Medo. Insegurança. Instabilidade. Foram estas as palavras que mais audíveis foram no terceiro debate do ciclo “Conversas sem Gravata”, realizado nesta quarta-feira, 20 de maio, no Porto, no auditório do Curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto.

O tema de reflexão foi subordinado à precariedade no jornalismo e a conversa foi moderada pelo jornalista Frederico Moreno, membro da direção do Sindicato dos Jornalistas (SJ), que também contou com a participação dos jornalistas Alfredo Mendes e Mariana Correia Pinto, assim como Sofia Cruz, professora da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), e Fernanda Campos, inspetora do Trabalho no centro local do Grande Porto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

O debate foi de entrada livre, mas nem assim conseguiu encher o local, que contou com pouco mais de vinte pessoas na plateia.

“Condições atuais de trabalho pouco dignificantes na profissão comprometem a vida social dos jornalistas”

Quem o afirmou no debate foi Sofia Cruz, professora da FEP, doutorada em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e autora de vários trabalhos de investigação sobre precariedade. Segundo a especialista, “salários baixos, horários demasiado longos de serviço, trabalho a recibos verdes” têm vindo a criar cada vez mais instabilidade no exercício jornalístico.

A professora acredita também que o medo “está disseminado na profissão do jornalista” e que, no contexto laboral atual, “ter hoje um contrato de trabalho já não é sinónimo de segurança”. “Há cada vez mais incidências de depressão e suicídio em contexto laboral. E isto tem que mudar”, acrescenta.

“Em Portugal há uma desvalorização académica, por parte das entidades empregadoras dos órgãos de comunicação social. Não há salários compatíveis com as competências dos jovens”, refere a especialista. Por esse prisma, Frederico Moreno perguntou, de seguida, se o número de vagas nos cursos de Comunicação, a nível nacional, deveriam diminuir, dada a atual precariedade na profissão.

A investigadora foi categórica na resposta: “Deve haver uma comunicação saudável e realista entre as Universidades e o mercado de trabalho, mas a Universidade não se deve submeter ao mesmo. Deve também lutar contra ele, tendo em conta que a própria Universidade é também ela precária e precisa de alunos para sobreviver”.

“Jornalistas pouco seguros levam a um jornalismo de menor qualidade”

A opinião foi dada por Fernanda Campos. “Um empresário que contrata alguém só para três ou seis meses não terá um produto informativo de qualidade. Nenhum jornalista com medo será um bom jornalista”, sustentou.

Para a inspetora do ACT há uma “omnipresença de aproveitamento constante de estagiários nos órgãos de comunicação social, sem acompanhamento”, que, em vez de serem encarados como alunos em processo de aprendizagem, são tratados como funcionários normais da empresa, isto é, mão de obra rotativa durante todo o ano e sem acompanhamento contínuo”.

Para Fernanda Campos, esse aproveitamento dos estagiários não é por acaso. “As empresas apercebem-se que é preferível estágios a recibos verdes. Esse vínculo contratual precário torna o contexto de trabalho cada vez mais degradante. E, mesmo os estágios profissionais, não são estágios profissionais. São, também, tal e qual os curriculares, isto é, funcionários normais da empresa”, elucidou.

“É frustrante haver jornalistas a ganhar pouco mais do que o salário mínimo em Portugal”

Palavras de Alfredo Mendes, jornalista desde os 17 anos, profissionalizado no Diário de Notícias em 1980 e já premiado pelo Clube de Jornalistas do Norte e pelo Clube Português de Imprensa. Para o também escritor, a precariedade atual na profissão deve-se em muito aos “novos patrões” das empresas media e do facto de estes estarem mais preocupados “com a parte económica, do que com a informativa”.

“Há jornalistas a ganhar pouco menos do que o salário mínimo, mas depois há outros funcionários das mesmas empresas a ganhar 50.000 euros”, informou.

O jornalista falou um pouco, no debate, sobre a forma como foi admitido, ainda jovem, na profissão. Relatou que teve o arrojo de endereçar uma carta ao subdiretor de um jornal e que o mesmo o chamou para trabalhar. “Havia mais zelo no passado pela profissão”, explicou.

“Passados 40 anos de profissão despediram-me em dois minutos, alegando ‘eliminação de cargo redundante’. É com isto que os novos jornalistas se vão deparar. Os jornais de referência informam sempre o mundo, do que se passa fora das quatro paredes da redação, mas não do que se passa por dentro dela, e que, muitas vezes, é muito mais vergonhoso”, sublinhou.

Novas gerações já sentem dificuldades na pele

Mariana Correia Pinto, jornalista do P3, do jornal Público, presente ontem no debate "Precariedades"

Mariana Correia Pinto, jornalista do P3, do jornal Público, esteve presente no debate “Precariedades”

 

É o caso de Mariana Correia Pinto, jovem jornalista do site de informação P3, ligado ao jornal Público. Por lá estagiou três meses, após a licenciatura. Depois foi convidada a colaborar no jornal a recibos verdes. Afirmou ter trabalhado mais de 12 horas por dia, incluindo feriados. “O deslumbramento inicial era evidente”, confidenciou.

Em relação ao primeiro ano, diz que o trabalho foi “suportável”. Já no que diz respeito ao segundo, afirma que era quase como “ter que pagar para trabalhar”. Em 2011 assinou contrato a termo com a empresa, mas ressalva que o “balão de oxigénio está quase a terminar”, visto o seu contrato estar próximo do final e a jornalista não ter apresentado certezas sobre a sua continuidade.

Ao JPN, Mariana Correia Pinto disse acreditar que os jornalistas “não devem ficar parados contra a falta de solidariedade pela profissão” e que “devem lutar sempre pelos seus direitos”, e explicou um pouco como é o seu dia a dia de trabalho, sempre com a insegurança da precariedade implícita no mesmo:

E quando se perde segurança no trabalho perde-se liberdade na criação dos conteúdos? A jornalista, no seu caso específico, acredita que a liberdade sempre esteve presente, mas crê que em jornalistas de investigação, o medo e a insegurança afetam muito o seu trabalho diário:

Muitas foram as longas reflexões debatidas, numa urgência explícita de mudança no atual precário estado do jornalismo em Portugal.

O ciclo de debates “Conversas sem Gravata” tem por base um dos compromissos da nova direção do SJ: convocar os sócios à reflexão e abrir o organismo a quem não é sócio e à sociedade em geral. As “Conversas Sem Gravata” acontecem uma vez por mês, sempre às 21h. O essencial dos debates é transmitido pela TSF no dia seguinte, quinta-feira, depois do noticiário das 21h.