“O muro vai cair, tens de ir para lá”, disse Henrique Mota, na altura diretor de informação da Renascença, a Francisco Cortez, há 25 anos atrás. Mas “parece que foi ontem”, começa o ex-jornalista, enviado especial à Alemanha, para a queda eminente do Muro de Berlim, em 1989.

Francisco, na altura com 24 anos e a meio do curso de Direito, não teve muito tempo para se mentalizar de que estava de partida para um dos trabalhos que mais marcariam a sua carreira como jornalista, como hoje recorda.

Chegado a Berlim Ocidental, instalou-se na casa de um amigo. A 9 de novembro estava lá, a assistir à queda física do muro e à “festa que foi a passagem dos alemães de leste para o lado ocidental”. “Parecia que as pessoas tinham sido libertadas, que tinha havido uma espécie de revolução… houve abraços e tudo”, recorda.

O choque cultural

O contacto com os “alemães de leste” e a visita ao lado oriental, foi um “choque”: “Foi como se tivesse entrado numa máquina do tempo”, lembra. “Passar de um lado para o outro era andar uns 30 ou 40 anos para trás. Era a arquitetura, o vestuário… aliás, o vestuário era provavelmente o que mais chocava, era completamente diferente, era quase como ver as pessoas dos filmes dos anos 40, 50”, conta Francisco.

A queda do muro, no entanto, não significou de imediato a reunificação das Alemanhas. Na altura, essa era uma questão em aberto. “Claro que a resposta mais óbvia era que sim”, afirma Francisco. “As pessoas acreditavam que era inevitável e não havia razões para pensar que não [uma reunificação] seria pacífica, ainda que com alguns choques normais, culturais e económicos. Ou seja, a verdadeira questão era se a Alemanha ia ter capacidade para absorver tudo isso e dar um nível de vida igual a todas as pessoas”, desvenda.

Os diretos para a Renascença eram feitos nas cabinas de telefone públicas e o trabalho correu bem, à excepção de quando caia a chamada… ou acabavam as moedas. Foi lá que viu o aquilo que se pode chamar de “primeiro telemóvel”: “Uma mala enorme que um japonês utilizava para fazer os diretos no meio da praça”.

Por cá, os portugueses consumiam ávidos as notícias que chegavam da Alemanha. “A ideia com que eu fiquei é que as pessoas tinham todas a noção de que estava a acontecer um momento histórico, daqueles que marcam a vida, como o 25 de Abril em Portugal”, explica. “E não só pelo que acontecia naquela cidade mas o que isto significava para a Europa, para o Mundo”.

Pedro Leal acredita que, para além do momento, em que “se assistia ao fim de um ciclo”, também a “cultura do Internacional” era diferente. “O Internacional hoje está muito ligado a escândalos. Nos anos 80, as notícias de internacional eram mais estruturais. As pessoas não consumiam só o Ébola, sabiam o que se passava em França, o que se passava na Itália…”. Para além disso, depois disto, todos sabiam que “que o mundo ia ser diferente”.

Viver um “momento zero das coisas” e “testemunhar a História”

Experiente nos assuntos de Leste Europeu (acompanhou todo o processo desde a queda de Nicolae Ceausescu, na Roménia) Pedro foi o enviado especial da Renascença para as primeiras eleições livres na República Democrática Alemã (RDA). “Tinha um bom conhecimento, na altura, das situações”, mas ainda assim a realidade conseguiu surpreendê-lo.

“O que mais me impressionou, na altura, foi a mentira do muro”, conta. Fisicamente ou não “o muro ainda existia e chocou-me a encenação de uma coisa que já tinha acabado mas ainda era real”, afirma. Chocou-o também o facto da RDA “encenar ser um país diferente quando toda a gente já sabia que ia ser reunificado com a Alemanha Ocidental”.

“Os novos líderes da Alemanha Democrática acreditavam na mudança”

Por outro lado, impressionaram-no “muito positivamente os novos líderes da Alemanha Democrática, que tinham um entusiasmo e uma jovialidade muito grande. Acreditavam na política e na mudança”, recorda. A entrevista com aquele que viria a ser o primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha democrática foi, aliás, um dos momentos que mais marcou a sua estadia.

“Falava com muito entusiasmo do novo país, com uma grande esperança e grandes certezas sobre o futuro. O que eu ali vi foi aquilo a que chamamos um “momento zero das coisas”, As pessoas estavam honestamente a acreditar naquilo que estavam a construir na altura e é nessas alturas que estamos a testemunhar a História”, sublinha Pedro Leal.

Nesta altura, a questão da reunificação ainda era debatida, com uma agravante: o entusiasmo inicial do “reencontro” já se tinha desvanecido. “Havia muitos alemães ocidentais que já estavam fartos das incursões dos alemães orientais a Berlim”, afirma.

Em outubro de 1990, Berlim era “uma cidade tensa”

Quando Isabel Reis, enviada especial da Rádio Nova lá chegou, para a cerimónia da reunificação, pode comprová-lo: “[Os alemães de leste] não eram maltratados quando iam para Berlim Ocidental, mas já existia uma certa indiferença”. Para além disso, os ocidentais acreditavam que “que ia existir uma fatura a pagar pela reunificação”, graças às diferenças a nível económico das “duas Alemanhas”.

O contacto com os locais

Isabel Reis, com a lotação dos hotéis da cidade devido à cerimónia, ficou alojada na casa de um particular. Iniciativa do Governo alemão, que pediu ao berlinenses para acolherem os jornalistas nas suas casas. A história, para ouvir aqui.

Por isso, o que encontrou a outubro de 1990, foi muito do que estava à espera: “Cheguei a Berlim com a ideia de que haveria uma felicidade expressa por finalmente serem uma, que haveria uma espécie de pacificação entre os dois povos”. Encontrou “uma cidade tensa, agitada, com focos de conflito isolados. Não havia muro, mas havia muro. Fisicamente não o vi, mas sentia que existia essa divisão na mesma”, conta.

Com “20 e poucos anos”, e “a noção de que ia cobrir profissionalmente um acontecimento que ia ficar nos compêndios da História, pela primeira e única vez na vida”, esperava nada menos que uma “cerimónia extraordinária”. Não correspondeu, nem com três mil jornalistas que estariam na cidade, para a cobertura mundial.

“O mundo como nós o conhecíamos deixou de existir”

Hoje, Isabel nem se recorda “muito bem do que aconteceu”, mas não esquece o “frio terrível”. “Na altura o que descrevi foi uma cerimónia sem alegria. E quando acabou o direto, lembro-me de me terem perguntado: ‘Mas é só isso?’ E era. Depois da meia noite já nem sequer estava lá quase ninguém. A cerimónia foi rápida, houve o fogo de artifício e pronto”, descreve.

“Entre a queda do muro, as eleições e a reunificação passou muito tempo, o que permitiu às pessoas – principalmente em Berlim Ocidental – perceber o que ia acontecer”. Acima de tudo, perceber que este ia ser um processo complicado: “Ainda hoje estas situações não estão resolvidas, porque isto não acontece de um momento para o outro. Pode-se desfazer a ideia de um país de um dia para o outro, não se desfaz um país de um dia para o outro”, acredita Pedro Leal.

O que é certo, garante Isabel, é que “o mundo como nós o conhecíamos deixou de existir. Todos comprámos um novo atlas”.