Será que a ciência poderá usar bactérias para combater o cancro ou reprogramá-las para produzir componentes do sangue? Conseguirá exterminar doenças? E, quem sabe, “ressuscitar” um mamute, ou “ler” a mente humana? E, se conseguir, deverá fazê-lo? Estas foram algumas das questões levantadas, durante todo o dia desta quinta-feira, na XV Conferência do Equinócio, coordenada por João Lobo Antunes, no IPATIMUP.

“Deixaremos de pensar apenas na cura, e passaremos a ver o cancro como uma doença crónica”, afirma José Carlos Machado, investigador do IPATIMUP, antecipando as promessas da ciência nesta área.

“O maior desafio atual é lidar com a heterogeneidade tumoral, entre diferentes doentes com o mesmo tipo de cancro, e no próprio paciente, em locais diferentes e alturas diferentes da doença”, avança o especialista. A resposta poderá estar na recolha contínua de amostras, algo que, neste momento, é um processo muito caro e demorado. José Carlos Machado acredita noutras formas de aceder ao material biológico, com a biópsia líquida (com base no sangue, por exemplo). “Tenho a certeza de que cada doente com cancro terá acesso a estes testes rapidamente”, conclui.

Será possível “ler” a mente humana?

Para Miguel Castelo-Branco, do Instituto de Imagem Biomédica e Ciências da Vida (IBILI) da Universidade de Coimbra, o futuro da ciência, e das neurociências em particular, será desvendado por grandes equipas multidisciplinares. O investigador exemplificou com um estudo do IBILI: “A nossa investigação despertou o interesse da mais prestigiada revista internacional de neuroimagem – a ‘Human Brain Mapping’ -, por combinar duas técnicas de imagem multimodal para perceber a forma como diferentes ritmos cerebrais nos ajudam a processar informação visual ambígua”.

O especialista destaca ainda a área do neurofeedback como um dos saberes prometidos das neurociências. O próprio Miguel Castelo-Branco está a trabalhar nesta área. O processo passa pelo mapeamento de zonas específicas do cérebro, auto-estimuladas através da imaginação. “Perante um avatar, pede-se a autistas que imaginem que o boneco está, por exemplo, a sorrir, de acordo com a atividade cerebral desencadeada há uma resposta do avatar: precisamente um sorriso”, explica.

A distância entre a ciência e a ficção tem vindo a encurtar-se. Na nanotecnologia, entre nanosensores para diagnóstico, drogas inteligentes ou sistemas de libertação controlada de fármacos, existem já centenas de produtos com aplicação médica. Esta área está, porém, muito longe da imagem difundida pela ficção científica e não constitui a salvação para todos problemas.

“Esse excesso de otimismo tem levado as pessoas a encararem estas tecnologias com desconfiança”, lamenta Mário Barbosa, do Instituto de Engenharia Biomédica, da Universidade do Porto (INEB). “É na biologia molecular que têm surgido algumas das maiores e mais polémicas promessas da ciência nos últimos anos, a começar pela ideia de que o genoma permitiria ‘ler a sina'”, algo que não se confirmou.

Ciência e ficção: quais os limites

“Ler o genoma não permite saber quem somos ou quem seremos. Há fatores imprevisíveis que vão condicionar a forma como as moléculas ou as nossas células vão interagir. Este é um saber proibido”, refere Carmo Fonseca, do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa (IMM). Já a promessa de curar doenças monogénicas (doenças por um único gene), está, segundo a mesma, prestes a ser satisfeita.

A clonagem é outra promessa que não está esquecida. “Já houve várias experiências em que se fizeram clones de espécies que estão extintas e há projetos para preservar células de espécies que estão em extinção. O que está agora por resolver são detalhes”, garante. De acordo com a investigadora, será possível, por exemplo, “construir um ser humano resistente ao VIH” da mesma maneira que fomos capazes de criar plantas resistentes a pragas.

Num rescaldo da conferência, João Lobo Antunes afirma que os cientistas não podem alhear-se da discussão dos chamados saberes proibidos, como o melhoramento humano, quando tem como objetivo a imortalidade. “A medicina quase quis transformar a morte numa opção. Isso é uma ilusão. Somos 100% mortais”, salientou. Mais do que proibidos, há saberes que são pura e simplesmente inatingíveis, como, por exemplo, o que é a consciência ou qual é o sentido da vida. “Se o Homem soubesse esses mistérios, se calhar perdia a graça”, conclui.