‘A’ Bodyspace ou ‘o’ Bodyspace?

É uma coisa com dois sexos. Há quem chame a webzine Bodyspace e há quem chame o site Bodyspace… Cada um é que escolhe o sexo do Bodyspace.

A Bodyspace tem 12 anos… Como é que começou o projeto?

Começou porque uns apaixonados de música de várias partes do país – Lisboa, Porto e algumas pessoas do interior – sentiam uma necessidade de ter não só um sítio onde pudessem discutir música, mas também de um sítio onde pudessem discutir música em conjunto e pensar música em conjunto. Aconteceu de uma forma muito informal, seguindo, até, aquilo que estava a acontecer noutros países. A Pitchfork tinha sido criada há muito pouco tempo. Nasce também como a necessidade de ter algo do género em Portugal. E o online é uma realidade cada vez mais presente nos meios de comunicação. Eu só entrei, creio eu, dois anos depois.

1. A relação com o Brasil

“A ponte com o Brasil é uma ponte que nós temos vindo a tentar criar cada vez mais, não só porque é uma extensão óbvia do nosso público, mas porque há cada vez mais música interessante vinda do Brasil. Quando um site escreve em português, à partida está limitado, em termos de público. Por isso, essa relação com o Brasil é algo que nós queremos, cada vez mais, explorar. Há lá um universo de público e de pessoas que gostam de música que é completamente diferente do nosso, por uma questão óbvia e geográfica de população”.

A vossa redação é composta por pessoas que vivem em Lisboa, no Porto, e até em outros sítios. Onde se encontram? E como é gerir estas pessoas todas, como editor?

Podem não ser todas do Porto e de Lisboa, mas são todas dos arredores de Porto e Lisboa. Eu sou um editor caseiro. Obviamente, não há uma redação do Bodyspace, a redação do Bodyspace é a minha casa. E o fórum que nós temos onde se reúnem os textos todos e onde se editam os textos todos. Colaboradores fora dessas duas cidades… nós temos uma coisa já há dois anos e meio em que convidamos alguém para assumir uma espécie de residência mensal em que vários jornalistas têm liberdade total para escreverem sobre o que lhes apetece e interpretarem quem lhes apetece. E muitos deles são de várias zonas do país – e muitos deles são do Brasil (ver caixa 1.). Isto para dizer e voltar ao ponto inicial de que o Bodyspace é 100% virtual. Talvez um dia haja [uma redação], talvez não. Mas, à partida, será sempre assim.

Vocês são consumidores ávidos de música… Algum de vocês apostou, alguma vez, numa carreira musical?

Há bastantes pessoas ali que também fazem isso. Eu já fiz parte, em tempos, de um grupo de música experimental improvisada chamada DOPO. O Bruno Silva tem um projeto musical e o Simão Martins também. Pode dizer-se que há um certo apetite das pessoas que passam tanto tempo a escrever sobre música de tentar um dia fazer música. E há muitos casos no jornalismo português, de jornalistas conhecidos na nossa praça, que começaram por escrever sobre música e um dia se lembraram de começar um projeto musical. Se calhar é quase a vontade de estar do outro lado e de perceber como é que se faz, e isso pode mudar depois a forma como tu escreves sobre música.

“Queremos assumir essa ‘despesa’ de ter um papel ativo na cultura da cidade”

Como é que são organizados os eventos Bodyspace? Escolhem um artista e tentam trazê-lo cá?

Nós não somos uma promotora, somos uma entidade que faz programação ou curadoria, embora não goste da palavra. Há quatro anos que fazemos concertos no Serralves em Festa. Temos um orçamento e a missão específica de curar quatro ou cinco concertos por edição… E para nós é um formato que nos interessa porque, de facto, não temos esse papel de promotora. Depois, há outras várias hipóteses de colaborações. Com o Café au Lait, por exemplo. Nós tivemos, durante três anos e meio, um ciclo de concertos que acontecia todos os meses, ao domingo, ao final da tarde, que se chamava Bodyspace au Lait. Entretanto, por vários motivos, terminou, mas ainda hoje nos falam muito sobre isso. Há vários formatos possíveis e em nenhum deles nós assumimos o papel de promotora, porque não temos orçamento para isso. O Bodyspace não tem qualquer tipo de receita, por isso não temos a capacidade que têm outras promotoras do país em assumir essa responsabilidade na totalidade. Mas há vários formatos possíveis e isso é algo que nós queremos, cada vez mais, agarrar. Queremos assumir essa ‘despesa’ de ter um papel ativo na cultura da cidade, porque é aqui, [no Porto], que estamos ‘sediados’. Se não for em nenhum dos palcos, que seja em exposições ou a programar documentários musicais. Queremos mexer – e os concertos são apenas uma face dessa nossa atividade.

