25 de abril de 1974 foi um dia histórico para Portugal. Após 40 anos em regime ditatorial, em que os níveis de pobreza e de iliteracia eram enormes, e onde a liberdade de expressão permanecia numa caixa, o Movimento das Forças Armadas (MFA) disse “basta!” e partiu para uma revolução, embora pacífica, que mudaria, para sempre, o rumo do país.

Naturalmente, como em todos os golpes de Estado, o pós-revolução despoletou uma ligeira anarquia, diga-se, na política nacional. Vários partidos formaram-se, várias figuras do regime exilaram-se e ideais, tanto de Direita moderada como de extrema Esquerda – como o PREC -, emergiram.

O povo, apesar de todo este paradigma, não se desviou do foco: a democracia e a formação da Assembleia Constituinte. Por isso, sem surpresa, as primeiras eleições livres com sufrágio universal, realizadas em abril de 1975, tiveram uma adesão fortíssima. Os números dizem que perto de seis milhões de pessoas correram às urnas, numa percentagem que ascendeu aos 90%.

No ano seguinte, as primeiras eleições legislativas pós-Estado Novo obtiveram também números significativos: perto de 5,5 milhões de pessoas votaram e Mário Soares tornar-se-ia primeiro-ministro.

Marcelo Rebelo de Sousa: «Tratava-se de um momento fundador e de uma mobilização única»

A partir de 1976, as percentagens de votos mantiveram-se altas, mas a tendência diminuiu e, hoje, tendo como exemplo as eleições legislativas de 2011, os números situam-se nos 60%. Uma alteração drástica verificada em pouco mais de 40 anos que leva a questionar: o que se passou?

O papel da mulher

A mulher, pós-Estado Novo, voltou a poder ser individual. Maria José Magalhães, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e autora de várias publicações sobre o Feminismo em Portugal, recorda esses tempos: “As mulheres estavam na rua e nas assembleias, em todas as circunstâncias. Não havia espaço só para os homens”, diz, lamentando, ainda assim, que os lugares de decisão fossem “quase exclusivamente ocupados ocupados pelo sexo masculino”.

As eleições para a Constituinte, em 1975, com sufrágio universal, devolveu à mulher a liberdade: “Após o 25 de abril, todas as mulheres puderam votar, em todas as eleições. Até então as mulheres casadas não podiam votar, por exemplo, nas autarquias”, conclui Maria José.

Primeiro, há que descodificar a adesão nas eleições de 1975. O nível de analfabetismo era grande e a informação, apesar de existir de forma premente em meios como a rádio ou jornais, poderia não ser compreendida por inteiro. Isso não impediu a esmagadora maioria de votar.

“Tratava-se de um momento fundador e havia uma mobilização sem precedente, como houve em eleições análogas, noutras democracias europeias, no pós-guerra”, explica, em entrevista ao JPN, Marcelo Rebelo de Sousa, comentador televisivo e putativo candidato a Presidente da República.

A novidade foi uma das razões, mas não só: “A campanha eleitoral foi muito intensa, quase dramática, incluindo apelos ao voto em branco por parte de setores do MFA, que diziam significar tal voto a aposta no próprio MFA, por contraposição aos partidos políticos”, lembra Rebelo de Sousa.

«O voto era algo novo»

O voto traduzia o fim do regime. Traduzia, sobretudo, liberdade. Quem experienciou não esquece: “Ai, a sensação de votar em 76! É uma sensação de novidade: o simples facto de votar era algo novo”, regozija um portuense, interpelado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), que preferiu não ser identificado.

Ao contrário da esmagadora maioria da população na época, este cidadão, que aparenta ter pouco mais de 60 anos, estudava na Faculdade e tinha, então, uma noção maior do que se passava. “O problema pós-eleições para a Constituinte foram as expectativas. As pessoas ansiavam um futuro social e político melhor”, diz, sustentando que “quem conhecesse melhor os movimentos e os países democráticos, provavelmente, não ficaria tão desiludido”.

Às “escuras” no meio da Revolução

António Silva, funcionário do Serviço de Apoio ao Estudante com Deficiência da FLUP, tem 52 anos e ausência total da visão. Apesar de, na altura, ser muito novo, António relata ao JPN como viveu os tempos a fase final do Estado Novo, o 25 de abril e a transição para a Democracia. O testemunho pode ser ouvido aqui.

Fernando Rosas: “Os dois partidos alternam, sem haver alternância”

Passadas décadas, surgiram políticos, gerações e houve, sobretudo, uma evolução de uma forma de pensar, muito através do avanço tecnológico preconizado em anos recentes, que tornou a política quase obsoleta: a abstenção ascende aos 40%.

Fernando Rosas, historiador e um dos fundadores do Bloco de Esquerda, aponta para o centralismo de dois partidos como a principal causa do desinteresse atual na política. “Acho que há uma crise de legitimidade no sistema político. É um sistema baseado em dois grandes partidos ao centro que se alternam entre si, sem alternância. As pessoas sabem que ao votar naqueles dois partidos mudam as clientelas, mas não muda a política. É uma espécie de regresso ao rotativismo do século XIX”, resume.

Em discurso direto, João Ribeiro, jovem de 21 anos, corrobora a opinião de Rosas e não se coíbe de afirmar que a política é algo que não lhe suscita interesse: “Voto por uma questão de dever”, argumenta. O estudante admite que as gerações atuais “não querem saber da política”, porque “há descrença nas soluções apresentadas”. A forma de eleger os deputados do Parlamento é, para João, outra das razões para a abstenção: “Quem está no Parlamento é da responsabilidade dos partidos. Isso conduz ao distanciamento e a desilusões fatais”, explica.

A opinião de João e de Fernando Rosas é partilhada por Marcelo Rebelo de Sousa: “As campanhas são mais apagadas, a sucessão de atos eleitorais é, por vezes, cansativa e há uma alteração comportamental decorrente da nova democracia eletrónica, do envelhecimento populacional, de novas formas de participação que têm desafiado os sistemas eleitorais e de partidos que, infelizmente, não têm sabido acompanhar todas essas mutações”, conclui.

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