“Cáustico. Humano. Conhecedor. Profundo. Interior. Sábio. Conciliador.” Foi assim que Pedro Abrunhosa tentou resumir de forma sintética a pessoa que era Paulo Cunha e Silva. A variedade de palavras justifica-se pelo facto de ser impossível classificá-lo numa única. Seria demasiado redutor . Não faria jus à sua personalidade, nem ao seu legado.

Tal como o cantor, muitas personalidades de diversos lugares da sociedade, não só portuense mas de todo o país, fizeram questão de vir até à Invicta prestar uma última homenagem e despedirem-se do vereador da Cultura da câmara do Porto, que faleceu na madrugada da passada quarta-feira, 11 de novembro. Desde políticos de todos os espectros como o líder do partido socialista, António Costa, a atual ministra da Cultura, Teresa Morais assim como o antigo secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier. Presentes também estavam o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco ou o deputado Paulo Rangel. Além desses, estiveram lá os presidentes das câmaras de Matosinhos, Guilherme Pinto, e de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues.

Como seria de esperar, também a presença de personalidades da área da cultura também foi notada, como por exemplo os músicos Pedro Abrunhosa e Miguel Guedes, o escritor Gonçalo M. Tavares, ou ainda os atores António Capelo e Mário Moutinho. Todas as pessoas que lá estiveram, independentemente da sua área predileta ou estatuto social estavam, em conjunto, em luto pela perda de um homem que se entregou de corpo e alma à cultura e à cidade do Porto.

A tarde da quinta-feira 12 de novembro começou no Rivoli, onde o vereador se encontrava em repouso desde as 17h do dia anterior. Por ali já tinham passado na noite anterior várias personalidades tais como o vice primeiro ministro, Paulo Portas. No Rivoli, muitas foram as pessoas que entraram no grande auditório, do cidadão comum a indivíduos de forte importância, e  todos ouviram, do mesmo jeito, Pedro Abrunhosa prestar homenagem em acústico. Sem palmas, o músico deixou o lugar depois de duas músicas ao pianista Álvaro Teixeira Lopes, que interpretou algumas peças de compositores como Mozart ou Bach. Ainda se seguiu, depois dessas atuações, a declamação do poema “Funeral Blues”, de W.H. Auden, por Miguel Pereira Leite, presidente da Assembleia Municipal do Porto.

O silêncio só foi quebrado pelas palmas das pessoas à saída do corpo do auditório do Teatro Rivoli. Cá fora, esperava uma multidão de mais de mil pessoas para acompanhar o cortejo fúnebre, que seguiria do teatro até à Igreja da Lapa. Essas palmas foram ecoadas em vários pontos da deslocação, por cidadãos comuns que paravam e inclinavam a cabeça na passagem do cortejo. Alguns silenciosos, outros mais emotivos, todos pararam para despedirem-se do vereador. Na parte da frente do cortejo, a família próxima de Paulo Cunha e Silva. Logo atrás, a equipa autárquica do Porto, onde era possível encontrar Rui Moreira e Teresa Morais. Depois, a multidão, que também quis acompanhar o seu vereador da Cultura nesta última viagem. A paragem mais sentida do cortejo fora em frente à câmara do Porto, onde funcionários encontravam-se à janela, alguns vertendo lágrimas, mas onde todos conseguiram fazer ouvir as suas palmas.

Chegando à Igreja da Lapa, quem transportou o caixão para dentro do santuário foram próximos, inclusivamente o presidente da câmara Rui Moreira, com quem mantinha uma amizade há um quarto de século. Na missa presidida pelo Bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, o mesmo salientou o sentido de “missão” que Paulo Cunha e Silva sentia no desempenhar das suas funções. “Vemos todo o amplo caminho que nos abriu, para devolver a Cultura à cidade e fazer do Porto uma cidade feliz”, disse. O vereador foi ainda lembrado em textos lidos por pessoas próximas. Perto do final da missa, num dos pontos mais emotivos da tarde, foi a vez de Rui Moreira falar sobre o seu amigo. “Eu, confesso, choro o amigo insubstituível”, “O Paulo sabia que era capaz de fazer o infinito com poucos recursos” ou “O Paulo, repito, era espantoso” foram algumas das palavras proferidas no discurso que o próprio presidente da câmara disponibilizou na sua página de facebook. Nesse discurso, referiu o seu amigo como sendo um “génio” que era “bom e generoso” e reafirmou o compromisso que o executivo atual tinha com a Cultura na cidade. Explicou que a melhor maneira de homenagear a memória do responsável pelo Pelouro – entretanto assumido por Rui Moreira – seria continuar na sua linha de pensamento e no desenvolvimento de iniciativas, como ele tinha feito desde 2013, ano em que assumiu funções. “Mostrou-nos, em pouco mais de dois anos, que é a cultura que nos alimenta e que nos permite ver para além das trevas”, revelou o presidente da Câmara, visivelmente emocionado.

