Sei que vem de uma família de músicos… foi isso que te levou a enveredar pelo mundo da música?
Sim e não. Isto surgiu principalmente pela necessidade de me apegar à música quando o meu pai faleceu, e, na verdade, acabou por funcionar como um refúgio. Foram muitas as vezes em que a minha mãe me disse que eu ia ser músico e eu contradizia dizendo que queria jogar futebol ou andar de skate (risos). Mais tarde, num momento de introspeção, a música abraçou-me e eu não consegui sair dos braços dela.
Mundo Segundo + Convidados
Dealema atua no Hard Club, no Porto, este sábado, 15 de novembro, a partir das 21h30. Um concerto integrado nas comemorações dos 35 anos da Juventude Comunista Portuguesa onde também estarão também presentes artistas como Capicua e NTS. A entrada tem um custo de dois euros.
Já conta com duas décadas de carreira… é mais fácil começar hoje ou há vinte anos atrás”
Sem dúvida, é mais fácil começar hoje em dia. É muito mais fácil gravar música e fazer as próprias maquetas em casa. Há 20 anos estávamos ainda a descobrir como poderíamos gravar músicas… era o tempo das cassetes, não existiam muitos computadores e ter um era um luxo. Por isso, eu acho que agora é muito facilitada a forma de te iniciares e fazeres música. Por outro lado, é mais difícil evidenciares-te porque existe muita oferta.
O que pensa de fenómenos como Liga Knockout e Liga Bago, um pouco à luz de poesia violenta, que nasceu na Invicta…
Esses fenómenos como Liga Knockout e outras do mesmo género, são boas para quem pretende fazer um determinado rap, nomeadamente, que se se associe ao rap de batalha… nesse sentido, são uma boa rampa de lançamento para Mc’s que procurem esse estilo de música. Mas não é o melhor caminho se pretenderes fazer um outro tipo de música que não esteja relacionado com isso. É melhor ficares em casa ou no estúdio e treinares o máximo possível até achares que já está bastante aprimorado para poderes mostrar ao público a tua música.
“As corporações perspetivam isto como um negócio e não como uma arte”
“Os putos são fantoches nas mãos de grandes empresários que os exploram noite e dia em busca de montantes extraordinários”… acha que há realmente um aproveitamento por parte das grandes companhias discográficas?
Sim, honestamente acho que agora essa realidade é bastante mais visível, porque o Hip Hop ganhou mais fãs e o público que ouve rap cresceu consideravelmente. Eles têm pouca experiência nesta indústria musical repleta de tubarões que nos sugam até ao osso. E é o que se passa hoje em dia, os jovens não têm orientação, não sabem o que é ter um agenciamento, fazer estrada, quanto é que devem receber por atuação, quanto é que têm direito receber pelos discos que vendem e nesse sentido são totalmente explorados… provavelmente, acordam mais tarde para esta realidade com a qual nós efetivamente tivemos de lidar desde o início da nossa carreira, já que somos músicos independentes e tivemos de perceber qual era a realidade da indústria desde cedo. Já tivemos também, enquanto Dealema, associados a uma editora, da qual conseguimos o máximo que queríamos para nós, digamos assim. Quando tal deixou de acontecer, decidimos que era altura de dar o salto fora. Ou seja, é bom que todas as pessoas que estão por dentro deste jogo, o jogo da música, se apercebam mais cedo ou mais tarde, de que as corporações perspetivam isto como um negócio e não como uma arte.
É fácil fazer vida da música?
É realmente muito difícil porque estar na música é basicamente uma missão. Hoje podes estar em alta, amanhã estás em baixa e tens de saber lidar tanto com a emersão como com a submersão, por assim dizer. Se estás em cima, tens uma vida espetacular e podes sentir a pressão do sucesso ou da fama, como quiseres chamar, e depois também tens o outro lado que é quando tens de saber lidar com a pressão de perceber que nem tudo é bom. Há pessoas que cedem à pressão, outras que não. Quanto a mim, tento sempre manter-me com os pés bem assentes no chão e, acima de tudo, não me esquecer que sou o Edmundo Silva muito antes de ser o Mundo Segundo.
O Hip Hop: lá fora x cá dentro
“Esta cultura nos Estados Unidos é como para nós o fado, faz parte da cultura deles. Era a mesma coisa que fazer a pergunta ao contrário relativamente ao fado nos Estados Unidos. Mas eu acho que este estilo já ganhou um espaço na sociedade portuguesa e, nos últimos vinte anos, tem sido muito visível o seu crescimento. É por isso que o Hip Hop já está na televisão e já se usa o rap nos reclames, como em tantas outras coisas, e isso é uma prova de que realmente já estamos mais do que infiltrados. Agora, a verdade é que nunca vamos dar o mesmo protagonismo ao rap que eles dão, pois este funciona como a base deles e da sua cultura. No entanto, já temos um espaço bom para nos podermos movimentar”.
