Trata-se de uma das figuras mais icónicas da literatura portuguesa. Quem não se lembra da intensa tragédia de  “Amor de Perdição”, da famosa casa de Seide, ou do misticismo dos “Mistérios de Lisboa”? Até 1 de junho, a Irmandade da Lapa e o Centro Português de Fotografia (CPF), no Porto, são a casa de um ciclo comemorativo sobre a vida de Camilo Castelo Branco.

“Camilo: Lá e Cá” é uma homenagem, em forma de atividades, como uma exposição do espólio pessoal do mesmo, sobre o novelista urbano e passional, detentor de uma amargurada e excecional obra literária, e, para muitos, o pai da escrita romântica nacional.

“Camilo: Lá e Cá”

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco tem, na sua vida, um pouco da história do Porto e vice versa. Aparte da magnitude que possui no panorama literário português, Camilo é “irmão” da Irmandade da Lapa, instituição que detém no seu cemitério o corpo do escritor.

Conhecida apenas pela igreja e a sua atividade de culto, a Irmandade dá agora a conhecer  a novidade cultural das exposições. Para Teresa Santos, colaboradora dos serviços culturais da Irmandade da Lapa, os objetos do espólio pessoal doado à instituição pelo melhor amigo de Camilo, Freitas Fortuna, “é sempre algo que as pessoas gostam de ver”.

Já o CPF também guarda um período da vida de Camilo, como a antiga Cadeia da Relação, onde esteve preso em 1860, e, por isso, foi “instituição interessada” em participar.

Teresa Santos conta ao JPN que este ciclo surgiu com um foco muito grande nos objetos e aspetos pessoais e íntimos da vida do escritor, deixando ainda assim espaço para o seu legado literário. “Primeiro tivemos em atenção mostrar o maior número de objetos camilianos que temos, depois, em relação aos manuscritos, foi impossível, são centenas, e, portanto, aí tentámos selecionar aqueles que ilustram a escrita de Camilo e também a relação entre Camilo e Freitas Fortuna”.

Revólver “ex-libris”

O revólver, peça central da exposição, é um “british buldog”, peça de coleção associada a outras tragédias, como o assassinato de James Garfield, Presidente dos Estados Unidos. Ainda assim, outra curiosidade é o facto de todas as balas também estarem expostas, pelo menos as cinco que restam e o invólucro daquela que, efetivamente, provocou a morte do escritor.

No que toca ao espólio, a presença do pequenino revólver de bolso que Camilo usou para se suicidar tem sido manchete quando se fala da exposição. Como diz Eva Cordeiro, coordenadora dos serviços culturais da Irmandade da Lapa, “o revólver acaba por ser o ex-libris da exposição”, que além de ser objeto, traz de novo a ideia romântica e trágica que temos do amor e da morte.

Quanto às outras atividades do ciclo comemorativo, como as conferências, Eva Cordeiro, explica que o objetivo assentou em mostrar Camilo Castelo Branco, o homem, e Camilo, o escritor. “Tentámos chamar pessoas que estudaram Camilo dos mais diferentes pontos de vista, de forma a conhecermos o escritor no escritor que seu todo”.

Foi este nível de atenção minuciosa aos detalhes que criou o ciclo. Nem as próprias datas foram deixadas ao acaso – 16 março, o início da exposição, marcou os 190 anos sobre o nascimento de Camilo , enquanto que o dia 1 de junho, término da iniciativa, assinala os 125 anos da morte do autor. “Terminar no dia da morte até calha bem como baliza cronológica e temporal para podermos fazer este ciclo memorativo”, considera Eva.

Um mês após o início da exposição, o feedback tem sido muito positivo, com a participação de público diferente e de todas as idades. Apreciadores da escrita de Camilo ou mesmo quem se dirigia à Igreja da Lapa pela simples curiosidade em volta do revólver. Nas próximas semanas, os dois espaços continuam a vestir-se do romantismo camiliano e acolhem conferências, exposições e projeções cinematográficas sobre a vida e obra do autor de “Amor de Perdição”.

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A viagem do espólio camiliano 

Pela primeira vez, os objetos mais rotineiros de Camilo Castelo Branco chegam ao olhar do público, em toda uma viagem, também ela com um certo romantismo. Aquando do seu suicídio, o escritor confiou todos os seus bens, inclusive o seu corpo, a Freitas Fortuna, melhor amigo e também ele “irmão” da Irmandade da Lapa.

Este, por sua vez, deixou em testamento o legado de Camilo, assim como alguns bens seus. A Irmandade detém ainda uma série de documentos assinados por Ana Plácido – conhecido amor avassalador de Camilo – e o filho, Nuno Castelo Branco, que confirmam a doação deste espólio à instituição. Um privilégio admitido pelas duas colaboradoras. “É um espólio de que a Irmandade muito se orgulha e é uma honra, não só ter aqui o escritor sepultado, como termos à nossa responsabilidade a vida do autor”.

No entanto, uma das maiores riquezas, para Teresa Santos, é um documento escrito por Freitas Fortuna, em que descreve o que cada objeto significa. “Por exemplo, temos o tinteiro de Camilo, mas assim temos a informação de que era o tinteiro preferido de Camilo. No Centro Português de Fotografia existe um pequeno livro em francês em que temos a informação de que Camilo começou a traduzir esse livro quando esteve preso”.

“Camilo: Lá e Cá” pretende homenagear o homem em que “todas as paixões são vencíveis” – na Igreja da Lapa e no CPF -, trazendo ao público algumas daquelas que o escritor deixou para trás e que guardam um pouco daquilo que foi o próprio Camilo Castelo Branco.