Desde 2011, duas torres caíram no Bairro do Aleixo. A última foi implodida em 2013. De lá para cá, não se abalaram só estruturas. No Aleixo vive-se na corda bamba da incerteza. Os moradores são os primeiros a afirmá-lo. O JPN visitou o Bairro do Aleixo e o interior de duas das três torres que se mantêm, onde os residentes deram a conhecer a realidade de um lugar que deixou, invariavelmente, de ser o mesmo. Há a dicotomia dos que querem ficar na “casa” onde vivem há décadas e dos que querem sair para terem melhores condições de vida e, sobretudo, de habitação.

Em frente à Torre 1, considerada uma das mais problemáticas devido ao estado de degradação do edifício e à afluência no tráfico de droga, uma moradora de 75 anos afirma que a possibilidade de sair do bairro não é remota, mas a comunicação e a ajuda institucional teimam em não chegar: “Mandaram-nos [aos moradores] recibos do aluguer a dizer que em breve íamos ser chamados, mas, até agora, ainda ninguém nos chamou”.

Quando é altura de fazer uma perspetiva desde a queda das torres, a moradora não hesita em reconhecer que há menos movimento, contudo, assegura, com desalento, que o Aleixo “não interessa a ninguém”.

Alguns moradores viviam na Ribeira e foram realojados no Bairro do Aleixo com a ajuda da Câmara Municipal do Porto (CMP). É o exemplo desta moradora. Há 42 anos a viver no bairro, considera que este é o momento certo para sair. A residência na Torre 1 não lhe oferece as condições mínimas de habitabilidade: “Chove dentro da minha casa, para dormir tenho de estar com uma bacia ao lado para apanhar a água. Por cima de mim já não mora ninguém, mas as varandas estavam abertas e a chuva entrava. Estragou-me a casa toda, tenho tudo estragado”, afirma.

Embora a idosa se sinta segura, tem a perceção de que, à noite, o ambiente se modifica. A forma de se alienar dos problemas recorrentes é permanecer em casa assim que a noite chega: “Eu, a partir das 20h, estou em casa. Fecho a minha porta e deito-me. Pode haver o que houver na rua, que eu não abro a porta a ninguém”, explica.

A droga é uma realidade que não está distante da moradora. O filho é toxicodependente, pelo que se revela impossível viverem na mesma casa: “Não está comigo, está a viver na rua. Em que sítio, não sei”. “Andar com as vozes” é assim que a idosa classifica a indefinição quanto ao futuro do Aleixo. Um bairro diferente do passado, mas com questões ainda por resolver.

O Aleixo “ficou mais triste”

Andreia tem 33 anos, mora no Bairro do Aleixo desde que nasceu e é convicta ao afirmar que ela e a sua família nunca tiveram problemas com as pessoas ligadas ao tráfico de droga: “Não se metem connosco, nem com os nossos meninos. Isto tem mais fama do que aquilo que é”, esclarece. O sentido de comunidade diminuiu nos anos subsequentes à queda das torres, mas continua vivo nos vizinhos e entre as pessoas. A hipótese de não existirem estas relações afetivas no local onde será realojada entristece Andreia. Para a moradora, as torres caíram e as pessoas sentiram a mudança. O Aleixo “ficou mais triste”.

Se perguntassem a Fernando Carvalho se queria ficar no bairro, diria, sem problemas, que sim. Há 45 anos veio da Ribeira para o Aleixo e ainda carrega um pouco da revolta de estar, novamente, na situação incerta de ter de mudar de casa: “Prometeram-nos que a gente não ia mudar outra vez. E, afinal, é tudo mentira”, desabafa. A inevitabilidade de ter de sair leva Fernando a crer que a razão por detrás do processo de demolição é a distinção social: “Prioridade aos ricos e os pobres para o canto, infelizmente. Vamos sair todos daqui. Aqui não vai ficar ninguém, vai ser tudo condomínios fechados”.

