Na passada terça-feira, o movimento na Praça Coronel Pacheco, no Porto, foi invulgar. Ao final da tarde foi acionado um plano de ação para a retirada de um ninho de vespa velutina, mais conhecida como “vespa asiática”. Os Bombeiros Sapadores do Porto e a Proteção Civil estiveram presentes, bem como alguns curiosos. O ninho estava atrás do edifício do Pólo de Indústrias Criativas (PINC) do UPTEC, bem escondido no cimo de uma das maiores árvores.

Mas será que está devidamente informado sobre esta espécie? Para tentar perceber melhor o assunto, o JPN falou com o doutor José Manuel Grosso-Silva, biólogo que atualmente trabalha no Museu de História Natural da Universidade do Porto. Foi o primeiro em Portugal a estudar o fenómeno da “vespa asiática” e a sua evolução. Uma vez que é um entendido sobre o assunto, colabora com as autoridades e câmaras municipais, fornecendo-lhes informações fundamentais para as mesmas atuarem.

“A história começa há cerca de 12 ou 13 anos em França”, revela. Tudo aponta para que tenha sido introduzida de forma acidental no continente europeu, através de transporte de mercadoria onde algumas poderão ter-se infiltrado. O processo de colonização iniciou-se no sudoeste de França e, a partir daí, a progressão da vespa foi fulminante. Pouco tempo depois, ultrapassou os Pirinéus e começou a ocupar o norte de Espanha. O que se pensa é que a colonização por cá terá sido independente da espanhola. Em Portugal, assume-se que ela tenha entrado de forma semelhante à francesa, através do transporte de madeiras. Apareceu pela primeira vez há quatro anos atrás, na zona de Viana do Castelo, e foi daí que se começou a expandir, mais particularmente para Sul. “Desde 2011 até agora, elas já colonizaram o noroeste de Portugal até a Norte de Coimbra”, revela o biólogo.

Um dos grandes problemas com a sua presença tem a ver principalmente com a sua dieta. “Ao contrário da espécie mais próxima que faz parte da nossa fauna, que tem uma dieta mais generalista, a “vespa asiática” tem uma grande predileção pela abelha doméstica, produtora de mel”, diz o Dr. Grosso-Silva. “São dezenas e dezenas de abelhas que são caçadas em cada dia pelas vespas”, comenta, pelo que “o primeiro impacto que ela provoca é sobre a apicultura”. Isto tem consequências graves sobre o ecossistema local, pois as abelhas são responsáveis por parte significativa do serviço ecológico da polinização. Esta questão é de extrema importância pois acaba por ter impactos indiretos no ser humano. “Muitas plantas que nós comemos, consumimos, que são importantes ou fundamentais na dieta humana são polinizadas por insetos”, nota.

A sua presença não traz absolutamente nenhum benefício para a fauna ou a flora local. Antes pelo contrário, a vespa velutina assumiu, de acordo com o especialista, um comportamento puramente invasor. “As espécies invasoras têm todas essa característica, não têm os seus predadores, não têm o controlo natural das suas áreas de origem, e produzem danos de várias naturezas: podem ser pragas agrícolas, podem danificar património construído, podem provocar problemas de saúde pública”, explica. Ela já se instalou em território português e não pretende sair daqui. O seu ritmo de expansão é “menor do que em França”, mas nota-se a sua evolução para Leste e Sul do país. Apesar de perder densidade consoante se afasta de Viana do Castelo, a sua presença faz-se realmente notar.

SOS – Vespa

Para facilitar o trabalho das entidades responsáveis pela identificação e posterior destruição dos ninhos da vespa velutina foi criada uma plataforma online, também disponível para smartphone, que pretende colocar a comunidade nacional de ‘mãos à obra’. Quem avistar um ninho – ou aquilo que pensa ser um ninho – desta espécie deverá introduzir a localização de avistamento na plataforma, bem como algumas informações como as características do ninho e fotografias para análise. Os dados recolhidos pela comunidade serão automaticamente enviados aos técnicos de Segurança Pública e Proteção Civil da respetiva área de jurisdição que se encontrem registados na plataforma, para que os mesmo possam avaliar a melhor forma de atuação. Quando o ninho for eliminado, o técnico da Proteção Civil responsável terá de registar essa atualização e será enviada uma notificação ao utilizador que detetou o ninho.

Além de funcionar como uma forma de alertar para a existência da vespa asiática, a plataforma acaba por ser fundamental para compreender as dinâmicas e padrões de distribuição espacial da espécie e quais as zonas mais afetadas no território nacional, bem como as mais críticas. Os elementos registados são fundamentais para otimizar as estratégias de operação e controlo da espécie.

