O “Humans of Porto” e o “Porto Olhos nos Olhos” são duas páginas de Facebook que estão a fazer sucesso na cidade do Porto. Ambas têm como mote principal a fotografia de diferentes pessoas, através das quais contam as suas histórias. Contudo, o seu trabalho acaba por ser distinto. O JPN foi conhecer melhor cada um dos projetos e as suas individualidades e especificidades.

“HUMANS OF PORTO”

Fundada no ano de 2013, a página “Humans of Porto” “nasceu como fruto de inspiração da página “Humans of New York“. Apesar de não terem qualquer ligação direta com o projeto norte-americana, este acabou por ser o mote para iniciarem o projeto. “No momento em que vimos o projeto decidimos que tínhamos de fazer algo semelhante no Porto, visto estarmos rodeados de imensas pessoas interessantes com muitas histórias para contar”, explicam-nos as fundadoras.

E assim, de forma tão simples, nasceu o projeto “Humans of Porto”. Criada por Catarina Costa, videógrafa, Daniela Espírito Santo, jornalista, e por Erge Sonn, fotógrafa; a página foi criada no Facebook por ser considerada a “melhor plataforma para um projeto deste género”, visto que chegaria às pessoas de uma forma mais rápida. No ano de 2014 entraram de igual modo na página as jornalistas Alice Barcellos e Lúcia Sousa.

“Nós estamos rodeadas de contadores de histórias”

A principal razão da existência desta página é, segundo as suas fundadoras, muito fácil de explicar: “Nós estamos rodeadas de contadores de histórias”. As jovens explicam-nos que gostam de escutar o que as pessoas têm para lhes contar, têm para partilhar com elas e, por vezes, com mais ninguém. Principalmente as pessoas que estão no Porto de passagem devem ficar “registadas” de alguma forma. E, para isso, “só precisam de uma oportunidade ou de alguém que as ouça”.

A surpresa perante o desconhecido é de igual modo algo que as atrai, sendo que já foram variadas vezes “surpreendidas com histórias” que as fizeram “ganhar o dia”, como se costuma dizer. “Nem todas as histórias são profundas e motivadoras, mas é esta procura e este envolvimento com as pessoas que nos realiza”, contam.

Outro dos objetivos das jovens com esta página passa por “humanizar a cidade”. Para as mesmas, a solidão acaba por ser uma realidade das cidades como o Porto. É a chamada “multidão solitária”. O “Humans of Porto” acaba por ser um projeto em que se pode demonstrar que todas as pessoas padecem de qualidades únicas e têm sempre algo para contar.

A Invicta e as suas histórias

Mas porquê fazer uma página assim sobre a cidade do Porto? “O Porto é, cada vez mais, uma cidade cosmopolita”, começam por afirmar. Existe um contraste enorme de vivências e pessoas, “desde jovens dinâmicos que querem mudar o futuro e conquistar o mundo, como idosos sozinhos que precisam de alguém para conviver”. Talvez por isso as suas histórias mereçam tanto ser contadas, de tão únicas e diferentes que são. É simples: “Cada um deles tem a sua história e são elas que fazem a história da cidade do Porto”. Os discursos que encontram todos os dias quando caminham nas ruas da Invicta acabam por contar a sua história melhor que as pedras da calçada. E é isso que realmente importa.

Contam-nos que normalmente abordam as pessoas por instinto. Não sabem o que vão encontrar mas esperam que seja algo recompensador. As pessoas são escolhidas pelas jovens, contudo, já lhes aconteceu ser a história a ir ter com elas, isto é, “pessoas quererem falar e contar-nos algo”. Realçam então que não agendam encontros com quem quer que seja: vão para a rua e recolhem as histórias das pessoas que atravessam o seu caminho aleatoriamente.