Para Maria José, o desaparecimento das duas torres e a consequente diminuição de pessoas proporcionaram sossego ao bairro. A “boa vizinhança” e o facto de “não se meter com ninguém” são os fatores que fazem a moradora sentir-se bem no Aleixo, um lugar de onde só quer sair “para o cemitério”.

A solução do Aleixo é “apostar nas pessoas”

O Padre Domingos Oliveira é o responsável pela Paróquia de Lordelo do Ouro, no Porto, na qual está inserido o Bairro do Aleixo. O pároco é uma das figuras cuja proximidade lhe permite conhecer de perto as fragilidades do local, dos moradores e de todos que se dirigem ao bairro. A habitação é uma das matrizes que o Padre Domingos Oliveira gostaria de ver resolvida o quanto antes, para que o bem-estar seja assegurado o mais depressa possível, tanto para os moradores como para os que vivem na rua.

O “diálogo de proximidade” é o que a Paróquia pretende incentivar junto dos moradores e das pessoas sensibilizadas na dinamização dos serviços sociais em prol do Aleixo. A diversidade de problemas sociais, desde a toxicodependência até aos sem-abrigo, tornam a ajuda paroquial insuficiente, porém, a “boa vontade” é o guia. O pároco tem consciência de que o cerne das dificuldades não está apenas nas pessoas que vivem no Bairro do Aleixo. O tráfico de droga, por exemplo, é proliferado de fora para dentro e vice-versa: “Vem muita gente avolumar o problema, depois são os do Aleixo. Não é o Aleixo, é a cidade toda e os arredores”, esclarece.

Entrada de Mota-Engil no Fundo do Aleixo

Parte do futuro do Bairro do Aleixo está assente no Invesurb – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, responsável pela demolição das torres. A 26 de fevereiro foi anunciada a entrada da empresa Mota-Engil no Fundo, o que, presume-se, irá acelerar o processo de realojamento dos moradores e colmatar a instabilidade no Aleixo.

A entrada de cerca de dois milhões de euros pela empresa no Fundo, segundo informações recentemente divulgadas, pode significar a resolução de problemas no bairro social.

(Des)Humanização?

Simão Mata é psicólogo e trabalhou  numa equipa de redução de danos pela Associação Norte Vida no Aleixo, organismo para o qual ainda trabalha. No ano de 2011, aquando da demolição das duas primeira torres de habitação do bairro portuense, o psicólogo trabalhou na área e recorda-se que a promessa da CMP era realojar, assim que possível, os moradores que habitavam nas restantes torres, também.

Para o psicólogo, o que levou à decisão da demolição e o que existiu no bairro, num ponto de vista camarário, foi uma construção de um problema social em torno do tráfico de droga. O psicólogo admite que a zona onde o bairro está construído é bonita e atrativa e que “o tráfico de droga foi um álibi que as autoridades políticas encontraram para construir um problema associado ao bairro e, deste modo, tirarem dali pessoas pobres para colocarem pessoas ricas”.

Na sua experiência no bairro, Simão Mata encontrou muitas pessoas que queriam sair dali, porque o Aleixo era um bairro diferente do que um dia conheceram. De forma essecial, “o que as pessoas querem é ser tratadas com alguma humanidade”, afirma o psicólogo. Para Mata, na destruição das duas torres houve uma apropriação mediática do problema que ali estava, “as pessoas não querem que as suas casas sejam destruídas com centenas de pessoas a assistirem, e isto aconteceu com a passagem em direto nas televisões”.

Para o psicólogo é, ainda, necessário existir uma preocupação com os habitantes que consomem droga para que haja uma diminuição de riscos. “A construção de uma sala de consumo assistido tem, obviamente, de se colocar. De acordo com o psicólogo, isso iria ajudar a reduzir os problemas socias da zona, uma vez que o número de adesões para tratamento de consumo de droga iria crescer, o número de overdoses diminuiria. Segundo o profissional da Norte Vida, a intervenção no Aleixo não passa pela destruição, mas sim pela humanização.

