Às 18h30 da passada quarta-feira, a rua Dr. Carlos Brandão até poderia parecer normal, não fosse a presença das câmeras. Do lado da rua oposto ao número 132, estavam duas pessoas paradas, a observar o edifício: um homem encostado à parede e uma senhora. Nas mãos dela, encontrava-se um cartaz onde se lia “Liberdade Já!” e “O Silêncio Mata!” e ainda, uma foto de uma pessoa com a legenda  “Para os activistas angolanos. Luaty, Albano, Todos”.

Com o passar do tempo, aos poucos, mais pessoas foram chegando. Posicionaram-se ao lado da senhora e, progressivamente estenderam-se ao resto do passeio. De olhos postos no mesmo edifício, todos pareciam estar à espera de algo. Não sabiam bem o quê, mas aguardavam por algum sinal, alguma coisa, embora nada acontecesse. Olhavam para as persianas cerradas das janelas do Consulado Geral de Angola, à espera de detetar algum tipo de resposta ao protesto que se ia, aos poucos, formando naquela rua habitualmente calma. Os moradores nos prédios circundantes olhavam curiosos para a multidão que aí se vai formando pacificamente.

O protesto, em defesa dos quinze ativistas atualmente presos em Angola desde 20 de Junho, organizou-se e localizou-se ali de forma propositada. “É um sítio estratégico, o mais próximo que nós temos de uma confrontação direta com os representantes do poder angolano” explicou Mafalda Araújo, estudante da Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Foi uma das pessoas que fez parte da organização deste protesto. Para ela, era importante deslocar-se e ajudar estas pessoas a fazerem-se ouvir.

Não deu importância ao facto dos presos se tratarem, em boa parte, de jovens referindo que a situação “transcende a barreira geracional”. Aliás, a mesma insistiu não querer que a manifestação de apoio seja subvertida pela sua idade, nem da idade dos que a acompanham e ajudaram a organizar a iniciativa. Para Mafada Araújo trata-se de “uma questão básica de direitos humanos” e que, embora tenha a noção que pelos presos serem jovens isso possa atrair outros, tal como ela, é uma questão que ultrapassa as barreiras geracionais “precisamente por ser um direito tão elementar que diz respeito a todos nós, novos ou velhos: a liberdade de expressão e de pensamento”.

Para seu agrado, a multidão incluiu, de facto, pessoas de todos credos, tamanhos e idades. Desde crianças pequenas demais para perceberem a importância do evento, a pessoas que precisavam de ajuda para se deslocar aí, não existiu preconceito de idade, raça, ou género. Todos se incluiram, juntos, numa tomada de posição que consideram essencial. Maior parte tinha nas mãos fotos de caras. Outros, cartazes com várias coisas escritas.

Tatiana Moutinho, investigadora científica e ativista, também lá esteve. Não ajudou a organizar este evento específico, mas chegou a organizar outros anteriores, inclusive na semana passada. Observava atentamente todo o grupo, que chegou a contar com mais de 70 pessoas, e conversou com eles. “Estão um bocado menos pessoas do que as que estiveram na semana passada mas mais de metade são pessoas diferentes”, diz. Segundo a própria, isso é um indicador que “se está a conseguir mobilizar mais pessoas em prol desta causa”. Mafalda também mencionou os números, que justificou por “ser dia da semana e num sítio bastante deslocado”.

Quem menospreza este fator é André Rodrigues. “Temos uma tendência para avaliar o sucesso das iniciativas pelo número de pessoas, mas eu tenho a certeza que há muito mais gente envolvida e solidária do que aquela que aqui está, na cidade do Porto”, referiu. Na opinião deste professor, “aquilo que se faz com muito ou pouca gente é sempre válido e sempre importante”. Para ele, trata-se de estar em causa um direito básico óbvio: a liberdade de expressão. “O progresso e a evolução têm sido sempre no sentido de ganhar mais liberdade e não de as perder”, disse.

Os quinze ativistas, presos desde Junho, estão a ser perseguidos pela justiça angolana por estarem alegadamente a prepararem um golpe de estado. A realidade das circunstâncias é que foram encontrados em grupo a lerem um livro que falava sobre formas de derrubar uma ditadura e formar uma democracia. “De facto utilizava estes termos, mas estamos a falar de assembleias relativamente informais”, revelou a Mafalda Araújo. Não o suficiente para se legitimar uma ameaça de golpe, na sua opinião. Para ela, este tipo de discussões são coisas que, “num país democrático”, podia-se fazer em qualquer lado, “até num café” e sem necessidade de se esconder. Para a futura socióloga, é claro que “estes presos políticos são precisamente isso, presos políticos”.

