No passado domingo, pelas 14h30, a Embaixada Lomográfica do Porto encheu-se de pessoas para o intitulado “Safari Fotográfico”, organizado pela Câmara Municipal do Porto (CMP) e guiado pelos Chei Krew, a dupla de artistas urbanos que enche muitas das paredes da Invicta.
Ao todo eram cerca de vinte, todos prontos para corresponder ao desafio da câmara e da Embaixada Lomográfica: conhecer e fotografar a arte urbana portuense. Ana Ascensão, uma das participantes, considerou o evento importante por ajudar na divulgação deste tipo de arte. “A arte urbana faz parte da cultura e hoje em dia os jovens não têm muita cultura”, afirmou. Ainda assim, o que a cativou para a participação nesta iniciativa foi a possibilidade de contactar com a realidade da lomografia que, nas palavras de Ana, “é diferente, alternativa e bastante interessante”.
Também Diogo Matos e Lourenço Providência, os Chei Krew, assumiram com entusiasmo a liderança deste roteiro. “Acho importante na medida em que damos a conhecer uma versão mais do nosso lado sobre o que fazem outros artistas. Dar a conhecer as coisas, mas do lado de quem as faz”, afirmou Diogo Matos. Sobre a desmistificação popular do que é a arte urbana, Lourenço considera que a ideia está a ficar mais clara no Porto, “estas pessoas aqui são a prova disso”, disse. Quanto ao apoio da autarquia à atividade, Diogo refere que “é absolutamente importante”. “É um ponto de partida para que isto, que vai ser sempre ilegal, se torne mais aceite e em muitos casos legal”, conclui.
Tudo a postos para a viagem começar
Rolos fotográficos a postos, objectivas preparadas e é tempo de seguir caminho. A primeira paragem é a Rua Diogo Brandão. O mural que se vê é uma parceria da Circus e da CMP. Os guias destacam a plasticidade e a linguagem dos artistas que se juntaram, numa pintura que, sem legenda, mostra Dom Quixote de La Mancha e Sancho Pança a cavalo. Em seguida, Centro Comercial Bombarda. O coração de filigrana que ali se encontra, de Hazul e Costah, é ilegal e, segundo Diogo Matos, está em constante mudança.
À medida que se avança pelo Porto, transformado em safari fotográfico, cresce a convivência pacífica entre o método digital e analógico. Selfies com máquinas digitais enquanto se seguram lomográficas na outra mão, gargalhadas, flashs e conversas seguiram viagem com o grupo.
O Douro começa a espreitar o safari na Rua da Restauração. Na histórica via portuense encontra-se um mural que se renova semestralmente. Diogo Matos explica que os artistas se candidatam de seis em seis meses a este projeto da CMP. Os vencedores podem reproduzir o seu trabalho naquelas paredes. No Mural Coletivo da Restauração constam artistas como Eime, ELLEONOR, Jaime Ferraz, Purple Charles, Miguel Paulo, Alma e Third. Neste muro vive Manuel António Pina construído “a triângulo”, num projecto que passou do ecrã de um computador para as paredes da Invicta. Entre simetrias e cores, vê-se também Guilhermina Suggia e os diferentes andares do Porto inspirado na Guérnica de Picasso, projeto dos Chei Krew.
O rio leva o grupo até à Alfândega. Durante a viagem para além do cenário envolvente, contaram-se “#girafasasolta”, o projecto do Chei que espalha girafas pela cidade, em paredes ribeirinhas degradadas e sem cor. Já depois da alfândega, Daniel Eime é apanhado em flagrante. Em cima dos andaimes e de pincel na mão, o artista português pinta com stencil o retrato de uma moradora do bairro, numa das pareces laterais de um edifício.
Na Rua das Flores, entre o som dos cafés vintage e dos músicos de rua, o passeio fotográfico encontra as mais famosas caixas de electricidade do Porto. Aqui, as telas deixam de ser as paredes, num desafio lançado pela EDP e a CMP, e as caixas de electricidade passam a ser coloridas, a contar histórias e a ilustrarem expressões populares portuenses. As obras espalhadas por esta via são de Sílvia Peralta, Catarina Rodrigues e Godmess e SEM.
O percurso segue por São Bento, em direção à Ponte D. Luís I. Os comentários dividem-se entre a paisagem e o pôr-do-sol, mas quem ganha a atenção de quem por ali passa é a obra de Frederico Draw. O “AN.FI.TRI.ÃO”, em grande escala numa parede abandonada, pretende dar as boas vindas às centenas de pessoas que, de metro ou a pé, entram todos os dias na cidade por ali.
Segue-se mais um mural, desta vez caracterizado pela utilização de uma técnica diferente e tão portuguesa e pelo seu cariz interventivo. A obra de Miguel Januário “Quem és Porto?” na rua da Madeira insere-se no projeto ±MAISMENOS± do artista. Nesta fachada é encontrado um mosaico em azulejos ornamentados com expressões e imagens sugeridas e desenhadas por cidadãos e turistas que colaboraram com Januário.
Após o longo percurso, as pernas cansam mas a motivação mantém-se. Já na Trindade, junto ao metro, a colaboração de Hazul e Mr.Dheo enche as objetivas dos participantes. À esquerda, encontra-se “A Invicta”, um mundo utópico representado pelo artista. Ao lado, vê-se a obra “Porto Nobre e Leal”, homenagem de Mr. Dheo ao Porto e ao seu pai, representado na pintura hiper-realista a segurar a Torre dos Clérigos.
Rua acima, no cruzamento da Rua de Camões com a Rua do Paraíso, vê-se o último mural do dia. Uma homenagem em grande escala à Ribeira Negra de Júlio Resende, por BreakOne e Coletivo RUA.
As lomográficas começam a guardar-se. Os rolos terminam e a luz cessa. No caminho de volta à Praça Carlos Alberto, distribuem-se fotografias Polaroid dos participantes junto aos murais. As restantes memórias ficam na Embaixada Lomográfica para serem reveladas. Quem também se revela também é o Porto e a arte urbana dos seus recantos.