“O Paulo criou uma rutura clara com o obscurantismo”

Pedro Abrunhosa falou aos jornalistas sobre o que esta perda representava para a cidade do Porto e para a Cultura no seu todo no nosso país. Para ele, “o Paulo criou uma rutura clara com o obscurantismo que vinha de uma tributação à cultura”. Na sua mente, Paulo Cunha e Silva “demonstrou claramente que a cultura é geradora de riqueza, de laços, de confronto, mas confronto que constrói uma identidade” e “deixou uma obra claríssima, um Porto iluminado, um Porto que se refez, um Porto reencontrado consigo próprio”.

Um dos responsáveis da Ritmos, Lda que organiza o festival Vodafone Paredes de Coura e trouxe à cidade do Porto o NOS Primavera Sound, João Carvalho, falou ao JPN da tristeza que sentia e revelou tratar-se de “uma perda imensa”. Também sublinhou o trabalho efetuado pelo vereador da Cultura no seu tempo em funções, referindo que “provavelmente fez mais nestes dois anos do que outros no dobro ou triplo do tempo” e que “é um personagem que vai fazer falta à cidade”. Mencionou o orgulho sentido quando, na ocasião do Fórum do Futuro, uma das suas últimas iniciativas enquanto esteve em cargo, Paulo Cunha e Silva admitiu querer tornar a cidade do Porto num “Paredes de Coura do Pensamento”.

Miguel Guedes também falou desse evento, dizendo que “é quase uma metáfora de vida que a sua última grande obra no Porto tenha sido o Fórum do Futuro”. No caso do cantor, que conhecia o vereador há “mais de dez anos” e com quem tinha trabalhado em projetos nos últimos seis meses, referiu sentir “uma perda afetiva muito forte” ao falar na “capacidade de empatia instântanea, momentânea” do responsável pelo Pelouro. “Depois de anos e anos de cinzentismo, em dois anos apenas a cidade viveu uma alegria, uma esperança e uma capacidade visível”, disse ao JPN, aquele que é também comentador televisivo. Deu destaque às qualidades de “gerador de consensos” e de “relacionador de vontades” de Paulo Cunha e Silva, com a sua “capacidade tremenda de impelir a que se façam coisas”. “Era uma pessoa que ficará para sempre. Esta coisa de não haver insubstituíveis é muito bonito mas eu acho que há. Há pessoas que são insubstituíveis e o Paulo era uma. Fez mais pela cultura em Portugal julgo eu que todos os ministros da cultura juntos, e nunca foi ministro da cultura”, disse o vocalista dos Blind Zero.

O ator António Capelo, presente para a ocasião, também falou com o JPN e focou-se na cidade. “A cidade estava a renovar-se então do ponto de vista cultural, fortemente, com um grande impulso da atividade e do trabalho do Paulo”, revelou. Para o mesmo, “perder o Paulo é perder pelo menos o motor dessa renovação”. Mostrou-se ainda apreensivo quanto ao futuro, por ser “muito complicado conseguirmos aguentar de alguma forma tudo o que ele criou, com a energia que ele criou”. Nas suas próprias palavras, “estamos todos um bocadinho mais órfãos”.

Para além da marca indelével deixada pelo vereador, os jovens também têm muito a agradecer pelo trabalho que tinha vindo a ser desenvolvido nos últimos dois anos. Daniel Freitas, presidente da Federação Académica do Porto (FAP), também efetuou a deslocação até à Lapa. “Este é um momento de tristeza da nossa parte para a Academia do Porto porque de facto, alguém que promoveu a cultura na cidade e deu essa dimensão cultural à cidade” admitiu o presidente ao JPN. Acompanhado de outros membros da Federação, admitiu que tiveram que prestar aí a sua homenagem, “uma homenagem que deve ser prestada pela academia, no sentido de recordar a pessoa que era e o bem que fez à cidade a nível cultural”.

O reitor da Universidade do Porto (UP), Sebastião Feyo de Azevedo, falou aos jornalistas sobre o momento que se estava a passar, revelando ser “uma grande perda para Portugal” e que Paulo Cunha e Silva “era uma pessoa notabilíssima sob todos os aspetos, de qualidades humanas, culturalmente, e a sua força interior tremenda”. “Conseguia pegar nas pessoas e andar com os projetos para a frente. Era de facto, para ser muito sintético, uma opessoa excecional. Pura e simplesmente excecional”, revelou o reitor. Deixou ainda uma mensagem, sublinhando que “temos de olhar para o futuro”, e “lembrar muito os grandes exemplos do presente e do passado”, mas sempre olhando para a frente.

DSC_0056

DSC_0093

DSC_0106

DSC_0142

DSC_0204

DSC_0219