O pé pendente, ou síndrome do pé caído, impede o movimento de puxar a ponta do pé para cima, provocando um padrão de marcha anormal e um claro desconforto. Esta patologia pode ser consequência de uma lesão nos músculos ou de lesões dos nervos periféricos, provocadas por um acidente vascular cerebral, por exemplo.

A pensar em quem sofre com esta disfuncionalidade, o MIT Portugal deu origem a um grande projeto com várias universidades do país, do qual, mais tarde, Paulo Melo veio a fazer parte. Como tese de doutoramento no Instituto Técnico de Lisboa, desenvolveu “um sistema modular de estimulação elétrica para reabilitação motora”.

Projeto sobreviveu sem “dinheiro para quase nada”

Por outras palavras, uma ortótese [“equivalente à prótese, mas que não substitui o membro e sim a sua função, porque ele está lá mas está paralisado”] que “abraça e envolve o membro” e contém sensores para “detetar em que posição o pé está” e “um dispositivo que gera estímulos elétricos e faz o trabalho que o cérebro faria se estivesse a funcionar corretamente”, fazendo o pé atuar.

Uma forma de “promover a locomoção” mais correta e “ajudar à reabilitação” que, esta quarta-feira, arrecadou o primeiro prémio da categoria PhD do Fraunhofer Portugal Challenge – isto é, três mil euros. Com um “empréstimo de propina” para pagar e um projeto com “os últimos dois anos muito maus” a nível financeiro, em que “não havia dinheiro para praticamente nada”, esta distinção não podia chegar em melhor altura.

O próximo passo, depois de, quem sabe, uma publicação ou uma patente, é investir em “produzir mais estimuladores” com vista à sua comercialização, para colmatar “uma grande falha do mercado”. “Alguns investigadores, sempre que querem estimuladores portáteis e leves, vêm-se deparados com este problema, que foi o que nós também tivemos, e que nos levou a desenvolver este produto”, conta Paulo.

“Isto vem preencher uma grande necessidade clínica”

O concurso

Organizado desde 2010, o Fraunhofer Portugal Challenge procura encorajar a cooperação entre a indústria e a comunidade científica, motivando e premiando a investigação de utilidade prática. Anualmente, são distinguidas as melhores ideias nas áreas de Tecnologias de Informação e Comunicação, multimédia e ciências relacionadas. O concurso [regulamento] envolve duas categorias – Mestrado (MSc) e Doutoramento (PhD) – sendo premiados três finalistas em cada uma delas. Do júri, composto por um painel de especialistas convidados, faziam parte nomes como Filipe Araújo, vereador da Inovação e Ambiente da Câmara Municipal do Porto, João Ferreira, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e representantes de empresas, como Marco Marques, da Bosch; e José Oliveira, da Vodafone Portugal.

Ricardo Eleutério também apostou na saúde e saiu-se bem – o primeiro lugar na categoria MSc, no valor de dois mil euros, é prova disso. Com 23 anos e finalista do mestrado em Engenharia Biomédica pela Universidade Nova de Lisboa, desenvolveu “uma técnica não invasiva para detetar possíveis metástases do cancro da mama na região axilar” [que acontecem em 80% dos casos].

Esta técnica, através da imagiologia por micro-ondas, oferece uma alternativa às usadas atualmente, consideradas ou insuficientes ou muito invasivas. É o caso da mais comum, a biópsia aos gânglios axilares, que implica um período de recuperação lento, algum risco de infeção e um desconforto, muitas vezes, desnecessário. “Isto vem preencher uma grande necessidade clínica”, afirma Ricardo.

A ideia foi da orientadora de Ricardo mas o estudante de Évora abraçou-a desde o início. Agora, com o doutoramento em vista, não tem dúvidas de que quer continuar a explorar esta área, ainda que esteja dependente de fundos. “Isto é completamente inovador, esta técnica não está a ser aplicada em mais nenhuma parte do mundo”, afirma. “E pode trazer tantos benefícios para tanta gente”.

Seis projetos premiados na final

A partilhar o pódio com Ricardo estiveram ainda Ana Pompili (segundo lugar, mil euros) e Karen Duarte (terceiro lugar, 500 euros). A primeira, uma italiana a dar cartas em Portugal, desenvolveu uma plataforma online para o tratamento de doentes afásicos. A segunda, aluna da Universidade de Coimbra, criou o SmartGuia. Um sistema de navegação para cegos, desenvolvido essencialmente para edifícios públicos.

Já na categoria de Paulo, o segundo lugar foi conquistado por Gilberto Almeida, com o EarGram, um software que auxilia músicos na manipulação de sinais áudio em contextos criativos. O terceiro coube a Pydi Ganga, com uma plataforma para desenvolver circuitos integrados com tecnologias a-GIZO TFT. Dois projetos da Universidade do Porto que ganharam 1500 e mil euros, respetivamente.

Este ano, o concurso recebeu centenas de inscrições de 12 universidades diferentes. 25% da Universidade do Porto, que liderou a “lista”, a par da Universidade Nova de Lisboa, com 13,9% dos candidatos. Para além dos prémios em dinheiro e tendo em conta o desempenho dos candidatos durante o processo de seleção, é-lhes dada ainda a possibilidade de integrar a equipa da Fraunhofer AICOS.