A lusofonia é algo que tem vindo a crescer e a impor-se nos últimos anos, até porque são cada vez mais os falantes da língua portuguesa… acha que o rap pode ser um meio “construtor de pontes entre o Brasil e Portugal”, por exemplo, e que pode derreter o gelo, “cortando as distâncias, tal e qual e internet”, como canta na música com o Vinícios Terra e com o Halloween?
Sim, com toda a certeza. Este já foi o segundo ano em que fui convidado e tive a oportunidade de participar num festival de Lusofonia, decorrido no Brasil, e julgo que essa barreira entre países – e não só com eles mas também com África -, se tem vindo a quebrar através de alguns músicos. Estamos numa fase embrionária relativamente ao Hip Hop, porque a verdade é que em relação a outras áreas já estamos muito mais desenvolvidos, mas penso que progressivamente a nossa família musical já ultrapassa as fronteiras portuguesas. Os brasileiros já começam adquirir o hábito de ouvir rap português, tal como já ouvimos o brasileiro há alguns anos. A própria comunidade africana também já começa a ouvir aquilo que é feito em Portugal. Assim, penso que estamos numa boa direção para que nos próximos dez anos comece a ser recorrente haver esta ligação e partilha entre músicos.
O que significam os Dealema?
Para mim os Dealema são a minha vida, a minha família, a razão pela qual eu acordo todos os dias e me proponho a trabalhar e a ser uma melhor pessoa, um melhor músico, um melhor tudo. Ser um pedaço melhor para o mundo. Isso para mim é Dealema.
Foi fácil dar o passo em frente para iniciar e te lançar uma carreira a solo?
Foi. Já o fazia, de certa forma, em casa. Lancei o meu primeiro álbum a solo somente em 2008, mas já desenvolvia muitos planos em casa, ao contrário daquilo que acontece hoje em dia. Eu fui melhorando a minha arte, até achar que era a altura ideal e que já tinha estofo ou arcabouço suficiente para fazer um disco sozinho e torna-lo interessante e não apenas mais um conjunto de músicas. Então, não foi muito difícil, foi bastante natural, só me desafiei a ir evoluindo progressivamente e, quando finalmente achei que estava no ponto, decidi abrir a porta à minha carreira a solo.
“Tudo o que for diferente e tiver qualidade, sou fã”
Quais são os grandes nomes e as principais referências do Hip Hop a nível nacional e internacional?
No que respeita a nível de referências nacionais é um bocado ingrato estar a mencionar nomes, porque quando comecei quase não tínhamos referências pelas quais nos seguirmos e guiarmos. Ou seja, as pessoas é que acabam por ver mais uma referência em nós do que nós nelas, uma vez que fomos dos primeiros a começar. No entanto, um grupo que definitivamente me fez dar o passo em frente foram os Mind da Gap, pois foi um dos primeiros grupos com quem convivi. Aliás, durante a minha infância fui vizinho do Ace, já o conhecia há muitos anos, e isso fez com que eu olhasse para eles e visse um verdadeiro grupo de Hip Hop da cidade do Porto. Sam the Kid, Chullage… apesar de hoje em dia já não estarem tanto no ativo, são pessoas que admiro bastante. Porém, existem outros projetos mais recentes, como Virtus, DEAU, Dillaz, os Gatos do Beco… no fundo, gosto de tudo aquilo que tem um registo diferente do que eu faço. As pessoas pensam que temos mais empatia com aqueles que são parecidos connosco, mas nós gostamos mais dos diferentes, porque, de certa forma, não estão a cingir-se àquilo que nós fazemos e estão preocupados em realmente levar a arte a outro nível. Nesse sentido, tudo o que for diferente e tiver qualidade sou fã.
Com quem gostava de fazer uma música e tal ainda não se tenha proporcionado?
Gostava de o fazer dentro do Hip Hop e fora dele. Sonho um dia poder fazer um disco com muitos artistas portugueses, especialmente com os mais antigos. Passei a minha infância a ouvi-los, através dos meus pais. Tudo vai depender da oportunidade de contactar com as pessoas certas e apresentar-lhes o meu projeto, mas penso que ainda tenho muito tempo para poder concretizar isso. Dentro do rap, todas as pessoas com quem me identifico e ainda não tenha dividido uma música, está tudo em aberto. Tudo o que já existe e for aparecendo com qualidade, eu tenho todo o gosto e interesse em participar. Basicamente eu gosto de fazer música com convidados e participar nos álbuns de outros músicos.
Planos para 2015?
Muitos planos para 2015… estamos a cozinhar um projeto nos Dealema, que eu não posso dizer propriamente o que é, mas está a acontecer (risos). Iremos lançar no próximo ano uma espécie de peça nova de coleção. Estou também, entretanto, a fechar o meu disco com o Samuel (Sam the Kid) e temos estado empenhados nisso. É especialmente nesses projetos que me estou a focar neste momento. Para além disso, estou ainda a produzir algumas coisas para o Maze, que também está a começar a escrever no sentido de preparar um disco a solo. Pronto, no fundo é isso.