A psicóloga Sandra Vieira faz parte também da Associação Norte Vida e, no momento, trabalha diretamente com os habitantes do Aleixo. Deste modo, o papel da associação e dos colaboradores é a redução de danos, ou seja, os utentes consomem as drogas de uma forma mais segura, evitam doenças com a troca de materiais, por exemplo. O que contribui para uma melhor saúde comunitária.

A psicóloga afirma que as pessoas recorrem à Norte Vida, uma vez que é a associação que se desloca até às populações. Assim, tem um papel no consumo de forma mais segura e na prevenção de doenças, como o VIH.

De acordo com Sandra Vieira, o problema central do Aleixo é o valor dos terrenos, mas afirma que destruir os prédios não vai diminuir o consumo de drogas. A intervenção feita no bairro não é a mais correta para a psicóloga, “devia existir uma formação mais educada para os moradores, falta humanidade e formação para uma realidade como esta”.

A força policial que é, por vezes, usada, não vai ajudar na situação. De acordo com Sandra, os moradores não precisam de mais violência, pois todos os dias têm comportamentos auto agressivos. “É preciso entender, tentar encaminhar a vida destas pessoas e perceber do que necessitam”, remata a psicóloga.

É preciso uma alternativa

Já para Agostinho Rodrigues, diretor executivo da Agência de Desenvolvimento Integrado de Lordelo do Ouro (ADILO), o bairro do Aleixo tem uma história muito complexa e “traduz as contrariedades própria de uma grande cidade, como é o Porto”.

O diretor, que conhece de perto a realidade do bairro portuense, não tem dúvidas e afirma que foram tomadas decisões políticas sobre aquele local, que condicionaram a vida dos moradores, chegando ao ponto em que agora se encontra, em que já não há alternativa.

“Os habitantes têm um sentimento ambivalente, querem continuar ali, mas sabem que não há condições para ficarem, sendo necessário encontrar um alternativa para isto. Espero que o município tome medidas o mais rapidamente possível”, diz Agostinho Rodrigues.

O diretor alerta para as implicações que as medidas tomadas à volta do Aleixo podem ter no resto da cidade do Porto: “O Aleixo não é uma ilha e o poder político tem que ter isto em atenção”.  Rodrigues não concordou com a decisão que se tomou com a queda das duas primeiras torres em 2011, mas afirma que as expectativas desta decisão não foram atingidas, talvez pelo cenário macroeconómico que a cidade e o país encontraram posteriormente. Do que tem conhecimento, no momento, a CMP está a tentar encontrar uma solução para o Bairro.

O director executivo da ADILO diz que se compreende o sentimento de injustiça que os moradores possuem. O cenário de partida para o desaparecimento do Aleixo era a construção, naquele local, de um empreendimento de luxo, mas Agostinho Rodrigues afirma que não sabe se vai, ou não, realizar-se esta proposta e que não é de conhecimento público.

“O que é importante é que seja encontrada uma solução para garantir a dignidade dos moradores e o seu bem estar, porque eles, em grande medida, não têm culpa da situação, são vítimas de um processo”, afirma. Para o assistente social de formação, esta não é uma realidade linear, mas sim um processo que decorre há muito tempo e que teve vários atores, como os moradores, o poder político, a comunicação social e algum fundo cultural. “O problema aqui foi o bairro ganhar má fama e a estigmatização”, declara o diretor.

Segundo Agostinho Rodrigues, o problema não fica resolvido “chutando” as pessoas de um lado para o outro. “O tráfico de droga não irá deixar de existir só pela deslocação das pessoas; é como a regra do passarinho, se não dá numa árvore, dá naquela que está ao lado”.

Os  moradores do Aleixo entrevistados pelo JPN, ainda não foram contactados pela Domus Social, empresa municipal responsável pelo realojamento dos habitantes. A Domus Social não pretendeu adiantar comentários, por não se revelar “oportuno” comentar a atual situação, enquanto estiverem a decorrer decisões no âmbito do fundo imobiliário criado para a demolição do bairro.