O Processo Revolucionário em Curso (PREC) foi o período de instabilidade política e social que se seguiu ao 25 de abrll de 1974, com maior ênfase a partir de 28 de setembro de 1974. Estes foram meses conturbados, com uma grande movimentação social e política, nomeadamente a tentativa de criação de poderes paralelos nas Forças Armadas.

Prova disso foi o surgimento do Conselho da Revolução, órgão que, na teoria, era conselheiro do Presidente da República, mas que, na prática, governava o país, sem que nada passasse sem a sua aprovação.  O cenário político do PREC foi preenchido, sobretudo, pela luta pelo poder por parte da Esquerda e da extrema-Esquerda, que terminou com a sua derrota a 25 de novembro de 1975, data de final do PREC.

A liberdade que havia sido instituída a 25 de abril de 1974 tardaria a chegar. As prisões arbitrárias, a apropriação ilegal de propriedade privada, a censura de partidos considerados de Direita e a expurgação de pessoas com ideologias diferentes são apenas alguns exemplos do despotismo praticado durante esta época.

Ser preso por culpa da árvore genealógica

Nuno Alves Caetano tem 57 anos, é diretor de uma empresa do ramo imobiliário e foi preso durante o PREC por ser sobrinho de Marcelo Caetano, o último presidente do Conselho do Estado Novo. Nuno recorda o PREC como “um período de grandes incertezas, de uma irresponsabilidade total, de uma incapacidade de gerir o país e de implementar uma democracia que não existiu no país, apesar de se dizer o contrário”.

Nuno tinha 17 anos quando foi levado para Caxias, onde esteve preso durante 53 dias: “Fui preso na zona da Estrela, perto de São Bento, e queriam acusar-me de querer matar o Vasco Gonçalves, primeiro-ministro na altura. Fui preso por ser sobrinho do professor Marcelo Caetano”, conta.

Em Caxias, os presos políticos eram distribuídos por salas, onde cabiam dez pessoas, e celas, onde cabia uma pessoa, embora as duas estruturas albergassem mais prisioneiros do que o que era estabelecido. Nuno recorda ao JPN a sua estadia numa sala com 14 pessoas, em que os seus companheiros tinham a idade do seu pai: “Tive a sorte de serem pessoas extraordinárias que me apoiaram imenso e que me permitiram, dentro do possível, minimizar os estragos de estar preso”.

Nuno Alves Caetano foi interrogado duas vezes em Caxias, mas realça nunca ter sofrido maus-tratos: “No momento em que fui preso, simularam o meu fuzilamento e fizeram-me algumas ameaças de morte, mas depois disso foi pacífico”, afirma.

“Prisioneiros de Caxias”

Nuno Alves Caetano é autor do livro “Prisioneiros de Caxias”, uma compilação de 11 testemunhos de pessoas que passaram por Caxias, ou seus familiares, que reúne detalhes da prisão dessas pessoas, como os motivos de detenção e a duração da retenção dos prisioneiros, assim como um diário da sua vida durante os 53 dias em que esteve preso.

Após 53 dias na prisão, a libertação de Nuno deu-se quando o seu mandato de soltura, emitido já há algum tempo, foi encontrado por acaso por um funcionário do estabelecimento prisional. Tinha sido escondido por membros de partidos da Esquerda e da extrema-Esquerda “por uma questão de vingança”.

Nuno Alves Caetano considera a sua experiência como um exemplo ilustrativo da “falta de democracia, da prepotência e do poder dos partidos de Esquerda e extrema-Esquerda”, e diz que, uma vez em Caxias, a sensação de impotência impunha-se perante qualquer réstia de esperança que houvesse: “Na altura éramos presos ao abrigo do foro monetário e não havia qualquer prazo de prisão preventiva, podíamos ficar ali eternamente”.

No entanto, Nuno reconhece que este episódio da sua juventude também teve pontos positivos. “Fez-me crescer e permitiu-me perceber que o 25 de abril não era nada do que as pessoas mais bem intencionadas diziam, e, por isso, fez-me ficar mais crítico e atento à verdade política”, conclui.

Da experiência ao ensino da História

Henrique Monteiro, antigo professor de Hstória, encontrava-se a estudar História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) quando ocorreu o 25 de abril de 1974. Nesta altura, Henrique tinha apenas 21 anos, mas explica que foi “apanhado de surpresa” pelo movimento liberal e facilmente aderiu aos “valores da liberdade, justiça e tolerância”.

Questionado sobre o rumo que Portugal levou na altura do PREC, Henrique menciona o grande contentamento pela liberdade partidária e o fim da guerra colonial como os dois pontos principais: “Naquele momento acreditou-se verdadeiramente num futuro livre e desenvolvido a todos os níveis”, afirma.

Na época do Verão Quente (período entre março e novembro de 1975), a maior mudança em termos práticos, segundo Henrique Monteiro, foi o surgimento de dois partidos: o CDS, de Freitas do Amaral, e o PPD, de Francisco Sá Carneiro.

Segundo este antigo professor de História, antes do PREC viveu-se uma época de grande isolamento internacional devido à ditadura e à guerra colonial: “É evidente que no momento da Revolução dos Cravos tenha existido uma grande adesão popular ao ideal de mudança”, justifica.

Ressalvam-se, desta época, as circunstâncias negativas que derivaram da “instabilidade político-ministerial-governativa, como é exemplo a existência de seis governos provisórios”. Apesar disso, continuaram a existir tentativas de evolução: “Foi durante esta época que começaram a surgir projetos de reforma agrária, direito à greve, liberdade sindical, salário mínimo, férias pagas, subsídios de doença e alimentação, entre outras”, explica Henrique Monteiro.

O PREC termina com o golpe militar de 25 de novembro de 1975 e, posteriormente, com a Constituição de 1976, dois momentos que põem fim à ilusão de liberdade característica desta altura e permitem pôr, finalmente, em prática, os princípios apregoados pela Revolução dos Cravos.