Quem não se lembra do Flat Eric, o boneco amarelo da Levis? Compositor – sob o pseudónimo de Mr. Oizo – e cineasta, Quentin Dupieux estreou-se atrás das câmaras com a realização dos videoclips para as próprias composições, como foi o caso de Flat Beat, em que Flat Eric assume o papel de personagem principal.

Do rol de contactos enquanto produtor musical surgiu Marilyn Manson, transformado em ator para interpretar David Dolores Frank, em “Wrong Cops” (2013).

E se subversão parece ser um eixo central nos filmes de Dupieux, esta escolha nunca poderia ser inocente: um ícone musical dos anos 90, conhecido por cometer atos bárbaros (ou será mito?) e pela excentricidade visual, representa um jovem aparentemente tímido, pálido, sem ponta de maquilhagem. Embora também David seja corrupto, de resto como todas as personagens que vão aparecendo ao longo do filme.

Como o título “Wrong Cops” indicia, o realizador faz uma paródia das séries policiais americanas e das academias de polícia. Aqui, os polícias engatam raparigas através de multas, vendem droga dentro de ratos ou peixes, têm relações promíscuas com os colegas. De forma cómica e, às vezes, até ordinária, Dupieux subverte a ideia de autoridade inerente àquela classe. Um verdadeiro atentado ao pudor.

Apesar de a décalage temporal entre a realização de “Wrong Cops” e de “Reality” ser apenas de um ano, a maturação do trabalho de Dupieux é evidente e provém de um filme muito mais consistente e profundo.

Os laivos cómicos subsistem de forma pujante, lembrando até Quentin Tarantino – há personagens que esguicham sangue pelos ouvidos -, mas, muito para além disso, o cineasta consegue desconstruir o dispositivo cinematográfico em várias camadas, numa narrativa que deve muito a David Lynch.

São estórias dentro de estórias e filmes dentro de filmes, literalmente. Particularmente atento aos detalhes irónicos, Dupieux escolhe o nome “Reality” para uma personagem infantil, que se torna fundamental para revelar um dos grandes mistérios do filme: o que tem a cassete VHS, encontrada nas vísceras de um javali morto pelo pai da criança? Pormenores que roçam o absurdo num filme em que os sonho e a realidade se imiscuem. Mas qual realidade?