No ambiente revolucionário do pós 25 de Abril surge, em maio de 1975, o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Fundado por pessoas como Corino de Andrade, Ruy Luís Gomes e Nuno Grande, então professores na Universidade do Porto (UP), o lema “um médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe”, frase do médico e artista Abel Salazar, é impulsionador de todo o trabalho realizado pelo instituto daí em diante. Em 1979 é criada a licenciatura em Medicina e, atualmente, o ICBAS é casa de mais de 29 cursos na área das Ciências da Vida.

“40 anos é uma idade catita”

Hoje realizou-se, às 10h, a cerimónia de aniversário do ICBAS, que contou com a presença de personalidades como o Ministro da Sáude, Paulo Macedo, e o atual Presidente da A3ES e Reitor da UP entre 1985 e 1998, Alberto Amaral.

Ana Santos, investigadora no Programa de Doutoramento em Ciências Veterinárias, considera “muito importante essa força que o ICBAS tem como um todo ao juntar médicos, veterinários, cientistas do meio aquático, bioengenheiros e bioquímicos” e por isso mesmo, em conversa com o JPN, disse “tentar coordenar o trabalho laboratorial com a cerimónia”: “Acho que é um ponto importante na vida do ICBAS”, diz. No entanto, esta sorte não coube a todos os alunos da instituição.

Para Ricardo Sousa, aluno do 4.º ano de Medicina, ir a este evento tornou-se impossível por ter exame à mesma hora. Alexandra Sousa, aluna de Medicina Veterinária, está na mesma posição, tal como muitos outros estudantes. “Uma situação de lamentar, até porque foi tudo muito avisado em cima da hora. A direção deu a entender que haveriam outras atividades associadas a esta celebração, não só esta cerimónia, no entanto não sabemos o que é que isso vai ser em concreto”, afirma. A também vice-presidente para as Relações Externas da Associação de Estudantes (AEICBAS) referiu não ter existido “qualquer indicação de que haveria justificação de faltas”, por exemplo.

Para o diretor do ICBAS, António Sousa Pereira, estas “datas redondas são uma forma de olhar para trás e perceber se a missão que o ICBAS se propôs desempenhar quando foi criado foi esta” e se o objetivo está a ser conseguido ou não. O médico considera que os últimos anos da instituição têm sido bastante positivos: “O ICBAS está em contra ciclo com o ambiente de desalento que se vive no país”.

Estudar de olhos postos no futuro

Miguel Jeri tem 28 anos e saiu do ICBAS há dois. Fez o mestrado integrado em Medicina durante sete anos e agora é Interno de Formação Específica em Medicina Geral e Familiar na Unidade de Saúde Familiar São João do Porto. Decidiu-se pela medicina “tardiamente” – andava no 12.º ano – e considera “um tremendo golpe de sorte ter caído no ICBAS”. Das aprendizagens que adquiriu realça “a formação teórica multifacetada” que estimula “o raciocínio científico, a investigação e a produção de conhecimento”. No entanto, o “sentimento geral” era que “algumas matérias começavam a desligar-se do curso de medicina”.

Henrique Silva, 22 anos, saiu de Viseu em 2011 e veio estudar Bioquímica para o Porto. Agora está no primeiro ano do mestrado na mesma área e considera que “os objetivos das unidades curriculares enquadram-se perfeitamente dentro do âmbito do que é a Bioquímica”. Desde que estuda no ICBAS sente que, pelo menos no seu curso “há preocupação em ouvir os estudantes, e têm sido feitas mudanças ao longo dos anos nas cadeiras por causa do feedback dos estudantes”.

Para Ana Santos, “o ICBAS e o Porto foram uma agradável surpresa” no seu percurso académico. Completou todos os ciclos de estudos, até agora, nesta instituição, e já lá vão oito anos desde que  fez as malas desde Leiria até ao Porto para seguir o sonho da veterinária. A jovem de 25 anos não tem dúvidas: “Concluímos o curso com excelentes conhecimentos”. Ressalva apenas que “poderia ser melhorada a vertente prática e de interação com a vida real e o mundo de trabalho” aumentando o tempo do estágio curricular, por exemplo.

