Esta quarta-feira, dia 11 de novembro, o Porto ficou mais pobre. Uma das maiores figuras culturais da cidade faleceu na passada terça-feira, ao que tudo indica, vítima de um ataque cardíaco. Esta manhã o presidente da câmara decretou três dias de luto municipal, após comunicar o falecimento de Paulo Cunha e Silva, vereador da cultura.

Cunha e Silva foi um dos principais responsáveis pelo Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura e desempenhava, há dois anos, funções como vereador da Cultura do Porto, convidado pelo independente Rui Moreira. Durante este período, não há dúvidas que fez renascer o ambiente cultural da cidade, através de projetos inovadores e do trabalho que desenvolveu com diversos agentes culturais.

Um dos últimos projetos em que o autarca esteve envolvido terminou no dia 8 de novembro, o Fórum do Futuro, onde levou o tema da felicidade ao Teatro Municipal do Rivoli, ao Teatro Nacional de São João, ao Museu de Serralves e à Casa da Música. Assim, na última semana trouxe nomes como o Nobel da Física John C. Mather, o filósofo francês Gilles Lipovetsky ou ainda o fotógrafo Wolfgang Tillmans para discutir o futuro. Este projeto já estaria até na agenda municipal do próximo ano e, como Paulo Cunha e Silva disse na altura ao JPN, o objetivo era “utilizar a cidade como uma plataforma para o futuro”  e “transformar o Porto numa espécie de ‘Davos do Futuro’, aplicar o mesmo conceito mas em vez da economia, seria para o conhecimento”. É de notar que o “pensador” desenvolveu à cidade o Teatro Municipal, o Rivoli.

Ao longo dos anos, Paulo Cunha e Silva desempenhou um papel inconfundível e único na cultura da cidade e do país. Apesar da sua formação passar pela Medicina, uma vez que se licenciou nessa área pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto (UP ) e chegou até a lecionar Anatomia, foi na Cultura que deixou a sua marca e desenvolveu um longo trabalho e percurso. O trabalho desenvolvido na Universidade do Porto foi também muito notório.

Rui Moreira assume pelouro da Cultura

Rui Moreira assumiu o pelouro da Cultura e nomeou para seu adjunto Guilherme Blanc que ocupava já esse cargo junto de Paulo Cunha e Silva.

De acordo com as informações que Nuno Santos, adjunto do presidente, deu à Agência Lusa, Rui Moreira deu indicação para que “se mantivesse toda a programação” cultural da cidade. Nuno Santos adiantou também que o cargo de vereador da Cultura será ocupado de acordo com a lei, sendo chamado o sétimo membro da lista de independentes apresentada a eleições ou um dos membros seguintes. O sétimo e oitavo lugar da lista são encabeçados pelo engenheiro Manuel Aranha e pelo arquiteto Rui Loza respetivamente, mas a lista é composta por mais cinco nomes e qualquer um dos sete suplentes por vir a ocupar o cardo de vereador da Cultura.

Em 2007 comissariou a exposição “Depósito: anotações sobre densidade e conhecimento” onde trouxe ao edifício da reitoria as peças “escondidas” na universidade. Inês Moreira, professora na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) foi também uma das responsáveis pela exposição sobre os “tesouros” da universidade e definiu Paulo Cunha e Silva como “um agitador de situações inesperadas”. Inês Moreira começou a trabalhar com Paulo Cunha e Silva em Lisboa, após terminar a sua tese de mestrado orientada pelo próprio. Recebeu o convite para ser coordenadora do Laboratório de Arte Experimental, um laboratório por Cunha e Silva criado, no Instituto da Artes do Ministério da Cultura. Ele médico e ela arquiteta encontraram-se pelo “interesse no pensamento do contemporâneo e na questão do corpo, que é importante tanto para a arquitetura como para a medicina”.

“O Paulo, mais do que se focar nos legados e nas figuras eminentes e nos grandes heróis, ele interessava-se era por ideias e por fazer ligações às vezes inesperadas entre alta e baixa cultura, entre áreas da cultura e áreas à margem como a tecnologia e o desporto. Era alguém que levantava questões e estabelecia ligações”, contou a professora de Pensamento Contemporâneo ao JPN, destacando que “Ligações” seria, precisamente, o tema do próximo Fórum do Futuro.

