verbas da universidade”, conta Cristina. Basicamente, permite aos alunos colaborar em serviços ligados à Universidade (e até a ajudar colegas com necessidades educativas especiais, por exemplo, e ganhar uma espécie de ordenado – a “bolsa de colaborador”. Só que “neste momento, quem pode concorrer a este fundo são alunos que já são bolseiros. Ou seja, duplica as condições”, explica. “No meu conceito, não faz grande sentido (…), temos de abrir à franja exatamente acima, àquelas pessoas que por poucos euros não são bolseiros e continuam a precisar de ajuda”. Assim, quer “tentar, de alguma forma, reestruturar o regulamento desse fundo e aí, divulgá-lo”.

Conclusão: “A comunicação tem de começar logo desde que os alunos chegam à universidade” e a comunicação dos SASUP, diz, “precisa de ser afinada”. “Este pequeno estudo piloto permitiu-me aferir que esse é, de facto, um trabalho que tem de ser feito”. “Descobri imensas coisas que os SAS fazem muito bem e não estão devidamente publicitadas. Há aqui gente muito boa e muito empenhada em facilitar a estadia dos alunos”, garante. E se “o primeiro contacto é na matrícula, é aí que vai começar o nosso trabalho”, reitera.

A meio do processo de atribuição de bolsas, garante ainda que não haverá os ‘motins’ do costume. “Claro que há coisas que nos ultrapassam, mas no que depender dos serviços, o processo vai ser agilizado”, afirma – aliás, está a ser. Tem bem presente que “quando se consegue começar a atribuir bolsas ao fim de três meses em vez de no ano a seguir, se marca a diferença” e por isso mesmo tem “partido muita pedra nesta área” ao longo do seu percurso profissional.

Um dia – ainda não este ano -, nos SASUP, vai “querer ser a primeira a atribuir as bolsas a nível nacional”. “Nem é ser a primeira”, reformula “é atribuir rapidamente e bem. Porque eu podia chegar ao sistema e atribuir as bolsas todas e era a maior – desculpe-me a expressão -, mas depois andava a rever processos todos os dias, e não é isso que eu quero. Temos de ser honestos e íntegros naquilo que fazemos e eu quero dar passos muito seguros”, declara.

“Hoje em dia, quando falamos em ação social, é de uma forma muito redutora”

No entanto, nem só de comida, bolsas e alojamento se faz a ação social. “Hoje em dia, quando falamos em ação social, é de uma forma muito redutora”, alerta. “A nossa missão é tornar a vida académica do estudante mais fácil, mais agradável, para que a sua integração seja mais simples. Que o dinheiro e outro tipo de necessidades não os impeçam de ter uma carreira que todos nós merecemos”, sublinha. Mas quando se fala em necessidades, não se fala apenas de necessidades financeiras.

“Parece que ação social é só para aquelas pessoas que estão no limite da pobreza e eu não tenho nada esse entendimento”, explica. “Nem é só “dar comida, cama e roupa lavada”. “Concordo muito mais [com conceitos como] ‘apoio ao estudante’ ou ‘dimensão social’, porque no conjunto da Academia, nem só aqueles que estão sinalizados como tendo carências têm problemas”, afirma. “Nem só aqueles que são economicamente carenciados precisam do nosso apoio”.

“Não são só questões financeiras” que levam o estudante a desistir

A ligação ao Porto

A “aproximação à cidade” é outro dos pilares que sustenta o mandato de Cristina, com uma estratégia de criação de novas residências estudantis – as 1200 camas disponíveis não chegam para um universo de 30 mil alunos – que, em associação à Câmara do Porto assentará “numa reconversão de zonas a precisar de reabilitação”. Não só para os estudantes nacionais mas para os que vêm de fora: “Se queremos que os alunos internacionais nos escolham, temos de criar condições para que eles venham e eles tomam muito em consideração a questão do alojamento”, explica. A primeira já está em andamento.

O abandono escolar, por exemplo, é muitas vezes conotado com a carência económica. Cristina, ainda que “na Universidade do Porto” (UP) ainda não tenha tido o tempo necessário para “estudar esse setor” e sem querer alongar-se, acredita que “não são só questões financeiras” que levam o estudante a desistir. “30% dos estudantes, e isto está estudado, abandonam o curso no primeiro ano porque ele não corresponde às expectativas”, exemplifica. “Temos de tentar perceber qual é o leque de razões pelas quais o estudante abandona” e “encontrar soluções” – seja para “questões financeiras, de apoio psicológico ou de apoio entre o secundário e o superior” – e “esse é um dos assuntos que vou acompanhar muito de perto”, garante.

Com 48 anos e um instinto maternal latente quando fala dos estudantes – não tivesse ela própria um filho no Ensino Superior -, Cristina é bem disposta, tem uma atitude positiva e garante que esta tem sido “uma experiência maravilhosa”. Mesmo que, para vir para o Porto, tenha sido obrigada a “começar do zero”.

“Eu nasci, trabalhei vivi sempre em Lisboa. Em três semanas decidi vir para o Porto e não foi por acaso. Achei que o desafio era interessante e acredito que esta é uma universidade com prestígio e com os meios para fazer com que realmente o apoio ao estudante seja uma coisa especial”, conta. Para além disso, Cristina acredita muito no projeto do atual reitor, Sebastião Feyo de Azevedo. “Não há nenhuma universidade que tenha um pró-reitor dedicado aos assuntos dos estudantes, o que é um sinal muito evidente daquilo que é a estratégia estabelecida (…). E estou profundamente empenhada em cumpri-la”, conta.