No Dia Internacional da Mulher o JPN foi à procura de mulheres com “M” grande. Licenciada em Ciências da Comunicação, Diana é um exemplo de coragem para todos os jovens empreendedores do nosso país. Terminou o curso de Ciências da Comunicação na Universidade do Porto e partiu à aventura. Começou com uma proposta de emprego nos EUA a trabalhar como babysitter. Depois disso nunca mais parou. Agora está no Quénia a fazer voluntariado. Tem um projeto chamado “Há ir e voltar”.  Fica a conhecer a história.

Como começou esta “aventura”?

Depois de acabar o curso, em 2010, fiz estágios na área da Assessoria, Publicidade e Marketing Digital. Em 2012, estava a trabalhar numa startup como Community Manager quando recebi uma proposta para ir para os Estados Unidos da América para trabalhar como babysitter. Não recusei. Estava sedenta por novas experiências. Desde então, nunca mais quis trabalhar dentro de quatro paredes.

Há 10 meses foste para o Quénia num projeto de voluntariado. Como surgiu essa oportunidade?

Em março de 2014 estava na Suíça, a fazer limpezas numa pastelaria. Fui por três meses para conseguir dinheiro para viajar pela América Latina durante seis meses. Quando estava quase a acabar o contrato, e já a ver voos para a América Latina, soube de um Serviço Voluntário Europeu (SVE) para o Quénia, durante um ano. Candidatei-me por impulso e no dia seguinte fui selecionada. Só depois de saber que tinha sido selecionada é que fui ver todas as informações sobre o projeto e soube que este SVE era em Kibera. Fui ao Google e pesquisei um bocado sobre esta favela. Comecei pelas imagens – fiquei aterrorizada. Não era, de todo, uma realidade a que eu estava habituada. Mas com os anos aprendi que não importam os sítios, importam as pessoas e os momentos que partilhamos. Nas informações sobre o voluntariado dizia que ia trabalhar no Gabinete de Comunicação da ONG – Kenya Youth Foundation, e que ia ensinar crianças nas escolas. Quando aterrei em Kibera, no dia 7 de maio de 2014, vi que podia fazer muito mais do que isso.

Onde arranjaste apoio para isso?

Como já referi, vim para o Quénia através do SVE e durante um ano (maio 2014-2015) tenho estadia paga, seguro de saúde e uma ajuda de cerca de 170 euros por mês para despesas pessoais.

Já no Quénia, decidiste ajudar a “criar” uma escola. Como surgiu essa ideia?

No Quénia, o sistema de educação simplesmente não funciona para quem é pobre. Não existem escolas gratuitas na favela e a maior parte das famílias não consegue suportar a despesa de colocar um filho na escola, pelo que eles passam o dia na favela. Enquanto estava na escola a ensinar a Inglês e Matemática em salas minúsculas, costumava reparar que muitas das crianças que não estavam na escola iam para a porta da sala de estudo, do lado de fora, e ficavam a ouvir a aula. Foi aí que decidi, apesar de saber que as salas estavam mais do que cheias, perguntar às professoras se podiam aceitar mais crianças. As professoras disseram que sim, se as famílias garantissem o pagamento das taxas escolares. Comecei a falar com as famílias e garanti-lhes que ia arranjar pessoas em Portugal que pagassem, durante pelo menos um ano, a escola aos filhos. Em cerca de quatro meses, consegui colocar 105 crianças em quatro escolas diferentes. Entretanto, soube que uma das escolas onde estava a dar aulas ia ser demolida porque ficava ao lado da linha de comboio, o que apresenta um perigo constante para as crianças. Por esse motivo, e claro também porque a escola não tinha quaisquer condições, decidi fazer fundraising para construir uma escola nova para 40 crianças e para a Teacher Benta.

Como tem sido a experiência?

“(…) Eles não conhecem o conforto, mas todos se riem. Todos se riem muito e sabem brincar e sabem o que é ser amigo e partilhar. Vejo-os e zango-me por sempre, em toda a minha vida, ter ouvido relatos de como são as coisas aqui e, afinal, nunca estive perto de imaginar como as coisas são de verdade. É por isso que me custa tentar explicar como é a vida aqui, como são os cheiros, as casas, as crianças e os adultos. 

