Manoel de Oliveira morreu esta quinta-feira, 2 de abril, perto do meio-dia, na sua casa na Foz do Porto. O mestre do cinema português, autor de mais de 50 filmes, filmou ao longo de dois séculos e continuou a exercer a sua profissão até à morte. O JPN falou com quem conviveu de perto com o realizador e com a obra.

“É um grande autor que dignifica o século”

João Sousa, professor de História e Teoria do Cinema na Universidade do Porto (UP), reconhece Manoel de Oliveira como “um grande autor que dignifica o século, que conseguiu construir e inventar formas absolutamente singulares na História Cultural da Europa.”

De acordo com João, em Manoel de Oliveira existe um forte traço de resistência: “É um realizador que conseguiu, durante o período da ditadura, filmar sem meios nenhuns.” A partir do período de restauração da democracia, Oliveira seguiu um ritmo consistente  e “continuou com esse fulgor num período tardio da sua vida”.

João Sousa considera Manoel de Oliveira “o pai de uma tradição cinematográfica portuguesa singular no contexto europeu”, pois destaca-se no diálogo com recursos usados na teoria da montagem dos anos 30, na própria reflexão do cinema e na relação difícil com outras artes como o teatro e a literatura. É a prova de que “é possível sermos autores maiores num país pequeno”, diz.

No entanto, João Sousa acredita que Portugal “reconheceu tardiamente o valor do Oliveira. Foi preciso que Itália, França, Alemanha e Holanda o reconhecessem”. A seu ver, o cinema do realizador centenário ainda está por ver e “compete às universidades e ao Ministério da Cultura cultivá-lo”.

“Manoel de Oliveira era muito mais que o realizador mais velho do mundo”

John Wolf teve uma participação curta no filme “Cristovão Colombo – o Enigma”. Não se assume como ator, mas como alguém que “teve a boa coincidência de ser dirigido por Manoel de Oliveira”.

Ao JPN, John conta que, em ambiente de rodagem, imperava um grande sentimento de familiaridade: “Havia uma grande proximidade [por parte do Manoel] de toda a equipa envolvida na produção do filme”. Além disso, destaca a “enorme paixão do realizador” e, inclusive, chama-o de Homem-filme.

John Wolf realça a simplicidade de Manoel de Oliveira na sua obra cinematográfica: “Ele nunca procurou uma sofisticação artificial, os filmes dele não têm o polimento a que estamos habituados”. Na sua opinião, o afastamento do Manoel relativamente ao cinema mainstream é claro: “Muito do mainstream do cinema provavelmente não se iria identificar com o seu registo, mas o seu registo é coerente com a sua decisão, independentemente do marketing”.

John Wolf carateriza Manoel de Oliveira como alguém “simpático, um cavalheiro como imaginamos, da velha escola”.  O ator preconiza que, apesar de em vida ter sido mais reconhecido no estrangeiro, o realizador português vai ser relembrado para além do rótulo de “mais idoso do mundo”, pois foi um experimentalista que não seguiu a fórmula do cinema nacional.

 “Era um sonhador e realizou todos os seus sonhos”

Fernanda Matos, a “Teresinha” de Aniki Bobó, tinha 12 anos quando conheceu Manoel de Oliveira, para as gravações do filme que viria a ser lançado em 1942, e foi mantendo contacto com o realizador ao longo dos anos: “Esse foi um episódio que ficou da minha infância e que ainda hoje me acompanha”, diz ao JPN.

A “Teresinha” de Aniki Bobó recorda Manoel de Oliveira como um homem atencioso, cheio de valores morais e incomparável na obra de vida produzida: “O Manoel levou o nome de Portugal ao estrangeiro, foi admirado e premiado e merece todas homenagens que lhe têm sido feitas”.

Fernanda Matos carateriza o mestre do cinema português como um “sonhador que realizou todos os seus sonhos” e afirma, em nome do país inteiro, a gratidão sentida pelo legado deixado pelo realizador: “É um homem que merece a nossa admiração e o nosso respeito porque viveu sempre em função da arte”, afirmou.

O último trabalho de Manoel de Oliveira foi a curta-metragem “O Velho do Restelo”, lançada em 2014.  O governo português decretou dois dias de luto nacional e a Câmara Municipal do Porto decidiu dedicar três dias ao realizador portuense. O funeral realiza-se esta sexta-feira, pelas 15h, numa pequena cerimónia religiosa, que seguirá para o cemitério de Agramonte.