Na plataforma SOS – Vespa é disponibilizado o Plano de Ação para a Vigilância e Controlo da Vespa Velutina em Portugal com todas as informações respetivas à espécie, entidades e meios intervenientes, vigilância, controlo e destruição, entre outras. Este plano foi desenvolvido pela DGAV – Direção Geral de Alimentação e Veterinária e pelo ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, com a colaboração do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária.

Existem muitos mitos à volta da vespa que, para o cientista, devem-se à mediatização excessiva que se fez à volta da aparição da mesma no panorama nacional. “Parte das conceções erradas que as pessoas têm, tem logo a ver como os primeiros casos e observações de vespeiros surgiram na comunicação social: designações como ‘vespa assassina’, ‘vespa gigante’ ”, refere. De facto, o próprio menciona que “a vespa asiática não é mais perigosa do ponto de vista do veneno do que a vespa nativa”. “Esta até é ligeiramente menor em termos de tamanho do que a nossa vespa nativa. Ela não é gigante nenhuma quando comparada com a vespa da nossa fauna”, continua. “É assim que foi ‘vendida’, digamos, foi ‘pintada’ com essa aura de grande perigo no princípio e as pessoas rapidamente se assustam”.

O Comandante Operacional da Proteção Civil do Porto, Rebelo Carvalho, que também ocupa o cargo de Comandante do Batalhão de Bombeiros Sapadores do Porto, esteve presente nas instalações do Pólo de Indústrias Criativas para proceder ao planeamento da remoção do ninho que aí se encontrava. No mesmo dia, a Proteção Civil iria ainda remover outros dois ninhos, encontrados perto da Igreja do Bonfim.

“Na cidade do Porto, e refiro-me só ao município, estão registados cerca de 115 ninhos, dos quais 90 já estão destruídos à data”, revela ao JPN. Estes dados fazem referência ao período de tempo desde setembro de 2014. A câmara do Porto tem tentado contrariar a evolução da vespa, através da colocação de várias armadilhas. Essas armadilhas são desenvolvidas especificamente para apanhar essa vespa e que possui escapes para outros insetos que possam inadvertidamente entrarem numa, pois o objetivo é apanhar apenas a vespa velutina, mais particularmente as “fundadoras”.

“Cada fundadora que nós capturarmos, é menos uma colónia que vai existir. É um princípio fundamental”, explica o doutor Grosso-Silva. Além da vantagem natural, também traz vantagens económicas. “É nesse momento, com muito menos investimento, muito menos dispêndio, muitas menos verbas, não é preciso viaturas, funcionários, a infraestrutura toda”, nota. Estas armadilhas estão incluídos dentro do Plano de Ação para a Vigilância e Controlo da Vespa velutina em Portugal, que tem sido desenvolvido pela DGAV – Direção Geral de Alimentação e Veterinária e pelo ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, com a colaboração do, INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária.

Caso dê de caras com um ninho de vespa velutina, o comandante operacional da Proteção Civil afirma que “no espaço até 5 metros, qualquer atividade humana não afeta o seu desenvolvimento, o seu estar no ninho”. Esse facto é corroborado pelo biólogo. “A primeira atitude é não ir lá mesmo mexer ou ver muito ao perto do que se trata”, diz o próprio, categórico. “Trânsito de e para o vespeiro faz com que, se as pessoas se aproximarem, possam ser entendidas como ameaça e as vespas defendem-se. As vespas atacarem é na verdade elas a defenderem a colónia”, explica.

O que podem então fazer as pessoas? Uma das soluções passa por utilizar a plataforma disponibilizada pela câmara do Porto para o efeito, o “SOS – Vespa(ver caixa). Outra das soluções passa por avisar diretamente a Proteção Civil, que tem trabalhado um pouco por todo o lado na área do Porto mas faz só o que pode. “Só estamos a destruir aqueles que nos são comunicados, e depois de devidamente identificados como vespas asiáticas”, informa o Comandante.

Para o cientista, é aí que reside parte do problema. “Alguém observa [um ninho] e tem que fazer várias chamadas, ligar para várias instituições, às vezes até liga para a instituição certa, a Proteção Civil, mas remetem para outro número, outro contacto”, desabafa. “Em vez de transmitirem internamente a informação, de recolherem essa informação e eles próprios transmitirem-na, são questões às vezes burocráticas, de compartimentos dentro das instituições que depois atrasam a resposta”, remata.

“Há sítios onde o processo funciona muito bem e outros onde funciona menos bem. Isso para as pessoas é um bocado desmotivador, a pessoa está preocupada, está assustada, tenta transmitir a informação e por vezes o que tem é que passar por um conjunto de chamadas telefónicas sucessivas até encontrar de facto quem tome nota da ocorrência e acione os meios. Se a pessoa vir um segundo vespeiro depois de ter andado nessa luta para passar informação, o que a pessoa vai fazer?”

Finalmente, é necessário ter em conta que a maior ameaça que a vespa representa é para a abelha e consequente polinização e destruição agrícola.