Assim que terminou a palestra num dos auditórios da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Bobak Ferdowsi dedicou-se às selfies: o engenheiro da agência espacial norte-americana NASA, de férias em Portugal, acedeu a todos os pedidos da sala, cheia para o ouvir falar sobre a missão a Marte do robô Curiosity. Bobak foi o diretor de voo do “rover” que chegou àquele planeta a 6 de agosto de 2012. Logo se tornou no símbolo da missão da NASA – o penteado patriótico ajudou, mas a capacidade de comunicação também. Atualmente faz parte da equipa Europa Clipper, que estuda a possibilidade de uma missão a Europa, uma das luas de Júpiter.

Para Bobak, de 34 anos, ver o Curiosity aterrar em Marte “foi como ver um filho crescer e ser muito bem-sucedido ao mesmo tempo”. Depois dos “sete minutos de terror” que separaram a entrada do robô na atmosfera marciana e a aterragem efetiva, a sala de controlo do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da NASA, em Pasadena, Califórnia, “explodiu”. As imagens tornaram-se virais e Bobak passou a ser conhecido como o “tipo moicano”, graças ao corte de cabelo que adotou para aquele momento, com as cores e os símbolos da bandeira dos Estados Unidos.

“A maioria das pessoas não estava habituada a ver alguém assim a trabalhar na NASA”, disse aos jornalistas no final da palestra. “Um homem mais velho, de óculos, gravata fina preta e camisa” é a imagem convencional que o público tem de um funcionário da agência espacial. “Ver uma sala de controlo cheia de jovens, incluindo eu, foi novo para o público”, acrescentou. “Gosto de acreditar que as pessoas sempre se interessaram pela NASA – apenas precisam de uma razão para o celebrar. Acho que missões como esta, que recebem muita atenção, ajudam a entusiasmar as pessoas”.

Apesar de ser “difícil bater a aterragem do Curiosity” no planeta vermelho, Bobak aponta o lançamento “como o momento mais importante a nível pessoal”. “Até essa altura havia a oportunidade de voltar atrás e resolver algum problema. No lançamento temos de empurrar o robô porta fora: é como mandar um filho para a universidade. Ele tem de ser capaz de fazer coisas sozinho pela primeira vez”, admitiu em entrevista ao P3. “Na aterragem, muito do meu trabalho estava feito”.

Foram mais de nove anos a preparar o momento em que o robô – um laboratório científico ambulante, com seis rodas, “praticamente do tamanho de um Mini Cooper” e com um braço extensível – enviaria a primeira fotografia de Marte. Desde 2012, o Curiosity tem rolado pela superfície do planeta, num total de oito quilómetros percorridos. “Parece pouco”, admite Bobak, mas se pensarmos que o robô tem de parar “a cada meio metro, mais ou menos”, para tirar fotografias e avaliar se consegue avançar em segurança, o valor torna-se “mais aceitável”. O Opportunity, outro robô da NASA, “já fez perto de 40 quilómetros desde que lá chegou, em 2004”, comparou, perante uma audiência de fãs da agência espacial.

“Desde que a missão aterrou, tem havido uma série de acontecimentos inéditos: cavar em Marte e perfurar o solo pela primeira vez e procurar nuvens são apenas alguns”, revelou o norte-americano de ascendência iraniana. Hoje sabemos que “há 4000 milhões de anos existiu água em Marte” e que “deve ter sido quase bebível”, adiantou o engenheiro aeroespacial formado no Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), que acredita na existência, há milhões de anos, de vida em Marte. Responder à questão “há água no planeta vermelho?” é o objetivo da missão que continua “de boa saúde”, “inovadora” também na forma como aterrou, na cratera Gale. O pára-quedas – desenvolvido especificamente para travar a descida na atmosfera do veículo de quase 900 quilos – tinha 15 metros de diâmetro. Até agora, é “o maior de sempre”. O JPL está agora a desenvolver um pára-quedas duas vezes maior que o do Curiosity, que pode vir a ser utilizado numa nova missão em Marte. Para dezembro está marcado o anúncio de novos resultados das amostras recolhidas e analisadas pelo Curiosity nos últimos meses.

De fã a funcionário da NASA

Bobak, filho de pai iraniano e mãe norte-americana, sempre foi fascinado pela exploração espacial. Mas foi em 1997, ano em que o robô Pathfinder (“do tamanho de um micro-ondas”) chegou a Marte, que se apercebeu da vontade de trabalhar na NASA. Para isso contribuíram as imagens da aterragem e o trabalho de comunicação da equipa do JPL, pessoas com quem o jovem acabaria por trabalhar, anos mais tarde. “Quando olho para estas missões penso em todas as pessoas que as ajudaram a fazer, gosto da sensação que nos une. Vejo sempre o espaço como um esforço internacional”, sublinhou ao P3.

Com mais de 70 mil seguidores no Twitter, Bobak vê a comunicação do trabalho da NASA como “uma obrigação profissional e um prazer pessoal”, sobretudo para “encorajar os mais jovens em campos tecnologicamente desafiantes”. “Adoro fazer isto [palestras]: quando sinto a energia do público também me mantenho entusiasmado com o meu trabalho”, confessou. “Sou o produto de alguém que fez o mesmo do que eu, noutros tempos. Agora é a altura de retribuir”.

A retribuição passa por visitar escolas e universidades um pouco por todo o mundo, respondendo a questões e interagindo, também, nas redes sociais. Só em Portugal, Bobak passou, nos últimos dias, por várias faculdades dos Açores, de Lisboa, de Aveiro e de Braga, além do Porto, que visitou na quinta-feira, 16 de outubro. “Nunca ninguém me tinha perguntado sobre a segurança do software do Curiosity e só em Portugal já o fizeram duas vezes”, sublinhou ao P3. “Não sei se os jovens portugueses estão mais preocupados com os hackers ou se tentam encontrar formas de atacar o robô”, brincou.

O Curiosity, que obrigou Bobak “a viver na hora de Marte, cujos dias têm 24 horas e 40 minutos, durante três meses”, pode “facilmente manter-se operacional durante uma década”, haja dinheiro para prolongar missão e assegurar “a saúde do robô”. O jovem engenheiro vai continuar a desenhá-lo nos autógrafos que distribui no final das conferências, sempre acompanhado da frase que é, também, um conselho aos jovens entusiastas do espaço: “Dare mighty things” (“ousa fazer coisas poderosas”, numa tradução livre).