O segundo dia da 16.ª edição das Correntes d’Escritas ficou marcado pela entrega dos Prémios Literários 2015. O grande galardão do evento foi atribuído à obra “Categorias e outras Paisagens” de Fernando Echevarría, distinguido entre um conjunto de 13 finalistas. Mas foram 80 as obras de poesia que concorreram. O júri afirma que “Categorias e outras Paisagens” é um livro que “revela um carácter monumental, impressionante pelo seu fôlego e constante equilíbrio de espessura poética.” O vencedor – e aniversariante – acredita que a grande maioria das pessoas desconhece a sua obra porque “a poesia é um género que exige atenção, que exige muita leitura”. “Por isso é que se lê tão pouco”, diz. “Custa mas tudo o que custa dá prazer”. O prémio monetário de 20 mil euros será entregue na Sessão de Encerramento das Correntes d’Escritas, dia 28 de fevereiro.

Foi Luís Diamantino, vereador da Cultura da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, quem dirigiu o anúncio dos galardoados. O Prémio Fundação Dr. Luís Rainha foi para “O Céu do Mar” de João José da Conceição Morgado, da Covilhã. Embora no ano anterior o júri não tenha atribuído este prémio, por acreditar que faltava qualidade aos trabalhos, nesta edição decidiu conceder também uma menção honrosa a “A Carreta do salva-vidas- folhas d’album” de António Azevedo Cunha e Silva, natural de Matosinhos. O vencedor receberá 1000 euros e o seu livro será publicado pela Fundação.

A 7.ª edição do Prémio Conto Infantil Ilustrado Correntes d’Escritas/Porto Editora pertence à obra “Uma Amizade Misteriosa”, elaborada pelo 4.ºA do Externato Infantil e Primário “Paraíso dos Pequeninos”, situado em Lourosa. A atribuição deste prémio foi unânime e consensual. No total foram seis os premiados, entre 40 trabalhos que entraram no concurso. As escolas vencedoras tiveram direito a prémios monetários entre os mil e os 250 euros e os seus trabalhos serão editados em livro.

“Insone” de Cândida Filipa Oliveira Sousa foi galardoado com o Prémio Papelaria Locus. O poema foi escolhido entre cerca de 180 trabalhos inscritos, de jovens entres os 15 e os 18 oriundos de vários países de expressão portuguesa. Além de um prémio em dinheiro no valor de mil euros, “Carmen de Oliveira, pseudónimo utilizado pela vencedora, irá ver o seu trabalho publicado na próxima Revista Correntes D’Escritas.

A cerimónia contou também com a apresentação da Revista Correntes d’Escritas. A 14.ª edição deste dossiê é dedicada a Almeida Faria, que celebra 50 anos de publicação do seu poema em prosa “Paixão”. O escritor acredita que a Literatura é um diálogo entre as obras-primas do passado, as obras-primas que lemos e os autores. Nesta data especial Almeida Faria revela que escrever é um “vício quase secreto” e positivo, “porque a gente liberta-se de muitos traumas, pesadelos, angústias e frustrações. A Literatura nesse aspeto é muito saudável.”

O evento encerrou com um discurso do Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, Aires Pereira, onde realça que a cultura produz riqueza, ao contrário do que se costuma dizer. O Presidente revelou que o Cine-Teatro Garret foi recuperado e será o novo palco central das Correntes D’Escritas já nesta edição. Aires Pereira justifica o investimento com o facto de “a cultura, articulada com a oferta turística”, gerar “riqueza e emprego, além de fortalecer as identidades”. “É, por essa via, um dos pilares mais sólidos da recuperação económica e da promoção nacional e internacional das cidades”, afirmou.

“A cultura não são jogos florais”

As boas-vindas de José Carlos de Vasconcelos, diretor do Jornal de Letras, deu o mote à apresentação de Guilherme de Oliveira Martins. O presidente do Tribunal de Contas foi descrito como um “homem de grande rigor”, que apesar de ter na Economia, grande parte da sua vida, é na verdade um homem de Letras. A coluna semanal que dispõe no Jornal de Letras, intitulada “A paixão das ideias”, é uma das razões pela qual a cultura desempenha um papel tão importante na vida de Oliveira Martins.

A conferência de abertura “Quem tem medo da cultura?” poderia ser uma mera interrogação, mas consistiu numa ode à cultura e a tudo o que a área pode trazer de benéfico a uma sociedade. As citações de diversos autores, entre eles, Luísa Dacosta, falecida recentemente e tida como uma personalidade querida nas Correntes d’Escritas e na Póvoa de Varzim, foram motivo de referência por Guilherme Oliveira Martins.

A língua portuguesa foi aclamada enquanto uma língua privilegiada, porque só nesta é possível “conjugar o verbo no infinito”. “Amar-te-ei” é a conjugação proferida por Luísa Dacosta, quando colocava a mitologia no mesmo patamar que a língua-mãe, e relembrada no evento por Oliveira Martins: “As Correntes d’Escritas não a esqueceram, não a esquecemos”.

A importância da área cultural e a constante ameaça de que é alvo, a nível orçamental e social, foram focos de alerta para o público. A educação e o jornalismo cultural foram apresentados pelo Presidente do Tribunal de Contas, como pólos de dinamização de uma sociedade que deve ser determinada e ativa. “A cultura não se confronta com jogos florais”, foram as palavras que Guilherme Oliveira Martins utilizou para elevar as Humanidades à audácia.

“A liberdade é um valor relativo”

A mesa “A literatura é um poço de liberdades” juntou Leonardo Padura, Manuel Rui, Martinho da Vila e o moderador José Carlos Vasconcelos para discutir a margem de manobra tida pelos escritores na elaboração e publicação das obras literárias.

Leonardo Padura, escritor e jornalista cubano, falou do seu último livro, “O homem que gostava de cães”, como a expressão da liberdade. Segundo Padura, este é o culminar da busca da liberdade que se reflete nas suas obras anteriores. O autor cubano referiu, ainda, que “o exercício do livre arbítrio é uma luta contra a sociedade e contra o mundo”.

Seguiu-se o escritor angolano Manuel Rui, que começou por caracterizar a literatura como uma amálgama de “ideias, pensamentos e emoções”. Na sua opinião, a liberdade do escritor é condicionada por fatores externos como a religião e as ideologias. Manuel Rui brincou com a metáfora do poço de liberdades e expôs a existência de paredes na estrutura do poço: “ A liberdade é um valor relativo, há a liberdade e depois as liberdades”.

Martinho da Vila, cantor brasileiro, concordou com a existência de liberdade na literatura, pois esta “aprimora o conhecimento, encoraja a expressão e liberta a palavra”. Também escritor, Martinho realçou, enquanto embaixador da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a necessidade de debater a lusofonia. O final da mesa deu-se com um improviso musical do cantor que divertiu a plateia.