Com as notas musicais já decoradas e tendo em vista uma comercialização mais justa no universo musical, tem-se assistido, nos últimos anos, a um aumento do número de editoras de música independentes na cidade do Porto. Estes espaços caracterizam-se pela liberdade criativa que conferem aos artistas que estão ao seu encargo, bem como por uma distribuição diferenciada, mais voltada para os interesses do artista, diferenciando-se assim das majors (editoras de música mainstream, das quais são exemplos a Valentim de Carvalho, Sony ou a Universal).

O papel da Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes (AMAEI)

Numa abordagem inicial, o JPN contactou Nuno Saraiva, um dos fundadores da Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes (AMAEI), para perceber qual é a realidade que a música independente vive em Portugal.

A AMAEI é “uma Associação Profissional Fonográfica que reúne os Produtores Fonográficos Independentes em Portugal, sejam eles editoras independentes ou músicos artistas auto-editados” e a sua criação foi uma necessidade, já que, “em todos os países com indústria discográfica bem estabelecida, bem desenvolvida, existe tipicamente uma associação fonográfica das majors e uma associação fonográfica independente, de pequena, média e até grande dimensão, e em Portugal, até 2002, não existia essa tal associação de labels independentes, ou de artistas auto editados”, conta-nos Nuno Saraiva.

Tornava-se, assim, necessário, proteger os músicos independentes, já que “existia a uma realidade de mercado onde os direitos comerciais desses produtores fonográficos independentes não eram representados nem defendidos… Havia muita falta de informação, também”.

Nuno Saraiva afirma ainda que o avanço tecnológico tem a sua responsabilidade no crescente número de artistas independentes, pois “há uma sinergia entre as novas tecnologias digitais e o facto de qualquer pessoa poder gravar em casa e distribuir digitalmente”, tornando-se assim um produtor fonográfico independente. O processo de gravação em fita, em estúdio, está a ser ultrapassado, dando lugar a uma verdadeira explosão de pequenas editoras e artistas completamente independentes e auto editados, como foi o princípio de carreira de Frankie Chavez.

Protocolo vantajoso

Em dezembro do ano passado, a AMAEI selou um protocolo com a SPA, no qual foram igualados os pagamentos entre músicos independentes e mainstream. Para além disto, a associação confere informação necessária aos seus associados, bem como todo um trabalho de networking que visa sempre proteger o artista.

Os artistas associados veem o seu início de carreira como produtor fonográfico independente ser melhorado, por a associação sentir que existe “uma certa desvantagem prática” entre o trabalho das majors e o independente.

Em termos objetivos, Nuno Saraiva menciona que o pagamento à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) de uma edição independente se processaria de forma completamente diferente, no caso de ser lançado pelo mainstream, dado que “as majors podem pagar a reprodução mecânica conforme vão vendendo o seu produto, no pós-venda, enquanto os independentes, até dezembro do ano passado, tinham que pagar à cabeça”.

O caso de duas editoras portuenses: Monster Jinx

A Monster Jinx é um coletivo artístico e uma plataforma de edição e distribuição de música independente, que surge quando Stray se junta com um grupo de amigos e, com a era tecnológica já em mente, decidem criar uma editora que funcione sobretudo por via digital. O conceito estava já bem formulado e o processo definido: “A música seria oferecida e aceitaríamos donativos conforme a vontade das pessoas”, conta Stray ao JPN.

A editora surge também como um “orfanato” para “unir vários projetos que andavam por aí espalhados e que não tinham propriamente nenhum sítio onde estar ou pertencer”. Stray afirma que sentiu que existia um espaço por preencher e que a Monster Jinx seria o veículo certo para o fazer, dado que “a Monster Jinx faz um pouco de tudo”, embora a música produzida esteja ligada maioritariamente aos ramos do hip hop, rap alternativo e eletrónica.

O Porto acolheu bem este conceito. “Estamos a preencher esse espaço, para o qual ainda não existia exposição ou público. Ou, no caso de o público existir, não estaria preparado para receber este tipo de música. Sentimos muito este espaço e quisemos carimbá-lo para nós”.

Assim sendo, a editora fonográfica independente ocupa um potencial por explorar, embora Stray afirme: “Nunca vamos estar no topo de um festival, mas a verdade é que temos vindo a conquistar o nosso espaço. Temos noção de que a nossa música não é fácil de ser consumida, mas também temos a noção da responsabilidade que temos de a mostrar”.

Aos poucos, a editora vai ganhando o seu público e vê o seu trabalho valorizado. Para Stray, o feedback positivo é essencial, e acredita num projeto com sucesso a longo prazo: “Na Monster Jinx corremos para as maratonas, não para os sprints”.

Lovers&Lollypops

A Lovers&Lollypops surge, inicialmente, como um projeto de faculdade de Joaquim Durães, que acaba por trazer para Portugal uma realidade sentida numa deslocação a Barcelona para elaborar um documentário sobre os Mão Morta. A editora responsável pelo festival “Milhões de Festa” e pelo “20 Vinte XX” está no ativo há dez anos e conta já com “várias vidas”, mas nem por isso decide desistir.

Joaquim Durães falou ao JPN sobre as dificuldades que se vive no universo da música independente, afirmando que “num mercado como o nosso e num país como o nosso, periférico, há uma série de dificuldades”. “Mas nós costumamos dizer que nascemos em crise e continuamos em crise, por isso, o contexto acaba por nos ser igual… É uma batalha diária e é tão difícil como em qualquer outra área”, refere.

O Porto acabou por ser a casa de que a Lovers precisava, embora, inicialmente, se sentissem algumas implicações: “Encontrar um sítio para as bandas tocarem era uma complicação enorme. Os bares não estavam nada recetivos ao tipo de música que nos estávamos a propor”, conta Joaquim Durães.

No entanto, a editora acabou por encontrar alguns parceiros, mesmo que, inicialmente, esses sítios não apresentassem as condições necessárias para dar um concerto. “Nós carregávamos tudo, limpávamos e fazíamos bar. Acabamos, onde não havia nada, por colocar as coisas a acontecer e depois começaram a aparecer mais parceiros, mais editoras, mais bandas e  mais promotoras”, revela.

A música independente encontrou na Invicta o público e o espaço de que precisava para se desenvolver, e o Porto conta já com vários locais onde esta filosofia de trabalho é empregue. As constantes inovações a nível tecnológico, aliadas a uma vontade de fugir ao mainstream e à liberdade criativa, levam a que os artistas, cada vez mais, se distingam do comercial de forma bem sucedida.