É assim desde 2010. Julho está prestes a findar-se e Barcelos, cidade mais conhecida pelo galo assado cantor (e pela vida do galego que aquele salvou), prepara-se para receber uma invasão inaudita de gente no que seria, à partida, apenas mais um fim-de-semana de estio. De todas as geografias, lá chegam eles, distribuindo-se pelo acampamento gratuito ou pelos hotéis das redondezas. Aquilo que os atrai até às margens do Rio Cávado é o festival que é a menina-dos-olhos da Lovers & Lollypops, promotora e editora sediada no Porto que organiza o Milhões de Festa com a autarquia local.
Para que não haja confusões, estamos a falar de um evento musical numa cidade média do distrito de Braga que já recebeu concertos de gente como El Guincho, The Fall, Hype Williams (2010), Liars, Washed Out, Electrelane (2011), Weedeater, Connan Mockasin, Alt-J (2012), Mykki Blanco, Holocausto Canibal, Mikal Cronin (2013), Earthless, Chelsea Wolfe, Fumaça Preta (2014) e que, este ano, para não baixar a fasquia, irá receber THEESatisfaction, Deerhoof, Michael Rother (ex-NEU!), The Bug, Chancha Via Circuito ou Cairo Liberation Front.
Os melómanos são bem-vindos, portanto, mas é impossível não referir o ex-libris do Milhões de Festa, verdadeiro manifesto do hedonismo fácil, do tempo lento e de algum topless: a piscina. É aí que cada dia começa (e o Verão nunca acaba), entre um mergulho e um concerto ou DJ set — cortesia da curadoria da Red Bull Music Academy. É, por isso mesmo, o palco com menos roupa e mais vaidade de cada edição que passa. Mas não é o único. O Milhões espraia-se ainda pelo palco homónimo (e principal), pelo Vodafone (talvez o mais acolhedor) e pelo Taina, este já fora do recinto do Parque Fluvial da cidade.
Num festival envolto na sua própria mitologia e piadas privadas, — o Homem de Branco ou os panados mutantes à beira rio, por exemplo — a heterogeneidade da oferta musical continua a ser o prato forte e a garantia de pedigree do Milhões de Festa, um festival que chegou a ter edições no Porto e Braga, antes de, em 2010, aterrar na Barcelos-natal da organização. Daí para cá, o Milhões de Festa venceu dois prémios para melhor festival de pequena dimensão nos Portugal Festival Awards e consolidou-se como experiência à margem do circuito.
Alinhamento periférico
Joaquim Durães, ou Fua, o dono-disto-tudo da Lovers & Lollypops, explica que o alinhamento deste ano é o resultado da vontade da promotora “em ter um cartaz plural que responda a uma série de questões” como, por exemplo, “o rock precisar de referências exteriores para ser abalado”. Essas referências, por seu lado, não raras as vezes “vêm de países e cenas periféricas — América do Sul, África e Ásia — e é essa aproximação que nos faz acreditar que a inovação” não é monopólio “do eixo anglo-saxónico” do costume. O que o Milhões faz é “tentar perceber para onde isto caminha”, resume.
Este ano, a Lovers & Lollypops, que celebra dez aniversários no final de 2015, voltou a apostar num cartaz com uma mão cheia de artistas obrigatórios e muitos nomes razoavelmente desconhecidos, alguns dos quais possivelmente veremos, num futuro não muito distante, a abrilhantar o cartaz de festivais com maior dimensão — os Alt-J são disso exemplo acabado.
No primeiro grupo temos Deerhoof, THEESatisfaction, Matias Aguayo, The Bug ou Michael Rother. No segundo estão All We Are, Tijuana Panthers, Grumbling Fur, Golden Teacher ou Cave Story, mas também Anthroprophh, Holydrug Couple, Meridian Couple, TNT Subhead, Gum Takes Tooth ou Go!Zilla. A jogar em casa estarão os portugueses Branko, Éme, Live Low, Medeiros/Lucas, Tiago Miranda e, escusado é dizer, Riding Pânico (que tocam em todas as edições).
Os norte-americanos Deerhoof (24 de Julho) são tão veteranos quanto difíceis de catalogar e, a julgar pelo último “La Isla Bonita”, continuam a ganhar concertos com nota artística. As THEESatisfaction (24), que já este ano editaram “EarthEE” (algures entre a Dorothy Ashby de “Afro-Harping” e os Shabazz Palaces), são o concerto obrigatório para tomar o pulso ao zeitgeist. Entre Santiago do Chile e Colónia, Matias Aguayo (24) é só um tipo normal a provar que nem toda a música electrónica foi inventada. No mesmo campeonato, embora no campo ao lado, o produtor de culto Kevin “The Bug” Martin (26) promete electrónica febril e rastejante. E por último, mas definitivamente não menos importante: Michael Rother (25). É alemão e sexagenário, mas com a carreira dos últimos 40 anos (Kraftwerk, Neu!) dificilmente vem a Barcelos fazer turismo.
Os bilhetes para a edição 2015 do Milhões de Festa custam entre os 30 (bilhete diário) e os 60 euros (passe geral, que sobe para os 70 depois de 13 de Julho). Só no resta fazer as malas enquanto Barcelos se prepara, mais uma vez, para se transformar na capital periférica de todos os estilos.