Para além disso, Cunha e Silva colaborou com a Fundação de Serralves e com a Fundação Calouste Gulbenkian e era professor de Pensamento Contemporâneo na Faculdade de Deporto da Universidade do Porto (FADEUP) e presidente da Comissão de Cultura do Comité Olímpico Português. Em conversa com o JPN, Jorge Olímpio Bento, diretor da FADEUP mostrou-se, como seria de esperar, visivelmente surpreendido e abatido, uma vez que ninguém previa “um desenlace tão trágico” de um homem tão assíduo ao pensamento e à cultura. Relembrou que o trabalho do professor começou já há muito tempo, com o Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura e com as conferências e debates que organizava em Serralves “que eram quase transgressores a temas que ele trouxe para a ordem do dia”.

O diretor da faculdade de Desporto considerou que Paulo Cunha e Silva desenvolveu, com o seu trabalho, uma trajetória académica que passava “pela avenida da cultura” e estabeleceu, por isso, uma ligação profunda entre aquilo que era feito fora e dentro da faculdade. “É um dia de perda muito grande para a Universidade do Porto porque ele prefigura uma das missões que anda esquecida nos académicos. O académico deveria ser um intelectual, ou seja, um indivíduo que é um intermediário entre o mundo das ideias e o mundo da cidade. E essa é uma dimensão esquecida na universidade”, indicou Jorge Bento, que via em Paulo Cunha e Silva a representação “contra o senso comum que se instalou não só na cidade, como na universidade”.

Jorge Olímpio Bento destacou ainda o “extraordinário” papel que Paulo Cunha e Silva veio a desempenhar na câmara municipal do Porto e indicou ainda ser, na sua opinião, “o grande mérito do mandato de Rui Moreira”, por transformar a cidade num pólo de vida, cultura e celebração. “Este despertar, esta espécie de fénix renascida das cinzas que é hoje a cidade do Porto se deve muito ao facto de ele ter voltado a encher a cidade de vida cultural”, sublinhou o diretor da FADEUP.

Paulo Cunha e Silva, a voz cultural da cidade

Paulo Cunha e Silva esteve também ligado à Capital Europeia da Cultura Guimarães 2012, através do comissariado que desempenhou na exposição “O Castelo”, a convite da responsável do programa de  Arte e Arquitetura, Gabriela Vaz Pinheiro. Ao JPN, Gabriela clarificou que, na altura, Paulo foi a pessoa mais indicada para representar o cargo, dado o seu “enorme conhecimento e respeito pela história e pelos nossos legados culturais, como pelo entendimento da produção contemporânea”.

Amiga de Cunha e Silva há mais de 25 anos, acredita que será muito difícil substituí-lo no Porto, “naquilo que é panorama cultural e humanístico” da cidade. “A cidade mudou muito e ele conseguiu cativar pessoas que habitualmente, se calhar nem estariam tão atentas aos processos culturais e conseguiu abranger e abarcar muita gente, muitas atividades. Era uma pessoa de um dinamismo muito muito invulgar”, destacou Gabriela Vaz Pinheiro.

Na sua opinião, a dimensão da visibilidade trazida pelo vereador da Cultura foi inconfundível. “A capacidade e o magnetismo que ele sempre transmitiu de dar visibilidade àquilo que fazia e dar visibilidade àquilo que os outros faziam e assim tornar a cultura mais acessível”, referiu. Para Gabriela agora é tempo de continuar o trabalho feito por Paulo Cunha e Silva. “Acho que é a melhor maneira de lhe prestar homenagem. Não igualá-lo, porque isso não é possível, mas continuarmos os seus processos o mais possível e mantê-lo vivo na nossa memória e nas coisas que fizermos daqui para a frente”, mencionou ainda.

A partir das 17h desta quarta-feira, o corpo de Paulo Cunha e Silva estará em câmara ardente no palco do Auditório Manoel de Oliveira do Rivoli, que permanecerá aberto durante toda a noite. O funeral será na próxima quinta-feira, dia 12 de novembro, na Igreja da Lapa.