Há o Curtas, festival, e há o Curtas C. R. L., organização. E há o Campus, um projeto que tem como objetivo produzir filmes com realizadores e com alunos do ensino superior de escolas do Norte, e há a Solar, uma galeria de arte cinemática que promove residências artísticas.

Do primeiro saíram “A Glória de Fazer Cinema em Portugal”, de Manuel Mozos, “Noite sem Distância”, do espanhol Lois Patiño, e “Undisclosed Recipients”, de Sandro Aguilar. De uma residência artística na Solar brotou “Vila do Conde Espraiada”, de Miguel Clara Vasconcelos. Linguagens diferentes que, de certa forma, nos falam do mesmo.

Mozos parte de uma carta de José Régio a Alberto Serpa, datada de 18 de setembro de 1929, em que o escritor demonstra a sua vontade de formar uma produtora de cinema com um grupo de amigos, os Ultra. Para isso pede a Serpa que procure um amigo, de quem tinha falado e que possuía uma câmara de filmar.

Isto é o que se sabe ser verdade, mas, na realidade, pouco ou nada interessa, porque, afinal, essa sempre foi uma das magias do cinema. Há também um colecionador que reúne todas as peças que estejam relacionadas com Vila do Conde e, entre elas, constam uma série de bobines.

E talvez Régio tenha filmado, em parceria com um produtor francês (Caillaud), em Vila do Conde. No final, uma pequena e bela dedicatória a Manoel de Oliveira, no seu primeiro encontro com Régio, moderado por Adolfo Casais Monteiros.

“A Glória de Fazer Cinema em Portugal” é descendente direto dos últimos trabalhos do realizador português, nomeadamente “Ruínas” e “Outros Amarão as Coisas que Eu Amei” – João Bénard da Costa, que, através de planos maioritariamente fixos, de trabalho de arquivo e de um narrador omnipresente, versam sobre a construção da memória e do próprio cinema.

Uma autobiografia coletiva

Vencedor da Competição Nacional do ano passado, com “Triângulo Dourado”, Miguel Clara Vasconcelos apresentou “Vila do Conde Espraiada”, uma curta-metragem que parte de uma amálgama de filmes recolhidos pelo realizador nos arquivos pessoais de várias famílias da cidade.

Uns mais familiares, uns mais intimistas, outros mais esclarecidos. Para uma maior coesão entre as imagens, Vasconcelos optou por filmar em película 35mm, o que, por si só, remete para a ideia de tempo presente e passado e a relação entre ambos.

Conta a história da sua família, conta a sua história e conta pequenas intrigas que aconteceram durante a sua passagem por Vila do Conde, enquanto criança e adolescente, servindo-se delas para traçar algumas pequenas considerações sobre o mundo.

É uma auto-biografia que se torna coletiva, na medida em que muito daquilo que ali se passa é imediatamente reconhecido pelo espectador, ainda para mais quando o filme é projetado em Vila do Conde.

O norte como cenário predileto

Fora da cidade, mas ainda no norte do país, Sandro Aguilar rodou no festival Paredes de Coura e Lois Patiño no Gerês, contudo, essa desterritorialização aconteceu por motivos diferentes. Enquanto a Aguilar interessava explorar campos desconhecidos – normalmente filma com poucos ou nenhum ator – e novas realidades – nunca tinha ido a um festival de verão -, Patiño insistiu em algumas das ideias lançadas em “Costa da Morte”, e que caracterizam o seu trabalho, como a relação entre o homem e a natureza ou a noção de fronteira.