O rumo que cada conversa toma

Seria de pensar que as pessoas não teriam um à vontade tão grande para partilhar as suas histórias. Para isso, “explicar bem o projeto a quem não o conhece e deixar as pessoas confortáveis” é importante. E se decidirem contar algo, são as pessoas a decidirem “o rumo que a conversa vai tomar e até onde querem partilhar”. Tão depressa encontram uma história mais engraçada como uma ligada à cidade ou mais emocional. Torna-se então numa maneira muito especial de enriquecer o projeto. O trabalho das jovens “é muito fruto do improviso do momento”.

E, apesar de no início terem pensado que o ideal passaria por proceder à seleção de histórias, rapidamente desistiram da ideia, visto que o projeto é “baseado nas pessoas que participam nele e construído por elas”. Sendo assim, não pensam em selecionar as que poderiam ser consideradas melhores pois sentem que “toda a gente tem uma história e tem o direito de a contar”. E para as jovens, é essa a faceta mais especial do “Humans of Porto”.

Por enquanto, o “Humans of Porto” apenas existe no Facebook e no Vimeo. Contudo, existem ideias para desenvolver o projeto futuramente e levá-lo a outras plataformas. Contudo, como a página acaba por ser um hobbie que carece de apoios, é algo para se pensar apenas a longo prazo. De notar que todos os membros geram a página e interferem no processo de criação e partilha de histórias.

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“PORTO OLHOS NOS OLHOS”

O “Porto Olhos nos Olhos” é um projeto que através de fotografias e texto conta histórias de vida em forma de tributo à cidade do Porto, aliás, conta a história da cidade Invicta através das pessoas que a constituem. É um trabalho a dois: Manuel Roberto e Mariana Correia Pinto, jornalistas do Público, levam a cargo a tarefa incansável de retratar os portuenses, através da objetiva de Roberto e dos textos de Mariana.

Estabelecido no Facebook, o “Porto Olhos nos Olhos” tem um prazo de validade: terminará exatamente um ano depois de ter começado, uma data que não é por acaso. A 5 de novembro de 2014 nascia Salvador e com ele nascia este projeto. No mesmo dia, Roberto fazia 49 anos e “em vez de ir beber um copo com os amigos”, como o próprio relata, decidiu fotografar um parto. Foi preciso quase um dia inteiro de espera no Centro Materno Infantil do Norte, (ou não fosse a taxa de maternidade em Portugal tão baixa) para que alguém entrasse em trabalho de parto.

Na sua carreira como jornalista, já muito lhe tinha passado pelas mãos, ou melhor dizendo, pelos olhos e pela lente da câmara fotográfica, mas fotografar o Salvador nos seus primeiros momentos de vida foi uma estreia para Roberto, que nunca tinha presenciado um nascimento: “Já fotografei muitas vezes pessoas a morrerem, sangue que dá morte… e o sangue que dá vida, que gere vida, nunca tinha presenciado isso”.

Este foi o ponto de partida. A meta que representa a conclusão do projeto será no primeiro aniversário do Salvador, a 5 de novembro de 2015, que é também o quinquagésimo aniversário de Roberto.

As pessoas que fazem a cidade

A cidade do Porto tem características emblemáticas, algumas bastante conhecidas, como a Torre dos Clérigos ou a Ribeira, mas também tem outras não tão óbvias, quer aos turistas, quer aos que são naturais de cá. É o caso das pessoas que a compõem, seja as mais mediáticas, como Rui Reininho, seja aquelas com que lidamos no quotidiano sem prestar muita atenção, como talhantes e até sem-abrigo.

O “Porto Olhos nos Olhos” pretende contar a história da Cidade Invicta a partir das pessoas que a fazem ou, como diz Mariana Correia Pinto, “é um puzzle que se vai construindo a partir das pessoas” e da sua relação com a cidade. “É o Porto nas suas pessoas”, assegura Roberto. É imperativo que os retratados tenham uma relação com a cidade, ou não fosse um tributo à mesma.