Porque acho que nenhumas palavras são capazes de criar uma imagem que se aproxime da realidade. Porque mesmo que vos envie fotografias, falta o cheiro da fossa, do lixo podre, do banho por tomar, dos fumos, dos cães, das casas de lama e lata forradas com cartões podres. Falta o zumbido das moscas, o latir dos cães, o “how are you?” das crianças, falta o roçar do beijo e as mãos que nos tocam só porque sim, porque acham que sendo branca me devem tocar porque, porque para muitos somos esperança.  (…)”

Este é um excerto que escrevi na minha primeira semana no meu diário pessoal. Hoje, 10 meses depois, as sensações continuam a ser as mesmas. Claro que com o passar dos meses este sentimento de lamentação deu lugar a pensamentos sobre como melhorar a vida destas famílias e passar das ideias para a prática. Mas quando paro para pensar e observar as vidas à minha volta, o meu coração aperta-se como no primeiro dia. De resto, claro que é uma experiência que me está a mudar para sempre e que, arisco-me a dizer, está a dar rumo à minha vida.

O projeto “Há ir e voltar”

O “Há ir e voltar ” é uma página, criada por Diana Vasconcelos, para “partilha de impressões e emoções que se ganham em viagem” explica a fundadora. A página surgiu quando Diana regressou dos EUA e partilhou fotografias e textos que escreveu sobre as suas aventuras. Depois juntou as experiências vividas na Ásia e na Europa. Mais tarde, foi para o Quénia onde deu continuação à pagina, aliando a uma causa maior – o voluntariado. Hoje, tem já um programa no Porto Canal.

Aliado aos trabalhos que fizeste nos EUA e agora no Quénia, criaste a página “Há ir e voltar” e agora tens também um programa no Porto Canal. Em que consiste o programa?

Semanalmente, o projeto “Há ir e voltar” tem uma rubrica com o mesmo nome. Passa no Jornal Diário, por volta das 20h, todas as segundas-feiras. Nesta rubrica pretendemos mostrar aos portugueses, através de imagens do dia-a-dia, como é ser voluntário e principalmente aproximar os portugueses da realidade de Kibera.

Como surgiu essa oportunidade?

Uma jornalista do Porto Canal, a Ana Rita Basto, contactou-me e fez-me a proposta de ter esta rubrica semanal. Nem sempre é fácil recolher imagens do que vou fazendo por aqui – não por não haver história mas por falta de tempo. Mas, em prol do projeto e de obter mais ajudas, claro que é uma iniciativa muito benéfica para o Há ir e voltar.

Tens 27 anos e já passaste e alcançaste tudo isto. Como te sentes?

Eu acho que cada um faz o que pode quando pode. Eu, por diversas circunstâncias e acontecimentos, vim para Kibera – e sim decidi vir fazer voluntariado, mas não conseguia fazer nada disto, sem a ajuda de tantas pessoas. Há dias mais fáceis e dias mais difíceis, mas no fundo tento dar o meu melhor e gosto de acreditar que estamos a mudar a infância destas crianças e proporcionar lhes um futuro melhor. Mas sinceramente acho que há muito que ainda é preciso se feito e acho que é necessário mudanças estruturais e vindas do topo. O governo tem de estar envolvido.

Qual consideras que tem sido o impacto deste projeto, e do próprio programa, na sociedade? 

Confesso que esta pergunta não é fácil de responder. Estando aqui em Kibera estou mais desligada do dia a dia em Portugal, mas recebo mensagens incríveis e doações que me deixam eternamente agradecida. Só estou a conseguir fazer esta escola e apadrinhar estes meninos porque tenho tanta ajuda de portugueses. Gosto de pensar que de alguma forma consigo levar um bocadinho de Kibera e destes meninos para a nossa sociedade, mais para que demos realmente valor ao que temos e que relativizemos mais as coisas. Acho que em Portugal há imensa vontade de ajudar e noto que, apesar de vivermos tempos complicados, as pessoas dão o que podem e ficam muito sensibilizadas pela causa. Além do mais, há imensa iniciativa. Ainda agora uma senhora está a organizar um sarau para angariar dinheiro, uma outra fez um jantar de aniversário para o mesmo, empresas que se juntam, etc. Tenho orgulho em ser portuguesa quando vejo isto.

E projetos para o futuro, já há?

A curto prazo, quero acabar a escola e deixar tudo organizado para que seja sustentável. Conto ficar no Quénia por mais uns anos e adorava conseguir ajudar mais pessoas, principalmente em zonas rurais que tem menos apoios de ONGs. Criei uma fundação – Better Tomorrow Foundation – e gostava de continuar a criar projectos sociais aqui no Quénia e apoiar principalmente crianças e mulheres. Como já disse, acredito que este projeto está a dar um rumo à minha vida e acredito que o que vá fazer no futuro vai ser consequência desta experiência. Para já, um dia de cada vez!

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