O quarto dia começou com a mesa “Da vida restam memórias, vazio, literatura”, constituída por Mário João Alves, Uberto Stabile, Cláudia Clemente, Carlos Castán e Renato Filipe Cardoso e moderada por João Gobern.
Mário João Alves, escritor e músico, abriu a conversa com a ideia de que a felicidade não é material, pois encontra-se nas memórias. Por outro lado, comparou os livros à vida: “Um livro é como a vida – deixa-nos sempre memórias e um vazio quando terminamos de lê-lo”. O escritor espanhol Carlos Castán também falou da memória e leu alguns excertos do seu último livro, “Má Luz”. Carlos considera que é a memória que forma os seres humanos: “Somos feitos de memórias e, muitas das vezes, elas tornam-se literatura”.
O poeta espanhol Uberto Stabile partiu de recordações da sua infância e reconheceu a ordem dos três momentos do tema da mesa: memórias, vazio e literatura. O foco da sua intervenção foi a poesia, um elemento que, na sua opinião, é de grande pluralidade e universalidade. Uberto associou o vazio a este género literário, pois “o poema é uma construção efémera do tempo, é sempre vazio”.
Cláudia Clemente, escritora e realizadora, deu um rumo diferente à conversa, ao dizer que “os cemitérios dão as melhores histórias, porque concentram uma grande quantidade de memórias”. Leu, seguidamente, um conto seu, passado num cemitério em Paris.
O poeta e locutor Renato Filipe Cardoso terminou a conversa com uma perspetiva satírica do tema. Num alguidar, juntou vários objetos associados à literatura, às memórias e ao vazio, “cozinhando” uma reflexão que fez rir a plateia.
Literatura é ver para além de
“Literatura: uma questão de inteligência invisível” foi o tema de destaque na última intervenção de autores. Maria Flor Pedroso considera que este título é “um eufemismo para estupidez”, pois para se compreender as malhas da literatura é preciso ver para além das palavras.
Carlos Quiroga começou por afirmar que “se pode raciocinar sobre toda a arte” e depressa relacionou a inteligência invisível com estudos de mercado e de marketing, que acabam por condicionar a literatura. Segundo o escritor galego, são estes mesmos estudos que fazem com que haja “gente muito pouco inteligente que edita livros.”
Gonçalo M. Tavares abordou o título desta mesa de uma forma completamente diferente. O escritor realçou o valor do espaço, mais concretamente do espaço vazio, para que o nosso imaginário vagueie livremente. O convidado acredita que a literatura transforma o invisível em algo visível. Para terminar afirma que “a escrita representa a diferença entre aquilo que nos pode comer e aquilo que nos pode salvar”.
“O propósito da Literatura é escrever o que relembramos de cada um de nós”, são palavras de Margarida Fonseca Santos. A escritora associa a inteligência invisível à influência que as obras de outros autores têm na sua escrita, por tudo o que lhe ensinam- “Aprendemos assim em silêncio.”
Quanto ao tema em destaque, Mário Cláudio realçou aspetos como a inteligência secreta e estupidez ostensiva. Para o autor no universo da criação literária “há escritores burros que podem escrever coisas muito interessantes.”
Sérgio Godinho partilha da perspetiva de Gonçalo M. Tavares ao dizer “sabemos que a literatura quer tornar visível o invisível”. O cantor acredita que entretenimento e cultura são compatíveis.
O último a falar foi Onésimo Teotónio Almeida, que com humor demonstrou que a literatura deve proporcionar prazer e deleite aos leitores. Os jogos de palavras e as informações recolhidas pelas através da inteligência sensorial são a prova de que “não é apenas a inteligência que faz a literatura, mesmo que ela se esconda”.
Uma edição no “coração da cidade”
Luís Diamantino, vereador da Cultura da Câmara da Póvoa de Varzim, foi quem dirigiu a sessão de encerramento do evento. A crescente evolução das Correntes d’Escritas, principiou a sua intervenção, onde destacou “a cumplicidade entre todos os que participaram”. Os autores foram a mais-valia de um encontro onde não existem “estrelas”, a não ser o livro e com isto, agradeceu àqueles que mesmo não participando nas mesas, tiveram a gentileza de irem até às escolas da cidade.
A 16.ª edição do evento, lembrou o vereador, foi o espaço onde se discutiu o facto de cemitérios e funerais ganharem ímpeto como locais de inspiração para os escritores – “Com Nelson Saúte aprendemos que o funeral é uma festa”, brincou.
O primeiro prémio entregue foi o da Fundação Luís Rainha a João Morgado, com o título “Céu do Mar”, onde o autor oriundo da Covilhã homenageia “os homens do mar”, o “nobre povo” como os caracterizou no discurso. Uma menção honrosa foi ainda entregue a António Azevedo Cunha e Silva, um “prémio-novidade” desta edição.
As crianças tiveram lugar cativo na sessão, com a entrega do “Prémio Conto Infantil Ilustrado” a escolas de vários pontos do país como o Colégio Frei Gil em Viana do Castelo, Escola Básica de Oliveira do Castelo em Guimarães e Externato Paraíso dos Pequeninos de Lourosa. Os alunos do externato protagonizaram o último momento musical do evento, depois de Martinho da Vila.
Depois de atribuir o Prémio da Papelaria Locus à jovem Cândida Sousa, o “Prémio Casino da Póvoa” fez subir o poeta Fernando Echevarría a palco, onde recebeu das mãos de Aires Pereira, Presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, a réplica de uma lancha poveira.
“16 anos de peregrinação” foi a frase com que Aires Pereira caracterizou o Correntes d’Escritas até este ano. Depois de se ter dispersado por vários locais, o evento chegou a casa, ao Cine-Teatro Garrett e por conseguinte, ao “coração da cidade”.