Retratos com história

Basta dar uma vista de olhos à página do Facebook para se aperceber de que são fotografias acompanhadas de texto, melhor dizendo, retratos com a respetiva história. No início, eram só as fotografias do Roberto, até que ele próprio achou que não era o suficiente. Seria assim que Mariana passaria a integrar o projeto, contribuindo com textos que são, tanto como as fotos, retratos o mais fiéis possível da pessoa, de tal forma que, atualmente, os dois elementos são partes integrantes e igualmente necessários ao projeto, complementando-se.

Ao contrário de trabalhos como “Humans of Porto”, o “Porto Olhos nos Olhos” é um trabalho jornalístico, garantido que é uma forma diferente de fazer jornalismo, mas não deixa de o ser. Não há um «vaguear» pela cidade à procura das histórias, o Roberto e a Mariana abordam as pessoas que escolhem para fazer parte deste álbum.

Preparação das entrevistas

É verdade que há certas excepções, como o caso de alguém que o fotógrafo encontrou na rua, que surgiu porque o Roberto tinha tido uma conversa previamente com o senhor e se tinha apercebido que este tinha uma história engraçada. Ora, sendo o talhante um «desconhecido» não havia forma de preparar uma entrevista. Mas esta é apenas a excepção à regra. A maior parte dos casos exige algum tipo de preparação por parte da Mariana, que realiza pesquisa sobre a pessoa em questão, como faria para qualquer trabalho jornalístico.

Aliás, entrevista não será a palavra certa, é mais uma conversa, um registo informal sem as barreiras de uma entrevista comum, “uma coisa muito crua” nas palavras de Mariana, que afirma ainda “não criamos essa pressão nas conversas, é uma coisa que fluiu, podia ser uma conversa de café”. Mas para que esta empreitada resulte, tem de existir uma troca de experiências para estabelecer uma relação de confiança com os entrevistados. Para isso baseiam-se na sua experiência como jornalistas mas também na dedicação que têm com esta missão.

De facto, tal como refere Roberto, “[as pessoas] que nós abordamos sabem que estamos a fazer um trabalho muito sério, e vão acreditando em nós”. O fotojornalista afirma que não «rouba» retratos, os retratados ajudam a escolher a fotografia final e os textos da Mariana são de tal forma fiéis ao que foi dito que as pessoas “acham o trabalho honesto”, e “isso é que é importante”. Quanto à história em si, Mariana Correia Pinto conta que “tem a ver com a relação das pessoas com a cidade”, memórias da cidade e “tem muito a ver com aquilo que a pessoa faz”.

Trabalho «fora-de-horas»

Todos os projetos dão trabalho, de uma forma ou de outra. O “Porto Olhos nos Olhos” não foge à regra: Manuel Roberto e Mariana Correia Pinto dedicam-se ao projeto com afinco, de segunda a domingo, como diz a jornalista: “Isto é um trabalho que nos sai do corpo” uma vez que ambos trabalham oito horas por dia e aplicam-se ao “Porto Olhos nos Olhos” «por fora».

Todos os dias sai um retrato diferente, com uma fotografia tirada no próprio dia. Se por motivos de força maior a publicação não pode ser feita a foto não é guardada, tem de se fotografar outra vez, ou o retrato não é publicado de todo.

Retorno

É um projeto que dá muito trabalho e exige muita dedicação aos envolvidos. O que Mariana e Roberto recebem em retorno é algo de nobre. Os jornalistas afirmam que aprendem alguma coisa nova todos os dias, ficam a conhecer histórias que de outra forma não seria possível conhecer, porque “toda a gente tem uma história, tem valor, tem algo para dizer”, e o “Porto Olhos nos Olhos” é um registo dessas vivências, uma forma de “dar dignidade” e “fazer amigos”. Tudo o que têm para oferecer é o seu tempo e já lhes agradeceram muito por isso.

Apesar de terminar ao fim de um ano de ter nascido, o “Porto Olhos nos Olhos” não se vai ficar pela rede social. Mariana e Roberto tencionam editar um livro e até criar uma exposição, deixar um espólio em algo palpável e construir “uma rede à volta disso”, confirmam os jornalistas do Público.

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