Foram inesperados os caminhos que conduziram Clara Gonçalves, de apenas 38 anos, ao cargo que hoje ocupa. A diretora executiva do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC) afirma que esta posição de destaque exige “muito trabalho, muito gosto pelo trabalho e muito amor por aquilo que se faz”. Apesar de insistir que teve “muita sorte na vida”, a responsável pelo projeto da Universidade do Porto (UP) reconhece que é impensável manter um posto de tal magnitude sem esforço e força de vontade.

Primeiros passos

Mas o primeiro amor de Clara foi a natureza. “Desde pequena que me sentia fascinada por tudo o que estivesse relacionado com plantas e animais e foi assim que acabei por decidir que aquilo tinha de fazer parte do meu futuro, de alguma forma”, começa por contar ao JPN.

O sonho era seguir Medicina Veterinária, mas nada correu como esperado. “Espalhei-me ao comprido na prova de ingresso de Físico-Química”, recorda. Como a vontade passava por continuar no Porto, optou por estudar Engenharia Agrónoma na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).

Assim que terminou a licenciatura, começou a trabalhar no Ministério da Agricultura, mas a vida voltou a desafiá-la. “Não demorou muito tempo até me aperceber que não tinha jeito nenhum para o que estava a fazer. Foi ao trabalhar noutras coisas que comecei a perceber que me dava melhor na área de gestão e marketing”, prossegue.

Desta forma, o currículo foi-se preenchendo aos poucos. Trabalhou como consultora de qualidade e gestão para a indústria em Portugal, África e na América Latina e foi coordenadora de alguns projetos. Na câmara da Agricultura do Norte assumiu o cargo de gestora de Marketing e à vasta experiência de trabalho juntou uma especialização: um mestrado em Inovação, Conhecimento e Tecnologia.

Clara não esquece as pessoas que mais marcaram o seu percurso de trabalho. “A primeira coisa que um dos meus patrões me disse antes de me contratar foi «Nós aqui somos todos modestos. Tão depressa estamos em reuniões de negócios com clientes, como no momento a seguir estamos a mudar uma lâmpada. Ninguém é mais que ninguém, somos uma equipa, trabalhamos todos para o mesmo», São palavras que guardei sempre comigo e que me fizeram perceber a importância de nos mantermos humildes”, relembra.

Rumo à UPTEC

UPTEC e a aposta na internacionalização

A diretora executiva do UPTEC aponta a internacionalização e a procura de “oportunidades de investimento para as startups” como as grandes apostas para o novo ano. “Uma startup  nasce global”, afirma, “mas é uma empresa pequena, com uma equipa pequena e, acima de tudo, com muita inovação”. O objetivo é conseguir abrir cada vez mais portas a estes projetos tão ricos e com tanto potencial e expandi-los a nível global.

Mas foi num jantar semanal com os pais que Clara se cruzou pela primeira vez com o novo projeto da Universidade do Porto. “Estava a folhear o Jornal de Notícias e reparei num anúncio de recrutamento para o Parque de Ciência e Tecnologia que ia abrir na Faculdade de Economia. Cortei o anúncio, guardei-o no porta-moedas e nunca mais pensei nisso”, confessa. Mas o destino reservava outra coisa a Clara.

Quando estava na biblioteca com os colegas de Mestrado, encontrou o anúncio perdido algures na carteira. Ligou, foi a uma entrevista e acabou por não ser selecionada, mas foi um primeiro passo.

Pouco tempo depois foi contactada pelo reitor da UP na altura e responsável pelo UPTEC, Novais Barbosa, que a convidou para o ajudar a levar o projeto para a frente. “Aceitei logo o desafio. Sou assim, não consigo participar num projeto que não me desafie e este era ideal. Estamos os dois juntos nisto desde o início, desde os contentores nas traseiras da FEP”, recorda com um sorriso. Entretanto, já passaram quase oito anos.

Ser mulher, ser jovem, ser trabalhadora

Um cargo destes acarreta pesadas responsabilidades e desafios. “É uma batalha constante. Acima de tudo, temos de ter capacidade de resiliência e mostrar que está sempre tudo bem. A equipa que coordenamos é o mais importante. A dinâmica é quase como a de uma família”, explica Clara Gonçalves. “Se alguma coisa não está bem com os pais, os filhos não podem perceber. Temos de aprender a ter esta máscara, esta fronte que garanta que está tudo a correr às mil maravilhas – mesmo que não esteja”, menciona.

O facto de ocupar uma posição tipicamente masculina não a incomoda, embora imponha algumas limitações. “Já senti que não me levavam a sério tanto por ser nova, como por ser mulher”, admite. “Sinto que tenho de ser mais assertiva e exigente do que um homem teria de ser na minha posição, mas também sinto que tenho outras armas ao meu dispor, armas que todas as mulheres têm e devem usar”, remata.

A feminilidade e o lado mais suave e maternal são atributos que Clara considera essenciais quando bem aplicados no ambiente de trabalho. “Tenho muita sorte. Tenho consciência de que trabalho muito e de que viajo imenso, mas isso não me impede de ser boa mãe. Gosto de saber que transmito estes valores às minhas filhas, que podem ser bem-sucedidas na vida sem terem de sacrificar nada. Acima de tudo, sinto que sou uma mulher completa”, concluiu.