O terceiro dia do Correntes d’Escritas 2015 começou com uma sessão intitulada “A Verdade dos Prémios Literários: O Poder das Narrativas e/ou As Narrativas do Poder”. O significado e prestígio dos Prémios Literários, a legitimação e sobrevivência da literatura, bem a discriminação de género na área foram alguns dos temas abordados pelos convidados.
Ana Luísa Amaral, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), descreve o Correntes como “um fenómeno único no país, por reunir tanta gente em torno da Literatura”. Sobre o tema em destaque, defendeu que “os prémios trazem reconhecimento e incentivo”, contudo realça que não escreve poesia para receber prémios, nem para que digam bem, mas por necessidade e satisfação pessoal.
A sua porta-voz do evento foi Ana Paula Tavares, que descreveu o tema como sendo “bizarro” e afirma que prémios podem significar discriminação, pois existem apenas três Prémios Nobel atribuídos a negros – “Luanda, 50 anos passaram, a literatura nunca mais foi a mesma, e nós com ela”.
As palavras que se seguiram foram proferidas por Germano Almeida, que com um humor característico, afirmou ser um “ultraje perguntar a um escritor o que significa receber um prémio, sobretudo se este não quiser ser politicamente correto, e assim não receber mais prémios”.
Inês Pedrosa destacou a falta de visibilidade e apoios ao sexo feminino, ao dizer que as mulheres têm mais dificuldade em encontrar quem as edite, o que faz com que não obtenham prémios e traduções. Para Isabel Pires Lima, professora catedrática da FLUP, afirma que “chama-se literatura a muita coisa que não é literatura”, daí a necessidade de existirem Prémios Literários que destaquem e valorizem as obras puramente literárias e que asseguram a sobrevivência da mesma.
Manuel Jorge Marmelo, vencedor da última edição do Correntes d’Escritas, justificou a sua presença: “Estou aqui no papel de sonhador nostálgico e lutador contra a decadência”. Para o escritor, este evento concede muito mais do que prémios monetários, o reconhecimento e valor de mercado são o grande prémio.
As Correntes fazem-se de histórias
“O Poder das palavras faz-se de liberdade e silêncio” dava início à sessão da tarde com Michael Kegler como moderador. Depois de apresentar brevemente os intervenientes, era a vez de António Cabrita dar aso à imaginação do público com a história de duas tias, onde relevou a importância da palavra, mesmo que esta não fosse verbalizada. O silêncio era assim descrito como uma “forma de comunicação fora da consciência, sem a verbalização”.
Tanto Clara Usón como Manuela Gonzaga utilizaram a religião para demonstrar que nem sempre a palavra é conivente com o silêncio. A instituição do Santo Ofício foi evocada por ambas, numa clara antítese com a liberdade.
Para José Mário Silva, “as palavras não combatem o silêncio, nascem dele”, sendo que a ausência de liberdade é o princípio para prisão das mesmas. Vergílio Alberto Vieira rematou com a ideia de que as palavras são tão poderosas, que a capacidade de iludir alguém é real. Segundo o autor, “a liberdade é um grito tanto em tempo de paz como de rebelião”.
“A escrita é o sal do silêncio”
Paulo José Miranda, Fausta Cardoso Pereira, Nélson Saúte, Andréa Zamorano e João Felgar participaram na mesa “O silêncio é o sal da escrita em construção”, moderada por Francisco José Viegas. A conversa serviu para debater o papel do silêncio no processo de criação.
O romancista Paulo José Miranda reconheceu que o silêncio, apesar de ser uma pausa, é responsável pela evolução das histórias. Para este autor, “a escrita é o sal do silêncio” e não o contrário, pois é ela que tempera o nada que é o silêncio.
Fausta Cardoso Pereira, escritora lisboeta, afirmou de imediato: “Na minha dieta não há sal, porque na minha cabeça não há silêncio”. Durante o processo de escrita, isola-se do mundo e das tecnologias. “Preciso de prestar atenção ao meu interior”, disse Fausta.
A brasileira Andréa Zamorano, dona de três restaurantes e também escritora, falou sobre o barulho que preenche a sua vida, nomeadamente no momento da escrita: “Ouço as palavras a clamar e a gritar o meu nome, como se estivessem presas no silêncio”.
Nelson Saúte, escritor e professor moçambicano, surpreendeu a plateia com as histórias da cultura moçambicana, nomeadamente da conotação feliz que um funeral tem no seu país. “As noites africanas são barulhentas, eu escrevo quase a dançar”, contou Nélson.
O último interveniente foi João Felgar, um juiz tornado escritor, que concluiu a mesa com a ideia de que “o silêncio não é vazio, tem corpo, vontade e objetivos”.
Um serão com literatura e humor
Na companhia de Afonso Cruz, Ana Cássia Rebelo, Bruno Vieira Amaral, João de Melo, Pedro Teixeira Neves e Rui Zink, no Cine-teatro Garrett, o público foi presenteado com uma dose de humor, ironia e muito savoir-faire. A moderação esteve a cabo de Henrique Cayatte, que desejou “boa sorte” a cada um dos intervenientes, naquilo que considerava um tema desafiante: “Da escrita em ruínas transpiram as intermitências da vida”.
Se para Afonso Cruz, “as faturas precederam a poesia” no que chama um atual “despedaçar” da cultura, Ana Cássia Rebelo não se considerou uma escritora, mas sim uma “boa leitora”, uma pele que diz conhecer bem. O romance “Montes dos Vendavais”, de Emily Brontë, foi um exemplo utilizado pela autora para descrever a presunção de alguns escritores face a obras que considera de qualidade.
As ruínas são, na opinião de Bruno Vieira Amaral e de Pedro Teixeira, lugares-comuns de inspiração para os poetas, pelo que o processo de escrita é um mundo de recriação de escombros.
A noite terminou com Rui Zink, para quem a dualidade entreter/incomodar dá um gosto especial. “O país de rótulos” como classifica Portugal, é também o mesmo que motiva as críticas mais humorísticas. “A escrita é algo que rasga” ao demonstrar a realidade, foi a conclusão de Rui Zink e a ideia que colocou um ponto final no terceiro dia do evento.