E o Porto, acha que está cada vez mais, ou cada vez menos, virada para a cultura?

Por um lado, há cada vez mais público. Por outro, há cada vez mais ruído. Sou desde sempre defensor da “movida” e desse crescimento da vida da cidade – é impossível estar contra isso – mas isso também tem os seus pontos prejudiciais. E às vezes temo que se possa cair demasiado numa espécie de distração do que se passa nas salas de espetáculo e nos sítios onde se faz cultura. Por outro lado, é óbvio que o Porto, hoje em dia, tem mais público – tem mais público interessado, mais conhecedor.. E tem mais público que, mesmo que não viva na cidade, “vive” na cidade, pelo menos. E isso é indissociável do sucesso das iniciativas que temos feito nos últimos tempos.

A relação com os artistas

“Eu costumo dizer que o meio é muito pequeno. E tu acabas por, quer queiras quer não, criar uma relação com essas pessoas. É um bocadinho inevitável. A riqueza da música é de nos trazer amizades, de vez em quando. O que não significa que por termos programado um concerto com alguém, não possamos criticar negativamente o disco que esse artista venha a lançar. Tentamos e conseguimos, sempre, ter essa distância e essa independência, porque senão acabamos por ser amigos a escrever sobre amigos e para amigos e isso não interessa a ninguém. Mas é óbvio que fazemos amizades e há artistas com quem nos identificamos mais. Porque isto – e apesar de não dizermos isto muitas vezes – é tudo uma questão de gosto. Deves manter a independência, mas o gosto é que dita aquilo que tu pensas, aquilo que tu interpretas de um disco ou de um artista. É impossível separar o gosto e ser perfeitamente frio e irracional em relação a alguma coisa. Isso não é escrever sobre música, é escrever sobre eletrodomésticos. A música é gosto, também. A crítica também vem do gosto e das ideias que formaste acerca de um artista”.

Em relação aos artistas portugueses… Acha que têm de dar o dobro para terem algum seguimento? Porque ainda achamos que o que é nacional é, de alguma forma, mau?

Eu acho que isso mudou nos últimos tempos. Acho que caiu um certo preconceito de que tudo aquilo que fazíamos era uma cópia ou uma cópia mal feita do que existia. Não toda a música, obviamente, mas alguma. A música portuguesa, até por força dessa diversidade, nunca teve tanta identidade como tem hoje. Por exemplo, os Dead Combo são algo que têm uma identidade portuguesa muito forte e acho que essa diversidade e a forma como a música portuguesa se impôs no público e consegue encher cada vez mais salas e equiparar-se à música que se faz lá fora, construiu uma imagem de credibilidade junto das pessoas. Acho que hoje em dia isso já não se verifica – já não há a palmadinha nas costas nem o desconto tuga. Acho que as pessoas já não têm vergonha – se é que alguma vez tiveram – de gostar de música portuguesa.

Onde vê a Bodyspace daqui a cinco anos? Há espaço para se expandirem?

O que eu espero é que continuemos a ser uma webzine mas que possamos, cada vez mais, assumir um papel ativo na cultura do Porto – mais uma vez porque estamos aqui sediados – mas do país também. Queremos provocar cruzamentos, queremos fazer compilações, queremos fazer exposições relacionadas com música, queremos fazer concertos e curadoria relacionada com festivais, queremos ter novas ideias e colaborar com salas de espetáculo. Não queremos ser uma promotora, queremos ser um agente cultural. Espero que daqui a cinco anos possamos fazer isso. Mas tudo isto é muito volátil e instável. Há 10 anos atrás, por exemplo, não tínhamos uma vida tão ativa e estávamos todos a sair da universidade. E era tudo relativamente mais simples e a disponibilidade era muito maior. Hoje em dia, as pessoas que começaram a escrever na Bodyspace estão no Público, na Blitz… Ainda que indiretamente, a Bodyspace assumiu esse papel de formadora de críticos. Mas o preço disso é que todos nós temos muito menos tempo. Não sei se daqui a cinco anos estaremos aqui, mas vou fazer de tudo ao meu alcance para que continuemos a existir.