Havia um megafone e várias pessoas diferentes tomaram iniciativa para falar. Não foram apenas jovens. No decorrer da mobilização leram-se várias cartas abertas. Algumas delas dirigidas à Presidência angolana, outras para os seus representantes aqui em Portugal, que esperavam encontrar dentro do consulado. Depois de acabadas as leituras foram iniciados cânticos de protesto, como “Liberdade já, mais tarde não dá” ou “Deixar morrer é matar”.

Também presente no meio da multidão estava um dos deputados do Bloco de Esquerda pelo círculo do Porto, José Soeiro. Classificou o que está a acontecer como sendo “absolutamente inaceitável” e falou da atitude do governo angolano como “vergonhosa”. “Foram presos por estarem a fazer coisas tão subversivas como ler um livro”, indignou-se. O próprio até admitiu que, na sua opinião, o governo angolano “está a perder a cabeça e parece não querer ouvir a voz do bom senso e a voz dos direitos humanos que ecoam por esse mundo fora”.

O movimento conseguiu juntar pessoas de contextos diferentes, desde desempregados a estudantes, passando por investigadores e até deputados, mesmo depois da noite já estar bem instalada. Apesar de se tratar de uma situação que se encontra fisicamente longe de Portugal, houve a necessidade de fazer alguma coisa. Tratam-se de “seres humanos que estão envolvidos numa situação que é inadmissível”, notou André Rodrigues.

Psicólogo desempregado, Pedro Godinho também rebaixou a ideia de que o número da adesão é importante. Para ele, “é importante haver solidariedade” entre pessoas de contextos diferentes e apoiar quem precisa, “mesmo que sejam ações pequenas”. Esteve presente precisamente para demonstrar a sua solidariedade para com os presos e questionou como é que um simples debate, sobre as formas de conseguir melhorar a democracia e obter mais direitos cívicos, pode levar a uma resposta tão radical. “Como é que isso dá direito a três meses de prisão?”.

Três meses de prisão preventiva que, de facto, já acabaram. Mesmo assim, os ativistas continuam incarcerados e atraíram o mediatismo para a sua situação através de greves de fome, sendo a mais divulgada a do luso-descendente Luaty Beirão. Na opinião do representante do BE, “isso não é aceitável num país democrático, que se orgulhe de ser democrático e respeitador dos direitos humanos”.

Com este tipo de ações de protesto e solidariedade, Pedro Godinho tem esperança de forçar tanto “o regime” como “o próprio governo português e outras entidades portuguesas” a tomarem posições quanto a este caso. José Soeiro concordou, afirmando que “a opinião pública mobilizada na rua pode fazer a diferença”. Nesse sentido, vai até mais longe, advogando a necessidade da existência de um movimento internacional muito forte, “capaz de envergonhar e pressionar o governo de Angola para que esta loucura pare e para que estas pessoas sejam libertadas”.

Já a investigadora foi mais apreensiva. Na sua opinião, uma boa parte do silêncio por parte do governo português, tem precisamente a ver com os interesses económicos instalados em Portugal. “Agora tem rabos de palha e não se pode mexer”, desabafava. Mafalda é outra que também se juntou a este sentimento negativista, revelando que para ela “é muito preocupante a posição quer do nosso governo que se demite de qualquer consideração”. Relembrou ainda os laços existentes entre o Partido Comunista Português (PCP) e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos e que o partido português “chumbou inclusivamente um voto de solidariedade em relação aos presos políticos”. Mesmo assim, as duas mulheres não perdem esperança e recusam pensar que os seus esforços serão em vão.

Para o bloquista, é “indignante” este silêncio das autoridades, nomeadamente o das portuguesas e referiu que tal posição “não honra a tradição dos que em Portugal, como noutros países, lutaram pela liberdade”.

Silêncio foi a resposta do consulado angolano. As horas passaram, e nenhum tipo de ação se fez sentir, mesmo enquanto cá fora as pessoas iam entoando cânticos de protesto. “O próprio facto de não termos o cônsul a receber a manifestação mostra bem a postura de Angola”, lamentou a estudante de sociologia.

Apesar disso, todos os participantes prometeram o mesmo. O objetivo é não deixar o assunto esmorecer e não descansar enquanto tiverem o seu propósito para cumprir. “As pessoas não vão ficar impassíveis e vão sair à rua se houver iniciativas, vão organizar-se noutras formas de solidariedade e de pressão”, afirmou Tatiana Moutinho. E de facto, o assunto está a ficar pressante pois já foi ultrapassada a barreira dos 30 dias de greve de fome de Luaty. “A partir de agora cada dia conta e cada vez mais”, revelou a ativista, preocupada. Da mesma opinião encontra-se Soeiro, que afirmou ser obrigação do povo português fazer o que está ao seu alcance. Isso inclui “usar todos os meios possíveis para manifestar solidariedade para com quem foi preso e fazer valer a palavra”. Se há algo que não se pode fazer, segundo este, é ficar calado pois “quem fica calado é cúmplice”.

protesto_luaty

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