Agora em doutoramento, o futuro é sorridente e está confiante de que vai ter lugar no mercado de trabalho. Isto deve-se, na sua opinião, ao prestígio do ICBAS, no país e no estrangeiro, e assegura que “pode não ser uma das faculdades mais antigas da Universidade do Porto mas é certamente muito importante e em expansão”. Se há algo que acha que o curso de Medicina Veterinária pode melhorar é “tentar perder o foco no valor das notas e pensar mais na vocação”.

Ricardo Sousa realça o ambiente que se vive nesta faculdade como um fator importante: “O ICBAS é um local agradável, há um espírito de cooperação entre alunos, professores e outros funcionários e as condições para estudar são bastante boas”.

Há 12 anos na direção do ICBAS, António Sousa Pereira acredita que “os alunos têm emprego e têm boa saída”, no entanto, refere que a formação, sobretudo dos estudantes de Medicina e Veterinária não termina quando obtêm o grau de mestre integrado. O diretor acredita que a missão do ICBAS está a ser cumprida, mas com algumas limitações, nomeadamente os “constrangimentos financeiros”, que “impedem de fazer investimentos em melhoria de condições e equipamentos”.

Para a Vice Presidente da AEICBAS, Alexandra Sousa, “há um ensino de qualidade, somos uma boa escola que forma bons profissionais mas há espaço para crescer”.

O antigo e o novo sempre no coração do Porto

A Rua do Carmo recebeu durante muitos anos os alunos do ICBAS/FFUP. O afeto que liga o edifício às pessoas, mesmo por quem lá andou poucos meses, é gigante. Talvez seja por causa das míticas festas Flower Power ou pelas amizades que surgiam no átrio, o ponto de encontro habitual. Agora, quando se passa aquela fachada de pedra castanha escura, há pouca luz e boa parte dos espaços foram desapropriados das suas características: a biblioteca não tem livros e nos laboratórios já não se usam microscópios.

Sobreviveram as salas de aula, usadas pelos alunos do 4.º, 5.º e 6.º anos de Medicina por não haver espaço suficiente no novo complexo para os acolher. Ricardo Sousa está no 4.º ano e gosta de estar no edifício antigo, sobretudo pelas memórias que partilham. Para o jovem de 21 anos existem alguns transtornos, mas nada que não se ultrapasse, uma vez que ali só têm algumas aulas teóricas e servem-se dos corredores para estudar, porque grande parte do tempo é passado no hospital.

O novo complexo, situado na Rua Jorge Viterbo Ferreira, “foi cumprir um anseio de muitos anos”, nas palavras do diretor. De olhos postos no Palácio de Cristal, o projeto foi criado pelo arquiteto José Manuel Soares e custou cerca de 36 milhões de euros. Os alunos mudaram-se há três anos, no 2.º semestre do ano letivo 2011-2012 e, de uma forma geral, a satisfação com as novas instalações é grande. Para António Sousa Pereira é factual que o espaço “está estrangulado, o que não permite crescer mais”. Alexandra Sousa estranha que um edifício tão recente tenha tantos problemas e destaca alguns: humidade, paredes com rachas, inundações, e tetos de anfiteatros que têm plásticos a segurar água. Já Henrique Fernandes acha que houve uma má gestão do espaço.

Na fotogaleria abaixo pode ver as diferenças entre alguns dos espaços do edifício antigo e do novo.

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Planos para o futuro

Para Sousa Pereira, os anos que se avizinham são para continuar a cumprir objetivos: “Consolidar as coisas, ver como é que vai evoluir a situação económica, tentar reduzir um pouco os numerus clausus de modo a tornar o ensino mais prático e mais eficaz, consolidar a nossa política de investigação científica que aponta muito para que nos reorientemos para uma investigação de translação, ou seja, uma investigação que tenha aplicabilidade e que tenha um retorno económico para o país do dinheiro que é investido nessa mesma investigação”.