Onofre Varela, que esteve, neste fim de semana, na Casa da Beira Alta, no Porto, admite que a ideia de abordar o humor na imprensa surgiu depois do que aconteceu em Paris, em que jornalistas do satírico Charlie Hebdo foram assassinados, naquele que o cartoonista denomina como “ataque cobarde”.

“Fazer humor é uma atividade de risco”, começa por dizer Onofre Varela, salientando a importância de “dizer às pessoas que um humorista, por vezes, está a jogar na corda bamba. Pode cair e magoar-se muito”.

Censura

Se, durante a ditadura, era preciso ter atenção especial a tudo o que se escrevia e dizia, agora já não é tanto assim. “Nessa altura, as pessoas viam recados políticos em todo o lado. A canção Malmequer, de Raúl Solnado, é um exemplo disso. Agora ouvimos a letra e não há nada”, refere Varela.

Na prática, não era o presidente que censurava todos os jornais do país, mas sim os censuradores. “Umas bestas quase analfabetas. Isso fazia com que cortassem tudo o que não percebessem, com medo de serem mensagens escondidas”.

Quando Ramalho Eanes, na altura Presidente, foi pai, Onofre Varela fez uma caricatura do governante a dar à luz. Por cima escreveu: “Quem foi que disse que Ramalho Eanes este ano não fez nada?”. Depois de ser publicado, recebeu uma chamada da Polícia Judiciária e teve de se dirigir à esquadra por mais do que uma vez. “Disse que o objetivo era fazer humor, não insultar o senhor Presidente. No fim, não aconteceu nada, mas serviu para autocrítica”.

“Autocrítica?”, questionou uma das pessoas sentadas a ouvir Onofre Varela, na Casa da Beira Alta. “Parece-me autocensura”, completa. O cartoonista sorri e acaba por concordar: “Ainda assim, é uma autocensura positiva. Percebi que tenho direito à expressão, mas sempre sem ferir o outro, e, agora, também tenho muito cuidado quando se trata de uma figura pública. Passei a ser mais criterioso na escolha do boneco”. Ainda assim, sublinha que “a caricatura não é nunca um insulto, é uma crítica”.

Os trabalhos de Onofre Varela

O “Inocêncio” foi uma das personagens criadas pelo cartoonista, “um pai de família que dizia umas piadas”, descreve. Apesar de incluir conversas de família – como quando o filho perguntou a Inocêncio por que é que os adultos não tinham criado o Dia da Criança e não tinham tornado o mundo melhor para os mais novos –, houve episódios da vida dessa personagem que não agradaram aos chefes de Onofre Varela.

“Uma vez, um dos desenhos mencionava [Francisco] Sá Carneiro. Já não me lembro bem o que era, mas o diretor do jornal disse-me: ‘Isto está bom, mas arranja outro termo para aqui, esta palavra está muito forte’. Depois de ter alterado continuou a dizer o mesmo. Deixei-o lá de lado, não mudei mais”. O jornal saiu sem esse trabalho e, uns tempos depois, o diretor perguntou a Onofre Varela onde estava o Inocêncio: “Respondi-lhe: ‘O Inocêncio foi para a praia e morreu afogado’”.

Caricaturas na História

No Diário Popular, Millôr Fernandes criou uma caricatura acerca das consequências do 25 de abril. No desenho aparecem várias montanhas com degraus e vários “sobe e desce”. “Em primeiro plano aparece uma gruta”, explica Onofre Varela. “Estão lá dois homens. Um olha para o cenário da cordilheira e outro bate-lhe nas costas e diz: ‘Cuidado com o degrau’”.

Igreja

Para Onofre Varela, “a Igreja é que tem de evoluir mais”. “Não conheço os outros países para garantir que aqui é pior do que nos outros lados, mas aqui eu posso garantir que é complicado criticar a religião”, explica Onofre Varela, em conversa com o JPN. “É obra do diabo criticar a religião”, acrescentou.

O cartoonista comparou ainda a situação portuguesa com a do país vizinho. “Em Espanha, os humoristas fazem piadas sobre a Igreja e não são perseguidos por isso. Aqui, há uns anos, por  um cartoonista ter posto um preservativo no nariz do Papa, o parlamento parou por um dia para discutir o assunto”, relembra. “Só pretendia mostrar que o Papa estava a meter o nariz onde não era chamado e a atitude do Governo demonstrou a falta de maturidade” nestes assuntos.

Em forma de contraste, Onofre Varela contou o caso de um ateísta que uma vez foi falar sobre o ateísmo a uma igreja de uma vila, porque só esse local é que tinha “um salão capaz de receber toda a gente”. “Este é um sinal de maturidade democrática que não se vê em Portugal”, remata.

Jogos de interesses

A falta de transparência e de imparcialidade dos órgãos de comunicação é um dos principais problemas da imprensa anunciados por Onofre Varela. Para além da interferência da Igreja – com visitas regulares da Opus Dei a vários diretores de jornais –, o cartoonista contou a história de um “amigo que tinha um sobrinho internado numa instituição que resolvia os problemas de viciados de droga. Foi internado e morreu”.

“O tio falou comigo, era a única pessoa que conhecia no jornal”. Entretanto, o diretor do jornal pediu ao jornalista a quem Onofre Varela tinha falado do assunto, que fizesse uma peça em que homenageasse esse mesmo local. “O jornalista falou comigo e perguntou-me: ‘O que faço? O que o patrão manda ou que morreu lá o sobrinho do teu amigo?’. Ninguém chegou a saber que morreu lá uma pessoa”, partilha o cartoonista.

Quando questionado acerca da presença de jornais satíricos em Portugal, Onofre Varela adianta que “os jornais portugueses são um caso complicado, porque estão entregues a grupos de interesses e cada jornal trata de defender o seu interesse particular”. Ainda assim, destaca o suplemento do jornal Público – Inimigo Público – como “o único jornal satírico que agora existe no país”.